Projecto de Lei N.º 133/XIII/1.ª

Programa Urgente de Combate à Precariedade Laboral na Administração Pública

Programa Urgente de Combate à Precariedade Laboral na Administração Pública

I - Os resultados das eleições legislativas de dia 4 de Outubro de 2015, além de representarem uma derrota para a política de direita e para os partidos que a executaram nos últimos 4 anos, demonstraram de forma clara a vontade do povo português de romper com o rumo de exploração e empobrecimento.

O PCP considera a valorização do trabalho e dos trabalhadores como um dos eixos essenciais da política alternativa que propõe, assumindo neste quadro o compromisso de dar efetivo combate ao flagelo da precariedade e assim assegurar que todos os trabalhadores possam ver garantido o seu direito a um emprego estável e com direitos.

O recurso ilegal à precariedade para suprir necessidades permanentes dos serviços públicos tem sido a opção política de sucessivos Governos desde há vários anos. Esta opção política radica numa estratégia de desvalorização do trabalho e de generalização da precariedade, através da redução dos custos do trabalho, conduzindo inevitavelmente ao agravamento do desemprego. Estas opções são expressão de uma política de destruição das funções sociais do Estado assente no esvaziamento e delapidação dos serviços públicos, com vista ao seu encerramento e privatização.

De acordo com os dados mais recentes da DGAEP, entre 31 de dezembro de 2011 e 31 de dezembro de 2015 foram destruídos mais de 69 mil postos de trabalho na Administração Pública, sendo que a administração central foi o subsector que registou a maior redução, com diminuição de 49 500 postos de trabalho.

O desemprego, fator determinante de pressão sobre os trabalhadores para a imposição de salários mais baixos e de vínculos precários ascendeu, no final do 4.º trimestre de 2015, a 12,2% e, no que toca à média anual, ascendeu a 12,4% (em sentido restrito). Todavia, se a este número somarmos todos aqueles que são eliminados das estatísticas oficiais (os trabalhadores desempregados em estágios e formações, os trabalhadores inativos, que estando disponíveis para trabalhar não procuraram ativamente emprego nas semanas que antecederam a recolha de dados, e os trabalhadores que são obrigados a trabalhar a tempo parcial) facilmente concluímos que a realidade do desemprego atinge mais de um milhão e 200 mil trabalhadores. Só no que toca aos desempregados há 12 meses ou mais, ascenderam, em 2015, a 63,5%.

Quanto ao reduzido emprego criado, a esmagadora maioria é precário, com salários muito baixos, com elevados ritmos de trabalho, horários desregulados e elevados níveis de exploração. Assim o demonstram, por exemplo, os cerca de 500 mil trabalhadores isolados a trabalhar a recibos verdes.

Hoje no nosso país existem milhares e milhares de trabalhadores com vínculos precários: contratos a termo em desrespeito pela lei, uso abusivo de recibos verdes, trabalho encapotado pelo regime de prestação de serviços, bolsas de investigação ou estágios profissionais, trabalho temporário sem observância de regras e o recurso às chamadas políticas de emprego, são as formas dominantes da precariedade laboral que apenas têm como elemento comum a insegurança de vínculos laborais associadas à limitação de direitos fundamentais.

No nosso país existem milhares de trabalhadores em escolas, centros de saúde, hospitais e outros serviços públicos que, desempenhando funções permanentes, têm vínculos contratuais precários, tais como «falsos recibos verdes», contratos a termo, Contratos Emprego-Inserção, trabalho temporário, contratos de prestação de serviços, regime de horas, entre outros.

Esta situação é inaceitável, com a agravante de ser o próprio Estado a dar o pior exemplo. Por inúmeras vezes o PCP propôs, através de diferentes iniciativas legislativas, a reposição da legalidade destes vínculos contratuais segundo o princípio de que a um posto de trabalho permanente para o cumprimento de necessidades permanentes, deve corresponder um vínculo efetivo.

A Lei n.º 12-A/2008, de 27 de fevereiro, estabelece que, sendo insuficiente o número de trabalhadores em funções, o órgão ou serviço competente promove o recrutamento dos trabalhadores necessários à ocupação dos postos de trabalho em causa. Determina ainda que esse recrutamento, «para ocupação dos postos de trabalho necessários à execução das atividades, opera-se com recurso à constituição de relações jurídicas de emprego público por tempo indeterminado, exceto quando tais atividades sejam de natureza temporária, caso em que o recrutamento é efetuado com recurso à constituição de relações jurídicas de emprego público por tempo determinado ou determinável.»

