Projecto de Lei N.º 24/XIII/1.ª

Determina o cancelamento e a reversão do processo de fusão da Rede Ferroviária Nacional – REFER, E. P. E., com a EP – Estradas de Portugal, S. A., e sua transformação na sociedade anónima com a denominação Infraestruturas de Portugal, S. A.

Determina o cancelamento e a reversão do processo de fusão da Rede Ferroviária Nacional – REFER, E. P. E., com a EP – Estradas de Portugal, S. A., e sua transformação na sociedade anónima com a denominação Infraestruturas de Portugal, S. A.

A fusão da REFER com a Estradas de Portugal é provavelmente o mais contestado dos processos que o Governo PSD/CDS impôs no Sector dos Transportes. Fora da esfera financeira, é raro encontrar uma voz capaz de defender esta fusão, e as consequências operacionais que comporta.

Consciente dessa realidade, o Governo tratou de conduzir este processo sempre tentando colocar os trabalhadores, o país e a Assembleia da República perante factos consumados. Uma alteração deste quilate foi realizada por Decreto-Lei, à margem do poder legislativo, com o Decreto a ser publicado numa sexta-feira para entrar em vigor na segunda, sem qualquer tempo para a discussão pública. Esta forma opaca e antidemocrática é o reflexo do conteúdo concreto da medida que quiseram impor.

A política de direita esvaziou crescentemente a REFER e a EP, transferiu saberes, competências e equipamentos para o sector privado, e passou a adquirir serviços que antes assegurava, com custos cada vez maiores para o erário público e colocando o Estado na dependência da banca, dos grandes grupos da construção civil e obras públicas que monopolizam e cartelizam o sector. Cada vez mais estas duas empresas foram reduzidas à condição de gestoras de empreitadas, concessões, subconcessões, subcontratações e de dívidas.

O facto de os custos com o pessoal pesarem apenas 2% (na EP) e 6,4% (na REFER) na estrutura de custos das duas empresas era bem significativo do caminho trilhado. Com a fusão na IP, esse caminho intensificou-se, com o despedir de ainda mais trabalhadores, e o anúncio da oferta ao sector privado de segmentos fundamentais das empresas.

O modelo que agora se quer solidificar com as Infraestruturas de Portugal, afasta as empresas do sector público da realização da sua natureza operacional colocando-as como intermediárias entre o Estado e os grupos económicos. Esse modelo revelou-se desastroso, carregou as empresas com encargos financeiros e provocou a paralisia do investimento e a degradação das infraestruturas.

No caso das Estradas de Portugal, o endividamento está ligado ao conjunto de compromissos com as PPP rodoviárias que, a não serem verdadeiramente revistos, representam obrigações superiores a 22 mil milhões de euros (para o período 2013/2041), e que em 2014 lhe impuseram pagamentos de 1,1 mil milhões de euros (mais 300 milhões que em 2013, apesar das falsas poupanças que o governo tanto propagandeou), com mais 1,2 mil milhões previstos no OE’2015.

No caso da REFER, a empresa tem uma dívida que ronda os 6,5 mil milhões de euros, prevendo-se 146,6 milhões de euros de pagamentos de juros em 2015. Esse endividamento resulta, no essencial, do facto de durante mais de 20 anos o investimento ferroviário em Portugal ter sido assumido a mais de 80% através da contratação de dívida pela REFER e dos custos brutais e crescentes com o serviço dessa dívida e com os instrumentos especulativos que a ela associaram.

Na EP o peso desta dívida tem ainda uma implicação muito concreta: mais de 90% da rede rodoviária nacional recebe apenas cerca de 10% dos recursos financeiros disponíveis, pois as PPP “sugam” todos os restantes recursos.

Esta fusão foi um salto consciente numa direção desastrosa para os interesses nacionais. Como já ficou bem patente (através das declarações de António Ramalho, e do despacho que criou o Grupo de Trabalho que preparou esta fusão), o que se pretende é realizar «ganhos rápidos», ditos «quick wins», para ajudar a pagar estes compromissos com as PPP, com as subconcessões e com a banca. Esta é a verdadeira prioridade, e esta não pode ser a prioridade quando se trata do gestor das infraestruturas nacionais.

Para «vender» esta sua ideia o Governo falou muito ao início em sinergias e no modelo «sueco» ou «finlandês». Mas quando questionado, nunca mostrou que estudos comparados foram realizados sobre essas experiências, não esclareceu as profundas diferenças entre o que na gestão das infraestruturas se passa na Suécia e na Finlândia e o que quer impor para Portugal. E principalmente, não explicou porque escolheu rejeitar o modelo seguido na esmagadora maioria dos países do mundo. Finalmente, deixou de falar nos «modelos», abandonando essa linha de propaganda. Mas é importante recordar que há uma razão para que nenhum país do mundo tenha feito o que o anterior Governo quis impor ao país: porque é uma ideia completamente errada do ponto de vista operacional e criminosa do ponto de vista da fiabilidade e segurança da operação.

