Intervenção de Paula Santos, Deputada, Debate «Política patriótica e de esquerda em defesa dos direitos das mulheres – A alternativa do PCP para o combate à violência doméstica»

"Ao longo dos anos o PCP tem apresentado iniciativas legislativas no sentido do aprofundamento dos direitos das mulheres e pela sua emancipação"

A violência sobre as mulheres é um flagelo social a que urge pôr fim. De uma forma geral, a violência tem impactos terríveis na vida das vítimas, das famílias e dos filhos. Perante a realidade portuguesa e as causas já identificadas, é urgente tomar medidas concretas de combate à violência doméstica.

Ao longo dos anos o PCP tem apresentado iniciativas legislativas no sentido do aprofundamento dos direitos das mulheres e pela sua emancipação. Podemos inclusivamente referir que o PCP foi responsável pela apresentação de propostas inovadoras, tendo muitas delas dado origem a leis.

O PCP foi o primeiro partido a apresentar uma iniciativa legislativa sobre a protecção adequada às mulheres vítimas de violência, que deu origem à Lei n.º 61/91, de 13 de Agosto. Passadas mais de duas décadas, podemos hoje afirmar que a evolução no combate à violência contra a mulher em Portugal tem sido lenta.

Nesta legislatura apresentámos três iniciativas legislativas que procuram proteger as mulheres e evitar qualquer forma violência sobre elas, a saber:

– Projecto de Lei que reforça a protecção das vítimas de violência;

– Projecto de Resolução pelo combate ao empobrecimento e à agudização da pobreza entre as mulheres;

– Projecto de Resolução que recomenda ao Governo o reforço de medidas de combate ao tráfico de seres humanos e à exploração na prostituição.

Destaca-se o Projecto de Lei que reforça a protecção das vítimas de violência, que aprofunda as disposições que constam da Lei n.º 61/91. Nesta iniciativa propomos a criação de novas e eficazes medidas de combate à violência contra as mulheres, a saber:

– Aborda a violência sobre as mulheres numa perspectiva abrangente, na qual incluí a violência física, psicológica, emocional ou sexual e as práticas e actos discriminatórios, que violem direitos fundamentais ou que limitem a liberdade e autodeterminação das mulheres;

– A responsabilização do Estado pela criação e funcionamento de uma rede institucional de estruturas nacionais (a Comissão Nacional de Prevenção e de Protecção das Vítimas de Violência) e locais (a Comissão de Protecção e Apoio às Vítimas de Violência por distrito e região autónoma e sempre que necessário um centro de atendimento e núcleos onde se justifique) que combata a violência e apoie as mulheres vítimas de violência e os seus filhos, à semelhança do que acontece com as CPCJ;

– A garantia de condições sociais e económicas que assegurem a autonomia e independência das mulheres vítimas de violência, materializada no pagamento de uma prestação mensal equivalente ao indexante de apoios sociais por um período de seis meses;

– A garantia do acesso à justiça, por via da gratuitidade da consulta jurídica e dispensa total dos encargos associados ao processo judicial. No plano da justiça propomos também medidas de formação específica dirigida a magistrados, advogados e órgãos de polícia criminal;

– A possibilidade de o trabalhador ser transferido para outro estabelecimento da empresa, assim como a não consideração das faltas ao trabalho decorrentes das situações de violência;

– O reforço dos meios técnicos e humanos da Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego, de forma a criar melhores condições para a sua intervenção e actuação.

A violência resulta do modelo da sociedade em que vivemos e das políticas económicas, sociais e culturais que têm vindo a ser prosseguidas há 38 anos, por sucessivos governos, alternando entre PS e PSD, com ou sem o CDS-PP.

A violência, as desigualdades, as discriminações, a exploração dos trabalhadores, as concepções retrógradas estão na natureza da política de direita para atingir um único objectivo – a acumulação de lucro. Portanto, a erradicação da violência e a emancipação efectiva das mulheres exige a ruptura total com esta política e a adopção de uma verdadeira política alternativa.

No Programa do PCP «Uma Democracia Avançada – Os Valores de Abril no futuro de Portugal» que propomos ao povo e ao país, afirmamos: «O direito das mulheres à igualdade, intimamente ligado à sua luta emancipadora, é condição para a democratização e humanização da sociedade e o livre desenvolvimento das capacidades criativas e produtivas das mulheres.»

E que esse direito será assegurado:

«– por legislação que garanta a efectivação dos direitos das mulheres em todas as esferas da sociedade, proibindo e penalizando todas as discriminações;

– pelo direito ao trabalho em igualdade de oportunidades no acesso, formação e promoção profissionais e a efectivação do princípio de «a trabalho igual salário igual»;

– pelo reconhecimento efectivo da maternidade e paternidade como função eminentemente social;

– pelo reconhecimento efectivo da igualdade de direitos e deveres entre homens e mulheres na família, incluindo na manutenção e educação dos filhos;

– pelo desenvolvimento de uma política educativa e cultural visando a alteração das mentalidades e a criação de relações familiares baseadas na decisão livre, no amor e solidariedade entre os seus membros;

– pela criação das condições objectivas e subjectivas para a formação de uma adequada consciência social que encare o homem e a mulher como seres humanos na plenitude dos seus direitos e deveres.»

Para o PCP, e passo a citar, «o tema da violência está indissociavelmente ligado aos direitos humanos. Esta violência exprime-se na esfera pública e na esfera privada, liga-se à relação homem/mulher na família e estende-se à esfera económica e produtiva e à violação dos direitos fundamentais do ser humano.»

Erradicar a violência sobre as mulheres exige uma intervenção em diversos domínios, de uma forma integrada e coerente.

