Intervenção de Bruno Dias na Assembleia de República

A privatização da TAP tem de ser travada e revertida!

Sr. Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados

O que está a acontecer na TAP não é investimento estrangeiro nenhum, é um saque!

O famoso dinheiro fresco injetado na companhia está a ser espremido da própria TAP! Até os 10 milhões de euros — sublinhe-se esta vergonha: 10 milhões de euros! — que o consórcio privado pagou pela TAP ficam ela por ela com os 10 milhões que são dados à Barraqueiro, de Humberto Pedrosa, oferecidos pelo despacho de Sérgio Monteiro em 10 de agosto.

Menos de 24 horas depois do infame episódio da assinatura do contrato de venda da TAP na sede da Parpública, David Neeleman esclarece, para quem tivesse dúvidas, quem é que afinal manda e anuncia que a encomenda dos novos aviões A350 — com as condições especiais que tinha — fica sem efeito e será trocada por outros modelos, neste caso o A330, mais favoráveis às estratégias do consórcio privado, e que, assim, chegam vários meses depois do prazo inicial. A posição contratual é cedida. Pergunta-se: quem ganha?

Mais recentemente, é referida a venda dos edifícios do reduto TAP no aeroporto de Lisboa, seja por operação financeira de tipo lease back, seja mesmo por alienação com a saída de um conjunto de atividades e serviços. O tão celebrado encaixe de capital significaria, assim, um quadro de precariedade operacional, acelerando os riscos de deslocalização definitiva do grosso da manutenção e engenharia e de abandono do handling e da SPdH/Groundforce.
Há dias, Fernando Pinto, gestor público-privado da TAP, dizia que o consórcio tinha colocado 180 milhões de euros na companhia. Não explicou foi que o dinheiro vem dos credores da TAP, que já eram e continuam a ser credores da TAP, mas desta vez com garantias do Estado, que sempre foram negadas à TAP pública. Mas a esse assunto ainda voltaremos.

Durante anos, propagandearam a privatização da TAP com profissões de fé sobre o seu futuro, sobre a nossa TAP, sobre a qualidade do serviço sempre salvaguardada, sobre a identidade própria da companhia a ligar Portugal e os portugueses ao mundo. Tanto juraram e bateram no peito e tão depressa foram desmentidos! Ainda nem um mês passou e já os tais interesses privados mostraram ao que vêm.

Anunciam a aplicação de modelo de serviço típico das companhias low cost; anunciam que a TAP passará a cobrar pelas refeições servidas a bordo; anunciam, e já aplicam, a imposição de uma sobretaxa de «boas festas» a encarecer as passagens aéreas nesta época, só porque sim, só porque podem; entretanto, é também anunciado o futuro abandono das ligações aéreas de longo curso à cidade do Porto; e o peregrino cenário, já admitido, de uma espécie de subcontratação da TAP às low cost para voos nacionais ou de médio curso.

É esta a TAP mais forte que nos prometeram! Que futuro está reservado para a PGA Portugália Airlines e para os seus trabalhadores? Aliás, que futuro está reservado em relação aos tais despedimentos na TAP, que os arautos da privatização brandiam como ameaça se a TAP fosse pública?

Sr. Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados

Nós sempre afirmámos que a privatização da TAP, do ponto de vista político e estratégico, era e é uma decisão criminosa em relação ao interesse nacional. Neste caso, o processo que foi levado a cabo tem a agravante de ter sido conduzido em flagrante violação da lei e da Constituição.

De acordo com o que veio a público, a 21 de outubro, Passos Coelho e Sérgio Monteiro reúnem-se com os bancos credores da TAP. No dia seguinte, mais de duas semanas depois das eleições legislativas, é aprovada a resolução do Conselho de Ministros que, na prática, atribuiu uma garantia pública à dívida da TAP, salvaguardando a posição dos bancos e dos interesses privados que se apoderassem da companhia. Nesse mesmo dia, o PCP denunciou essa manobra e sublinhou que o Governo teria de ser responsabilizado por quaisquer consequências para o Estado que resultassem desta decisão.

Menos de uma semana depois, o XX Governo cessa funções e Sérgio Monteiro declara-se entusiasmado com a sua nomeação para a venda do Novo Banco, que, coincidência ou não, é um dos credores da TAP com quem havia reunido.

O Governo que, em 2012, cancelou a privatização da TAP, alegando que o comprador não tinha as necessárias garantias bancárias para a dívida da TAP, foi o mesmo Governo que, em 2015, garantiu essa dívida ao novo comprador sem quaisquer custos para este.

