Projecto de Lei N.º 100/XIII/1.ª

Regula o cultivo de variedades agrícolas geneticamente modificadas (OGM)

Regula o cultivo de variedades agrícolas geneticamente modificadas (OGM)

A biotecnologia tem vindo a ganhar crescente importância a nível mundial, apresentando enormes potencialidades, as quais, se concretizadas e utilizadas de forma adequada, poderão dar um valioso contributo para o desenvolvimento económico e o progresso social.

O PCP, afirmando os potenciais impactos positivos do desenvolvimento científico e tecnológico na área da biotecnologia, não pode deixar de pugnar por uma criteriosa aplicação do princípio da precaução, em particular ao setor da agricultura, relativamente ao qual existe uma crescente pressão para a introdução de organismos geneticamente modificados.

Na agricultura portuguesa dominam as explorações agrícolas familiares, de pequena e média dimensão, de pendor policultural. As explorações de caráter empresarial e de grandes dimensões, centradas em produções intensivas e de massa, consolidaram a sua posição particularmente durante o anterior Governo PSD/CDS. Estas explorações têm maior apetência para procurar o lucro máximo através da proteção ecológica mínima.

Do ponto de vista comercial, a agricultura nacional só tem a ganhar com a defesa e promoção da qualidade de um produto nacional, “biológico”, de espécies regionais e tradicionais, assegurando nichos de mercado, ao invés da padronização da produção, de massa e de modo intensivo. Nestas produções, homogeneizadas e comercializadas à escala mundial, nada teremos a ganhar. A agricultura convencional ou a agricultura biológica constituem, objetivamente, modos de produção bastante mais adequados às características do próprio mercado nacional e ao mercado externo em que Portugal pode ainda competir.

A legislação portuguesa sobre os organismos geneticamente modificados fomenta o cultivo de sementes transgénicas, na medida em que sobrepõe o direito a cultivar essas sementes ao direito a não cultivar. Esta opção política ignora as dúvidas e interrogações que persistem, sustentadas cientificamente, na utilização de organismos geneticamente modificados, no plano da segurança alimentar e da biodiversidade. E conhecendo-se quem investiga, desenvolve e comercializa os organismos geneticamente modificados são multinacionais estrangeiras, também se põe em risco a própria soberania alimentar.

A lei portuguesa sobre organismos geneticamente modificados impõe à agricultura convencional e biológica os riscos da contaminação pelas produções com sementes transgénicas, principalmente desde a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 160/2005, de 21 de setembro. Não existe nenhum mecanismo ou forma suficientemente segura, no atual estado dos conhecimentos científicos e técnicos, para limitar o cultivo de transgénicos aos espaços em que forem semeados. Logo, esse cultivo, por si só, põe em causa diretamente, por via da contaminação, a liberdade de cultivar organismos não “perturbados” pelas produções transgénicas.

A atual legislação responsabiliza o produtor de agricultura convencional ou biológica pela tomada de precauções que limitem a contaminação das suas explorações pelas explorações transgénicas vizinhas. Já os produtores destas últimas apenas são responsabilizados pela notificação dos produtores adjacentes e o cumprimento de algumas regras, que nunca garantirão a sua inocuidade para o que se produz ao seu lado.

O PCP considera que os interesses e as características dominantes da agricultura nacional são contraditórias com a generalização da agricultura transgénica. O simples facto de esses cultivos poderem ser levados a cabo em meio não suficientemente controlado implica o risco de trocas polínicas incontroláveis entre culturas. São já conhecidos, no mundo, casos de agricultores judicialmente perseguidos por deterem variedades patenteadas, que chegaram às suas explorações por polinizações cruzadas.

Portugal, pela sua geomorfologia, pelas suas características pedológicas e pela sua estrutura fundiária e de produção agrícola, não apresenta vantagens em optar pelo cultivo transgénico. O Estado tem o dever de zelar pela capacidade produtiva da generalidade dos agricultores portugueses, por condições que lhes assegurem rendimentos e condições de vida digna, proporcionando simultaneamente aos portugueses uma produção agroalimentar sadia e de qualidade, ao invés de tomar decisões e copiar soluções que põem em causa os modos de produção convencional e que apenas servem os interesses de alguns, poucos, grandes proprietários fundiários.

Considera também o PCP que a atual legislação sobre zonas livres de organismos geneticamente modificados impõe, na prática, a proibição aos municípios, às populações ou aos agricultores de declararem a sua região como zona livre. Na realidade, a legislação hierarquiza os direitos de cultivar ou não cultivar organismos geneticamente modificados. No entanto, hierarquiza de forma invertida, já que atribui supremacia ao direito de cultivar transgénicos sobre o direito de os não cultivar. Com a legislação atual, basta um qualquer proprietário agrícola de uma determinada região pretender cultivar organismos geneticamente modificados para que as declarações de zona livre deixem de fazer efeito.
O cultivo de variedades vegetais de organismos geneticamente modificados significa ainda uma relação comercial de forte dependência dos agricultores face às multinacionais das indústrias biotecnológicas agroalimentares, que detêm a patente/propriedade sobre o genótipo cultivado, o que pode significar reforçar ainda mais a seu domínio sob áreas importantes da agricultura portuguesa.
Ainda há pouco tempo foi tomada, na União Europeia, a decisão de abertura ao cultivo de variedades geneticamente modificadas. A mesma decisão remete para os Estados-membros a possibilidade de proibirem a sua plantação em parte ou em todo o seu território. O PCP entende que esta não é a melhor solução para o nosso país e, por isso, vem propor a criação dos mecanismos de limitação à generalização do uso de variedades geneticamente modificadas.
Neste momento, o risco de generalização das produções transgénicas poderá fazer com que a agricultura convencional e/ou biológica se tornem as exceções. Através do presente Projeto de Lei, o PCP propõe que a agricultura convencional e/ou biológica sejam a regra da agricultura nacional e que todo o país seja considerado zona livre de transgénicos, remetendo o cultivo de organismos geneticamente modificados para o âmbito da exceção. Hoje, em nome do princípio da precaução, admitimos a exceção para a investigação e a experimentação científica. Amanhã, face ao desenvolvimento da ciência e técnica, os portugueses saberão decidir o que é melhor para os agricultores e para o País.