Medidas que protejam, acompanhem e apoiem as vítimas; medidas que rompam com concepções retrógradas quanto ao papel da mulher na sociedade e medidas que previnam a ocorrência deste tipo de crimes e que erradiquem a violência sobre as mulheres. Medidas que exigem uma intervenção directa do Governo. Medidas que exigem uma intervenção sistémica, que não pode passar somente pela vítima e pelo agressor, mas também dirigida aos outros para romper com a passividade.

No plano da protecção, acompanhamento e apoio das vítimas de violência é preciso a adopção de medidas na área da segurança social, do emprego, do acesso à justiça e da saúde. Assim propomos:

– A criação de programas específicos de acompanhamento das vítimas, que lhes garantam um efectivo apoio, que lhes dê confiança e de respostas concretas que garantam a autonomia e a independência na vertente económica e social às vítimas (considerando que alcançar a autonomia depois do período de acolhimento nas casas abrigo tem sido bastante difícil), seja através do alargamento da atribuição de apoios sociais e de medidas concretas, seja pela garantia de emprego com direitos e com salário digno;

– O reforço das casas abrigo, que assegurem todas as condições para apoiar as mulheres e os seus filhos;

– Reforço dos meios alocados à justiça, em especial meios humanos que permitam uma maior celeridade da justiça e a acessibilidade do acesso à justiça pelas vítimas, através da isenção de todos os custos associados aos processos judiciais. A reorganização do mapa judiciário com o encerramento e desqualificação de tribunais veio agravar a actual situação, pelo que se impõe a reposição das valências dos tribunais;

– Garantia da acessibilidade aos cuidados de saúde por via da revogação das taxas moderadoras, mas também pelo reforço dos profissionais de saúde (em especial do médico de família para mulheres, crianças e jovens) e da existência de uma cobertura de cuidados de saúde primários (garantindo o planeamento familiar, a saúde materna e infantil) e cuidados hospitalares que responda às necessidades;

– Reforço da saúde mental no tratamento e reabilitação. Esta é uma área profundamente negligenciada, onde se verifica uma enorme escassez de psicólogos, psiquiatras e pedopsiquiatras nos serviços públicos de saúde. E as equipas e serviços de proximidade continuam a ser uma miragem;

– Reforço dos meios na administração interna que permita uma intervenção mais célere e eficaz.

A alteração das mentalidades assume uma enorme importância no plano da prevenção.
É preciso combater a cultura de «banalização» da violência e do individualismo, da proliferação de imagens da mulher como objecto sexual, da transformação da prostituição em «trabalho sexual».

É preciso alterar concepções retrógradas que se reflectem em atitudes e comportamentos assentes na subalternização das mulheres no seio da família, no local de trabalho e na sociedade, e por fim às relações de poder, na família, do homem sobre a mulher, que reflecte as relações de poder na sociedade determinadas pelo domínio do capital, dos grupos económicos e financeiros sobre a classe trabalhadora.

É preciso elevar a consciência social de que a violência doméstica é um crime.

No plano da prevenção, para evitar a ocorrência destes crimes hediondos e uma evolução de mentalidades, a educação e escola assumem um papel fundamental na formação integral do indivíduo, na sensibilização e consciencialização para os valores da liberdade, dos direitos, da democracia, da participação e da igualdade. Por isso, é importante que os professores estejam despertos para estas questões através do desenvolvimento de acções de formação), que a escola desenvolva intervenções e acções concretas numa perspectiva multidisciplinar e que a escola disponha de meios, designadamente de gabinetes pedagógicos de integração escolar constituídos por equipas multidisciplinares para acompanhar as crianças e jovens. Uma realidade que tem vindo a ter maior expressão é a violência no namoro, por isso, uma intervenção regular e atempada é essencial. Hoje a educação sexual não existe em todas as escolas apesar do quadro legal vigente o determinar. Há muito que a educação sexual deveria ser uma realidade em todas as escolas apesar da lei o determinar. É preciso alocar os meios necessários, para que se efective a educação sexual nas escolas em todo o território nacional.

Deve-se também adoptar programas de prevenção na área do alcoolismo e na toxicodependência dirigidos a diferentes camadas da população, assim como uma intervenção de prevenção no âmbito da saúde mental, que evite o desenvolvimento de perturbações mentais.

A violência tem uma maior expressão na classe trabalhadora em resultado dos condicionalismos económicos e sociais que lhes são impostos, característicos do capitalismo. A prevenção das situações de tensão e conflito que existe em muitas famílias e que se agravou nos últimos anos na sequência da imposição dos PEC, do Pacto de Agressão e da política de empobrecimento e exploração, com tradução nos baixos trabalhos, no aumento e desregulamentação dos horários de trabalho, nos elevados ritmos de trabalho, na dificuldade na articulação entre a vida profissional e pessoal, só é possível com uma política patriótica e de esquerda como propomos.

Só com uma política patriótica e de esquerda que aposte no desenvolvimento do nosso aparelho produtivo (agricultura, pescas e indústria), na criação de riqueza e criação de emprego com direitos, na distribuição da riqueza através da valorização de salários e pensões e na defesa das funções sociais do Estado e dos serviços públicos, na área da segurança social, da saúde, da educação, da justiça, entre outras, é possível garantir condições de vida dignas para as famílias e o cumprimento dos direitos políticos, económicos, sociais e culturais.

Só com uma política patriótica e de esquerda assente nos valores de Abril, que respeite, cumpra e aprofunde os direitos das mulheres, é possível garantir a plena emancipação das mulheres em todas as dimensões da sua vida.

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