De facto, milhares de trabalhadores em funções públicas - assistentes operacionais, professores, técnicos especializados de apoio aos alunos com necessidades especiais, enfermeiros das unidades hospitalares, entre outros - não se encontram em situação de substituição direta ou indireta de outros trabalhadores. Não se encontram a assegurar necessidades urgentes, mas sim necessidades permanentes dos serviços. Não se encontram em execução de tarefas ocasionais. Não se encontram em estruturas temporárias, não estão a fazer face ao aumento excecional e temporário da atividade do órgão ou serviço nem a desenvolver projetos não inseridos nas atividades normais dos órgãos ou serviços.

Por tudo isto, a contratação que sucessivos Governos têm feito está a violar a legislação existente e a atentar contra os direitos e a dignidade dos trabalhadores.

Exemplo disso mesmo é o recurso às medidas públicas de combate ao desemprego, com os “Contratos Emprego-Inserção” à cabeça, para colmatar necessidades permanentes dos serviços públicos.

O recurso aos “Contratos Emprego-Inserção” (CEI’s) e aos “Contratos Emprego-Inserção +” (CEI’s +) tem provado que não traz benefícios, não serve a qualidade dos serviços públicos e prejudica a vida destes trabalhadores.

No ano de 2015 estão nesta situação milhares de trabalhadores que asseguram o funcionamento dos serviços públicos, designadamente escolas, unidades de saúde, serviços da segurança social, mas aos quais é recusado um contrato e um salário.

Estes trabalhadores encontram-se em situação de desemprego e durante um período máximo de 12 meses, asseguram o funcionamento de um já largo conjunto de serviços públicos, dando resposta a necessidades permanentes. Terminado esse período, não podem continuar nesse posto de trabalho e dão lugar a uma nova forma de contratação precária.

Estão ainda em marcha programas de apoio aos estágios profissionais na Administração Pública, central e local – respetivamente, o PEPAC e o PEPAL. Seduzem os jovens desempregados com falsas promessas de posterior empregabilidade, ao mesmo tempo que levam a cabo o maior despedimento coletivo de que há memória no nosso país. Conseguem, desta forma, substituir trabalhadores com direitos e anos e anos de serviço, por jovens estagiários que são também, sucessivamente, substituídos por novas ondas de estagiários.

Os estágios, cursos e formações profissionais, mascaram as estatísticas do desemprego, reduzem estatisticamente o número de trabalhadores desempregados, mas não criam qualquer perspetiva de efetiva resolução do problema do desemprego.

O PCP não aceita a justificação de que mais vale um estágio que o desemprego, pois verdadeiramente a questão está colocada entre um vínculo precário ou um vínculo efetivo. A alternativa ao desemprego não é a precariedade mas sim o emprego com direitos, e só mesmo quem se serve destes trabalhadores pode invocar este argumento.

A precariedade do emprego é a precariedade da família, é a precariedade da vida, mas é igualmente a precariedade da formação, das qualificações e da experiência profissional, é a precariedade do perfil produtivo e da produtividade do trabalho.

Desta forma, o PCP propõe uma política do Estado que abranja as mais diversas áreas e estruturas, a começar desde logo pela Administração Pública, e por isso mesmo, apresenta o presente projeto de lei, com os seguintes objetivos:

1. Realização de uma auditoria a toda a Administração Pública para levantamento completo das situações de recurso a contratação precária, incluindo as situações de recurso a medidas públicas de emprego para o preenchimento de necessidades permanentes dos serviços públicos;
2. Determinados os resultados da auditoria, ficam o Governo e as instituições em causa obrigados a abrir lugares nos mapas do pessoal e a realizar concursos públicos para o seu provimento;

3. Assegurar o normal funcionamento dos serviços públicos em condições adequadas para responder às necessidades das populações.

Nestes termos e ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, os Deputados abaixo assinados do Grupo Parlamentar do PCP apresentam o seguinte Projeto de Lei:

Artigo 1.º - Objeto

1 - A presente lei define o Programa Urgente de Combate à Precariedade Laboral na Administração Pública, tendo como objetivo a concretização de uma política nacional de prevenção e combate à precariedade, visando a defesa e a promoção dos direitos dos trabalhadores.

2 - A presente lei determina que a contratação para a satisfação de necessidades permanentes efetuada através do recurso a contratos precários seja gradualmente substituída por contratos de trabalho efetivos.

Artigo 2.º - Âmbito

1 – A presente lei aplica-se a todas as entidades, serviços e organismos da administração direta e indireta do Estado.
2 - A presente lei é também aplicável, com as necessárias adaptações, designadamente no que respeita às competências em matéria administrativa dos correspondentes órgãos de governo próprio, aos serviços das administrações regionais e autárquicas.

3 – A presente lei é ainda aplicável:

a) Às empresas do setor público empresarial, às empresas públicas, às empresas participadas e às empresas detidas, direta ou indiretamente, por quaisquer entidades públicas estaduais, nomeadamente as dos setores empresariais regionais e locais;

b) Aos institutos públicos de regime comum e especial;

c) Às pessoas coletivas de direito público, dotadas de independência decorrente da sua integração nas áreas da regulação, supervisão e controlo, incluindo as entidades reguladoras independentes.