Nos termos regimentais e constitucionais aplicáveis, os Deputados abaixo assinados do Grupo Parlamentar do PCP apresentam o seguinte Projeto de Lei:

Artigo 1.º
Objeto

A presente lei regula o cultivo e utilização de variedades vegetais geneticamente modificadas.

Artigo 2.º
Definições

Para os efeitos previstos na presente lei entende-se por:

a) “Variedade vegetal geneticamente modificada” a variedade de uma determinada espécie vegetal obtida por via de manipulação genética, de forma que não se verifique por processos de cruzamento naturais.

b) “Meio controlado” o meio ou espaço, interior ou exterior, que garante a total ausência de contaminação biológica ou química do seu exterior, o transporte polínico para o exterior e a polinização cruzada com variedades vegetais no seu exterior.

c) “Meio não controlado” o meio ou espaço, interior ou exterior, que não garante a contenção absoluta no interior dos seus limites do pólen, das sementes ou dos produtos químicos associados ao cultivo em questão.

Artigo 3.º
Cultivo de variedades vegetais geneticamente modificadas

1- É proibido o cultivo e a libertação em meio não controlado de variedades vegetais geneticamente modificadas em território nacional;

2- Podem ser cultivadas ou libertadas em meio controlado, variedades geneticamente modificadas para os seguintes fins:

a) cultivo para fins de investigação científica;

b) cultivo para produção que tenha fins medicinais ou terapêuticos;

c) cultivo para outros fins de relevante interesse público, quando autorizado pelo Governo.

Artigo 4.º
Autorização

As autorizações para cultivo de variedades vegetais geneticamente modificadas em meio não controlado válidas na altura de entrada em vigor da presente lei cessam à data da sua caducidade, sem lugar a renovação de autorização, salvo nos casos previstos na lei.
Artigo 5.º
Fiscalização e Autorização

1- Compete ao Governo, através dos Ministérios que tutelam as áreas da Economia, da Agricultura, da Saúde e do Ambiente, garantir a concessão de autorizações nos termos da lei.

2- Compete ao Governo, através dos Ministérios que tutelam as áreas da Agricultura e do Ambiente, a fiscalização da cultura de variedades vegetais geneticamente modificadas.

Artigo 6.º
Controlo

1- As culturas de variedades vegetais geneticamente modificadas são alvo de um controlo periódico de contenção de sementes e pólenes, nomeadamente através da medição dos graus de contaminação de explorações agrícolas convencionais ou biológicas.

2- Os custos associados ao controlo periódico da contaminação de culturas convencionais ou biológicas por variedades vegetais geneticamente modificadas são da responsabilidade das entidades que levam a cabo a sua produção de acordo com a autorização concedida.

3- A entidade responsável pelo controlo referido no n.º 1 do presente artigo é a Direção Regional de Agricultura e Pescas da área geográfica das explorações agrícolas em causa.

Artigo 7.º
Indemnização

Aos agricultores de explorações convencionais ou biológicas, cujas culturas sejam contaminadas, em medida passível de medição pelos meios científicos de deteção disponíveis, é devida, pelo sujeito ou sujeitos que cultivam a fonte da contaminação, uma indemnização calculada na base do valor total da exploração contaminada por variedades geneticamente modificadas.

Artigo 8.º
Período de transição

Nos casos em que pequenos e médios agricultores utilizem variedades geneticamente modificadas nas suas explorações, é determinado um período transitório com definição da calendarização e respetivos apoios, para eliminação dessa utilização, a fixar em Portaria a publicar pelo ministério com competência na área da agricultura.

Artigo 9.º
Contraordenações

1. Constitui contraordenação o cultivo de variedades vegetais geneticamente modificadas, salvo nas exceções previstas na presente lei.

2. A contraordenação prevista no número anterior é aplicada pela autoridade administrativa competente para a fiscalização e é regulada pelo Governo no prazo de 30 dias após a data de publicação da presente lei.

Artigo 10.º
Norma revogatória

São revogados:
a) o Decreto-Lei n.º 160/2005, de 21 de setembro;
b) a Portaria n.º 904/2006, de 4 de setembro;
c) a Portaria 1611/2007, de 20 de dezembro.

Artigo 11.º
Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.

Assembleia da República, em 15 de janeiro de 2016

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