O Estado assumiu, assim, um valor que ascenderá a 766,7 milhões de euros de dívida contingente, ao contrário do estipulado no caderno de encargos, alterando materialmente as condições do concurso, já em fase de venda direta, em menos de 24 horas, sem autorização da Assembleia da República e sem qualquer controlo prévio.

Entretanto, com o XX Governo já demitido e em meras funções de gestão, nova resolução do Conselho de Ministros ordena que a Parpública celebre com o Agrupamento Gateway a conclusão da venda da TAP, aprovando a minuta do acordo para a privatização e determinando efeitos imediatos para a decisão.

Um Governo que havia já tomado decisões politicamente ilegítimas ultrapassava agora de forma confirmada os limites constitucionalmente estabelecidos à sua própria ação, procurando limitar significativamente os poderes de decisão política do futuro Governo.

Sr.as e Srs. Deputados, o que este processo configura é um verdadeiro escândalo que avançou de ilegalidade em ilegalidade e que tem de ser travado de uma vez por todas. Não podemos pactuar com uma lógica de factos consumados. Os últimos dias trouxeram novos e poderosos argumentos à luta contra a privatização, confirmaram alertas que o PCP vem fazendo desde sempre, mas também demonstram que há possibilidades reais de salvar a TAP, em vez de a deixar entregue ao controlo destes interesses e destas estratégias.

O PCP sublinha que existem todas as razões políticas, económicas, jurídicas para anular e fazer reverter imediatamente esta privatização sem qualquer indemnização como ato ilegal que foi e reafirma também que, em função das posições políticas assumidas pelos diferentes partidos representados na Assembleia da República, estão reunidas as condições para anular e reverter esta privatização. Sem prejuízo da indispensável e inadiável intervenção que o atual Governo terá a responsabilidade de assumir, o PCP prosseguirá a sua intervenção empenhada, coerente, que, ao longo dos anos, tem vindo a desenvolver.

Nesse sentido, apresentaremos na Comissão de Economia, Inovação e Obras Públicas a proposta de que seja ouvido o Ministro do Planeamento e Infraestruturas para que esta Assembleia tenha o ponto da situação e o debate em torno desta questão estratégica para a nossa economia e para a soberania nacional.

(…)
Sr. Presidente,
Srs. Deputados,

Agradeço as questões colocadas pelo Sr. Deputado Heitor de Sousa.

Ao Sr. Deputado Hélder Amaral quero fazer apenas um pequeno exercício de memória: os senhores foram demitidos do Governo há pouco tempo, mas desgovernaram o País durante mais de quatro anos.

Em relação aos despedimentos na TAP, quando o Sr. Deputado Hélder Amaral pergunta quem é que paga, eu gostaria que pensasse na ameaça de despedimentos que está a ser feita aos trabalhadores no atual quadro que os senhores causaram e provocaram.

Nós já sabemos que o CDS tem sempre muitas dificuldades em assumir as responsabilidades. Foi assim no Ministério da Defesa, com os contratos que depois viemos a descobrir em relação aos submarinos; é assim em relação ao que se passou na TAP, com a Manutenção Brasil, que os senhores empurraram com a barriga e deixaram a situação no ponto a que chegou. Nós já sabemos isso muito bem, mas é preciso que alguém se lembre das responsabilidades que os senhores assumiram no Governo anterior e das consequências concretas daquilo que decidiram.

Protestos do CDS-PP.

Isto porque, quando, em relação à questão magna, perguntamos quem é que paga os custos da TAP, eu até cedia tempo ao Sr. Deputado para me dizer quantos euros é que o Estado meteu na TAP nos últimos 18 anos. Quantos? Nem 1 cêntimo, Sr. Deputado!

O Estado foi buscar milhares de milhões de euros em descontos dos trabalhadores e da empresa, em contribuições para a segurança social, sendo o maior exportador líquido português e não deu 1 cêntimo para a companhia.

Por isso, pergunta-se quem é que paga as dívidas contingentes que a TAP tem, que agora são asseguradas pelo Estado mas que nunca foram asseguradas quando a TAP era pública.

Então, os senhores, no Conselho de Ministros, completamente à margem da lei, sem qualquer controlo prévio do Tribunal de Contas, sem autorização da Assembleia da República, assumem, duas semanas depois das eleições, que o Estado dá garantias a uma dívida contingente da TAP que antes nunca deram quando a TAP foi pública? Quem é que paga, Sr. Deputado?!

