Intervenção de Jerónimo de Sousa na Assembleia de República

"Os tempos que temos pela frente são de grande exigência, mas também de confiança"

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Sr. Presidente,
Sr.as e Srs. Membros do Governo,
Sr.as e Srs. Deputados:
Estamos a chegar ao fim do debate do Programa do Governo e, com ele, ao término de um processo de indigitação e formação de um Governo cuja legitimidade se sabia inquestionavelmente assente na vontade maioritária desta Assembleia.
Uma vontade assumida com toda a transparência e dando expressão à vontade maioritária do voto popular, que, nas eleições do passado dia 4 de outubro, claramente, colocou a coligação PSD/CDS-PP em minoria nesta Assembleia, sofrendo uma profunda derrota, mas expressou igualmente uma clara recusa da sua política.
No decorrer deste debate, ainda ouvimos o repisar das teses e as invetivas dos que procuram, como PSD e CDS, justificar o seu direito a exercer o poder em regime de monopólio, em nome da inexistente e falsa regra de que o partido mais votado tem direito a governar e a passar obrigatoriamente na Assembleia da República, mesmo quando minoritário, nessa falaciosa artimanha que desvirtua a natureza das eleições legislativas e abusivamente as transforma em eleições para Primeiro-Ministro.
Mas isso é passado, o futuro é daqueles que justamente defendem e não abdicam do princípio de que os votos são todos iguais e de que não há votos de primeira, ungidos numa espécie de direito divino, como pretendem PSD e CDS, e votos de segunda, que são os dos outros partidos.
Hoje, com a nova composição da Assembleia da República, nada pode iludir a existência da possibilidade real de adotar decisões que correspondam a legítimas aspirações do povo português.
Está agora aberta uma nova fase na vida política nacional, suscetível de responder a muitos dos problemas mais imediatos dos trabalhadores e do povo português. Uma nova fase com um Governo que tomou posse e se apresenta a esta Assembleia com o seu Programa e tem reunidas as condições para que entre em funções e adote uma política que assegure uma solução duradoura, na perspetiva da Legislatura.
Um percurso que não será fácil nem simples, se tivermos em conta a realidade e o estado em que o País se encontra como resultado das políticas realizadas nos últimos anos e agravadas substancialmente na governação da coligação PSD/CDS-PP, que, neste debate, se recusaram a aceitar.
Uma governação que deixou o País de rastos e na cauda do desenvolvimento na Europa, com uma economia que andou mais de uma década para trás e com milhares de encerramentos de empresas.
Um País que empobreceu, desde a sua tomada de posse, cerca de 10 000 milhões de euros.
Um País abatido com a imersão do investimento e com efeitos imprevisíveis no seu desenvolvimento futuro.
Um País crescentemente endividado e um serviço da dívida sufocante, com o desemprego real a atingir mais de 1,1 milhões de portugueses, com níveis dramáticos de precariedade que atingem quase um terço dos trabalhadores assalariados.
Um País crescentemente desigual e injusto pela acelerada desvalorização dos rendimentos do trabalho. Uma regressão inaceitável na distribuição da riqueza nacional e que se traduz numa queda histórica dos salários que, nos últimos 50 anos, nunca, como hoje, pesaram tão pouco face aos lucros, às rendas e aos juros.
Caracterizar a política realizada como uma política de austeridade não é rigoroso. Foi, antes, uma violenta política de exploração e empobrecimento, de transferência de rendimentos do trabalho para o capital.
Um País mais desigual e injusto, com o aumento de 800 000 portugueses a viver abaixo do limiar da pobreza nos últimos quatro anos, ao mesmo tempo que se cortava nas prestações sociais, nos rendimentos dos portugueses mais carenciados, nos subsídios de desemprego, nos transportes dos doentes não urgentes, nos complementos aos idosos.
Uma insensível política social que arruinou famílias, a quem ainda penhoraram as casas onde moravam.
Um País com mais de meio milhão de portugueses forçados à emigração e crescentemente desertificado numa grande parte do seu território.
Um País sufocado com um aumento brutal dos impostos sobre o trabalho e o consumo de bens populares e essenciais, com serviços públicos degradados e direitos sociais das populações amputados, que debilitaram o conjunto dos direitos sociais dos portugueses, nomeadamente à saúde, à educação, à proteção social e à cultura.
Um País em declínio, saqueado no seu património, com a política de privatizações que o tornou mais dependente e mais frágil.
Foi este País que PSD e CDS deixaram, com a sua opção por uma política de terra queimada que aqui, neste debate, expressando um azedo mau perder, se vê que pretendem continuar, agora na oposição, apostados que estão em dar uma imagem de iminente catástrofe no País, em resultado da nova situação decorrente das eleições.