Artigo 3.º - Noção e Conceitos

1 – Para efeitos da presente lei considera-se como precário todo o vínculo que, visando o estabelecimento de uma relação laboral pública para o suprimento de necessidades não transitórias da entidade, serviço e organismo, não seja celebrado através de vínculo público de nomeação ou de contrato de trabalho em funções públicas.

2 - Para aferir do caráter não transitório da necessidade referida no número anterior, são elementos relevantes e obrigatoriamente tidos em conta para o efeito, os elementos especificados no n.º 3 do artigo 3.º, nomeadamente os que dizem respeito à duração, prorrogação, renovação e histórico de antecedentes contratuais no desempenho da concreta prestação, tarefa ou função.

Artigo 4.º - Auditoria obrigatória de levantamento de situações de precariedade laboral na Administração Pública

1 – O Governo, no prazo de seis meses após a publicação da presente lei, deve realizar uma auditoria a toda a Administração Pública com o objetivo de ser elaborado um levantamento completo das situações de recurso a contratação precária.

2 – A auditoria deve abranger todas as entidades, organismos e serviços referidos no artigo anterior.

3 – São elementos necessários e obrigatórios da auditoria:

a) O levantamento de todas as situações de recurso a contratos de prestação de serviços e de comissão de serviços, bem como a descrição das condições em que estes são prestados, especialmente:
i. Qual a concreta prestação, tarefa e função desempenhada;
ii. Qual a duração temporal do contrato e a existência ou não de renovações ou prorrogações;
iii. Quais os antecedentes naquela prestação, tarefa ou função, visando nomeadamente saber de que forma era assegurado o seu cumprimento em momento anterior ao contrato em análise;
b) O apuramento de todas as situações de recurso a medidas públicas de emprego para a satisfação de necessidades permanentes dos organismos e serviços públicos, atendendo designadamente:
I. À medida de emprego em causa;
II. À concreta prestação, tarefa ou função desempenhada;
III. Ao período diário, em número de horas, de ocupação do trabalhador;
IV. Da duração temporal total da colocação, expressa em dias;
V. Dos antecedentes naquela prestação, tarefa ou função, nomeadamente referindo a forma como era assegurado o seu cumprimento em momento anterior;
VI. Da sucessão de colocações através de medidas de emprego público, ainda que através de diferentes medidas e trabalhadores, na mesma entidade e para o desempenho da mesma prestação, tarefa ou função;

c) Uma listagem de todos os vínculos de trabalho precários existentes na Administração Pública, independentemente da forma de contratação concretamente utilizada, incluindo a apreciação das circunstâncias em que foram celebrados, as condições acordadas, a sua duração e o histórico de cumprimento da prestação, tarefa ou função anterior à celebração do contrato precário.

Artigo 5.º - Dever de Cooperação

1 - Todas as entidades, serviços e organismos públicos têm o dever de cooperar com a realização da auditoria referida no artigo anterior, em ordem à prossecução dos seus fins, designadamente facultando todas informações de que disponham e que esta solicite no âmbito das suas atribuições.
2 – O incumprimento do dever acima descrito gera a responsabilidade disciplinar do dirigente responsável pela entidade, serviço ou organismo.

Artigo 6.º - Publicação obrigatória

São de publicação obrigatória, disponível para consulta pública, os resultados e conclusões que resultem da realização da auditoria realizada nos termos da presente lei.

Artigo 7.º - Conversão do vínculo precário

1 – Uma vez determinados os resultados do relatório, o Governo está obrigado a abrir os correspondentes lugares nos mapas de pessoal e a realizar os concursos públicos necessários ao seu provimento para as situações de preenchimento de postos de trabalho permanentes dos serviços com recurso a formas de vinculação precária.

2 – O prazo para o cumprimento dos deveres impostos ao Governo no número anterior é de seis meses a contar da data publicação dos resultados e conclusões resultantes do relatório realizado.

3 - No concurso público o Governo deve estabelecer como um dos critérios para a seleção, a experiência profissional no desempenho das prestações, tarefas ou funções que o lugar a preencher comporta, devendo ser especialmente valorizada a experiência do trabalhador que anteriormente desempenhava aquelas atribuições através dum vínculo precário.

Artigo 8.º - Entrada em vigor

1 - A presente lei entra em vigor 30 dias após a sua publicação.

2 - Todas as disposições das quais resultem implicações financeiras para as entidades referidas no art.º 2.º, nomeadamente as que se prendam com o aumento de despesa correspondente à contratação de trabalhadores prevista no art.º 7.º, entram em vigor com a Lei do Orçamento do Estado posterior à sua publicação, o qual deve prever as verbas a afetar para o efeito.

Assembleia da República, em 18 de fevereiro de 2016

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