Sr. Deputado Heitor de Sousa, queria agradecer a sua questão e lembrar que, a propósito da velha administração da TAP, que é a nova administração público-privada que transitou na mesma semana da pública para a privada e da privada para a pública e agora aparece na pública outra vez — dizem que foi por lapso, mas nós até temos dúvidas —, dessa geringonça que os senhores da direita fizeram em relação à TAP e que nós agora estamos aqui a denunciar, é preciso trazer aqui a clamorosa falta de transparência de todo o processo.

Quanto à tal resolução do Conselho de Ministros que anuncia e aprova a alteração de um contrato de venda direta, alterando as condições materiais de um concurso sem que os anteriores concorrentes soubessem, com um anexo que é secreto e que até hoje ninguém conhece, é caso para perguntar também aos Srs. Deputados do CDS quem é que paga à TAP e ao País os custos que esta operação, só por si, até hoje, já teve para a companhia e para o interesse nacional.

(…)
Sr. Presidente,

Da parte do PCP, gostaríamos de agradecer as questões colocadas pelos Srs. Deputados João Paulo Correia e Luís Leite Ramos.

De facto, há um ponto que tem de ser aqui reafirmado, que tem a ver com a privatização da TAP. Estamos perante um escândalo nacional que tem de ter um ponto final de uma vez por todas. Este é um assunto caro ao PCP e já está a sair caro ao País.

Aplausos do PCP e do PS.

E vai sair ainda mais caro ao País se nada for feito, porque a ação que os senhores do PSD e do CDS travaram em relação à TAP foi grave demais, e foi grave demais para aquilo que estamos aqui a discutir.

Perante aquilo que os Srs. Deputados do PSD e do CDS dizem, nota-se claramente que ainda têm as mesmas referências e os mesmos apontamentos de há seis meses, a última vez que discutimos isto na Assembleia da República.

É que há seis meses nós trouxemos as nossas propostas, as questões relativas ao futuro da companhia e os senhores, que agora estão a perguntar quais são, na altura, discutiram-nas e votaram contra, ou pensámos nós que os senhores as tinham discutido, mas, afinal, não estavam atentos ao debate em que se encontravam.

Quanto àquilo de que os senhores agora falam, da nacionalização, é preciso esclarecer, porque há um erro, Srs. Deputados: nós não estamos a falar de nacionalizar uma companhia, porque ela foi ilegalmente privatizada e, portanto, o contrato de venda é ilegal, é inconstitucional, não vale e, como tal, o processo tem de ser travado, uma vez que os senhores, pela calada da noite, fazem uma venda em contexto completamente à margem da lei. E, por mais piada que isto tenha para o Sr. Primeiro-Ministro demitido e atual Deputado Pedro Passos Coelho, a verdade é que a situação em que os senhores colocaram a TAP é má demais e grave demais para as risadas que os senhores dão, Sr. Deputado Pedro Passos Coelho. É por isso que dizemos que aquilo de que se trata hoje é de cancelar e fazer reverter um processo que foi ilegal, porque o Governo demitido não podia ter feito o que fez.

Nós assumimos, em relação ao Partido Socialista, como, aliás, é conhecido, que temos divergências quanto ao futuro da companhia e às soluções a adotar para o futuro, que temos opiniões divergentes em relação às questões do capital privado na companhia, mas há uma questão em que, desde há bem pouco tempo, todos nós, deste lado, temos sido claramente consensuais, que é a de que este negócio ruinoso tem de ser cancelado e travado. Repito, este negócio ruinoso tem de ser cancelado e travado, o que significa que àqueles que se apoderaram da companhia ou que, pelo menos, estão hoje a mandar nela tem de lhes ser mostrada a porta da rua. É simplesmente isto que tem de acontecer: tem de ser mostrada a porta da rua àqueles senhores, tal como foi mostrada a porta da rua ao Governo que foi demitido! É muito simples, Srs. Deputados! É muito simples! Temos é de defender efetivamente o futuro da companhia.

O projeto que o PCP tem para a TAP é muito claro, foi apresentado nesta Assembleia e implica, de facto, processos que têm a ver com o reforço da companhia.

Como estava a dizer, o projeto que o PCP tem para a TAP é muito claro, foi apresentado nesta Assembleia e implica, de facto, processos que têm a ver com o reforço da companhia, sem que as ameaças que os senhores vêm brandindo há anos, sobre o que acontece numa TAP pública, tenham necessariamente de acontecer, e esta é a nossa preocupação. É que essas ameaças aparecem já hoje no horizonte, agora que a TAP está nas mãos e sob o controlo daqueles interesses privados, e é isso que não podemos deixar que aconteça.

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