Antecipam um novo apocalipse, mas o que todas as suas declarações catastrofistas visam é provocar o medo, contribuir objetivamente para pôr o País mais no fundo e justificar a sua política de declínio nacional.
São os mesmos que deixaram o País na grave situação de retrocesso económico e social em que se encontra que vêm apresentar uma moção de rejeição ao Programa do Governo. Rejeitaremos a rejeição! A nossa resposta é inequívoca: votaremos contra!
Votaremos contra, porque queremos manter aberta a janela da esperança que a luta dos trabalhadores e das populações abriu.
Um voto de recusa que vai ao encontro da vontade expressa pelo povo português, que afirmou, com a sua prolongada luta e depois com o seu voto, a imperativa necessidade de assegurar a interrupção do rumo de desastre que vinha sendo prosseguido no País. Voto que, inquestionavelmente, é o sinal e a expressão da vontade de parar com a destruição do País, de aspiração a uma vida melhor, num Portugal com futuro!
No Programa que o Governo do PS apresentou, afirma-se a vontade de inverter o rumo das políticas dos últimos anos e o propósito de mudança que desejamos que a vida confirme.
Este não é, naturalmente, o nosso Programa. Não seria exigível, reconhecidas que são as diferenças programáticas, que o Programa do Governo do PS correspondesse ao conjunto de opções e políticas que identificamos como necessárias para, de forma sólida, dar resposta a questões estruturais que o País enfrenta e que PSD e CDS agravaram exponencialmente. Mas é um Programa que acolhe contribuições do PCP, resultantes de um esforço de convergência para encontrar respostas e soluções que pudessem corresponder a interesses e aspirações prementes dos trabalhadores e do povo português e que ficaram plasmadas na Posição conjunta do PS e do PCP sobre solução política.
É a valorização da convergência que continuamos, séria e empenhadamente, a privilegiar. E foi o grau dessa convergência que permitiu o grau de compromisso que, concretizado, traduzirá uma melhoria na vida dos portugueses.
Compromisso que abre a possibilidade de, entre outros, dar passos na devolução de salários e rendimentos, repor os complementos de reforma dos trabalhadores do sector empresarial do Estado, valorizar salários e travar a degradação continuada das pensões, restituir parte das prestações sociais sujeitas à condição de recursos, repor os feriados retirados, garantir melhores condições de acesso ao direito à saúde e à educação, fazer reverter os processos de concessão e privatização das empresas de transportes públicos.
Neste processo, não iludimos diferenças nem omitimos a visão distinta na resposta a contradições patentes na realidade portuguesa, nomeadamente as que se prendem com a necessidade de promover um crescimento económico robusto, com criação de emprego e mais investimento, num quadro de constrangimentos internos e externos que são, a nosso ver, um manifesto colete-de-forças impeditivo da prossecução desses objetivos e da realização de um desenvolvimento soberano.
O passo que agora se dá é um passo importante para travar a ofensiva mais desenfreada destes anos e que desejamos e esperamos seja um safanão na política das inevitabilidades que cerca a vida dos portugueses.
Esta é uma solução para a qual ninguém prescindiu da sua independência ideológica e política e do seu próprio programa, mas onde está presente a mútua garantia e o empenhamento comum de contribuir para assegurar ao País um outro rumo de desenvolvimento económico e progresso social.
A possibilidade que agora se abre não só não dispensa como confirma ser indispensável a concretização de uma política patriótica e de esquerda, como aquela que o PCP defende, persistindo na luta pelo seu reconhecimento junto do nosso povo como a grande solução para os problemas do País.
Uma política que devolva ao País o que é do País, capaz de criar riqueza e concretizar a sua mais justa repartição, uma outra política fiscal que tenha dos direitos dos trabalhadores a mesma matriz que a Constituição consagra e projeta, que no plano da educação, da saúde, da ciência e da cultura se alicerce numa conceção não de despesa mas de investimento no futuro, que vença os constrangimentos e afirme a soberania nacional.
Com a mesma seriedade e sinceridade com que estivemos no processo, estaremos com seriedade e sinceridade na valorização da convergência ou na afirmação da diferença e da divergência, reafirmando que o nosso principal compromisso é com os trabalhadores e o povo.
Temos consciência de que o povo não exige nem quer tudo de uma vez só, mas também não quer que se mude alguma coisa para ficar tudo na mesma.
Os tempos que temos pela frente são tempos de grande exigência, mas também de confiança de que é possível construir um Portugal mais justo, mais solidário e mais desenvolvido.
Nisto, o PCP empenhará a sua ação e a sua luta.

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