Se algo o Estado Português deveria aprender com outros estados europeus é no facto de alguns que tinham separado a exploração da infraestrutura ferroviária estarem a regressar a uma maior unificação do sistema, corrigindo as opções tomadas na sequência dos diferentes pacotes ferroviários da UE. Se a questão da obtenção de sinergias fosse de facto uma prioridade, o Governo teria um caminho que o PCP reivindica há anos, e que está a ser seguido na Alemanha e na França, e que a Espanha decidiu implementar depois do acidente de Vigo: trata-se da reconstrução de uma única empresa ferroviária que reúna o operador da infraestrutura e o da circulação, fazendo regressar CP, CP Carga, EMEF e REFER a uma mesma empresa ferroviária, nacional e pública. Mas as sinergias, na afirmação da política de direita, também são fundamentalmente propaganda e pretexto.

A criação da IP pretendeu facilitar a realização das tais «quick wins» e privatizar ou concessionar tudo o que se puder para conseguir garantir as rendas aos grupos económicos e financeiros.

A criação da IP aponta para a venda conjunta da Refer Telecom e da importante rede de comunicações propriedade da REFER (a quem o Governo atribuiu a responsabilidade pela rede de comunicações de fibra ótica e pelo centro de processamento de dados em backup da Autoridade Tributária e Aduaneira) depois de fundir essa rede com a rede da EP.

A criação da IP aponta para a venda da Refer Engineering, colocando o Estado português numa ainda maior dependência dos grandes grupos monopolistas da construção e obras públicas; para a venda do vasto património ferroviário; para colocar na IP as receitas da concessão da exploração das linhas rentáveis hoje atribuídas à CP (Urbanos de Lisboa e Porto, Longo Curso), prosseguindo o caminho de descapitalização e desmantelamento da CP; para o concessionar do Controlo de Circulação Ferroviário; para a privatização dos terminais ferroviários de mercadorias; para o concessionar dos terminais rodoviários; para entregar novas concessões na rede viária, etc..

A criação da IP aponta para a continuação das «operações financeiras», como expressamente previsto no Decreto-Lei, sem retirar qualquer ilação do processo dos contratos “swap” que já custou ao país largos milhares de milhões de euros, e dá ainda uma inacreditável e perigosa «carta-branca» aos administradores da IP para deliberarem sobre a venda de património público avaliado até 255 milhões de euros.

A criação da IP desempenhou ainda um papel particularmente negativo no processo de pulverização e privatização do sector ferroviário nacional: agravou a separação artificial entre gestor e utilizador da infraestrutura e transferiu para a nova empresa o direito de concessionar as linhas hoje exploradas pela CP. Aliás, é bem significativa a inclusão destas matérias no objeto da nova empresa: «O Estado pode delegar na IP, S. A., a preparação dos processos de abertura à concorrência da exploração de serviço de transporte ferroviário em regime de serviço público» e «... delegar ou concessionar a posição de autoridade competente para efeitos de atribuição a terceiros da exploração de serviço de transporte ferroviário em regime de serviço público».

No caso ferroviário, a IP representa ainda um modelo completamente irresponsável do ponto de vista da fiabilidade e segurança do sistema. Muito mais que na rodovia, a circulação ferroviária implica uma perfeita articulação entre material circulante e infraestrutura e entre os trabalhadores que operam uma e outra. Aliás, ninguém tentou sequer negar esta realidade. Em lado nenhum dos despachos e decretos se lê que a solução que querem impor é para melhorar a segurança e fiabilidade da circulação ferroviária.

Se a separação entre CP e REFER já é negativa, o afastamento que a IP representa e a pulverização de agentes que implica será desastrosa. E não será um regulador que resolverá o problema, como não o foi noutros países, e como não foi noutros sectores em Portugal.

A criação da IP destinou-se ainda a aprofundar o processo de destruição de postos de trabalho, precariedade e subcontratação nestas empresas, substituindo os trabalhadores do quadro por trabalhadores subcontratados. Em menos de 6 meses de vida, são já centenas os trabalhadores dispensados.

Estamos perante um processo onde se transferem oportunidades de acumulação da mais-valia para os grandes grupos económicos, que cresceram à custa desta política e saqueando o Estado, que prejudica diretamente os trabalhadores, mas não prejudica menos o desenvolvimento social e económico do país. É natural que os grupos económicos e o capital financeiro aplaudam este processo. Mas o que a estes grupos serve não serve ao país, não serve aos trabalhadores, não serve ao povo português.

Trata-se de um processo que merece a frontal oposição da esmagadora maioria do sector ferroviário e rodoviário, exceção feita, claro, àqueles que esperam vir a ganhar muito com ele – os concessionários, os grupos económicos do sector e as multinacionais.

Face ao exposto, e tendo ainda em conta que o processo de fusão se encontra numa fase inicial e facilmente reversível, o PCP apresenta esta iniciativa legislativa, no sentido de determinar a reversão da artificial fusão entre a REFER e as Estradas de Portugal, como primeiro e indispensável passo para a adoção das políticas de valorização destas empresas públicas e do seu contributo para o desenvolvimento soberano de Portugal.

Assim, ao abrigo da alínea b) do Artigo 156.º da Constituição da República e da alínea b) do número 1 do Artigo 4.º do Regimento da Assembleia da República, os deputados do Grupo Parlamentar do PCP apresentam o seguinte Projeto de Lei:

Artigo 1.º
Objeto

A presente lei determina o cancelamento e a reversão do processo de fusão da Rede Ferroviária Nacional – REFER, E. P. E. com a EP – Estradas de Portugal, S. A., e da sua transformação na sociedade anónima com a denominação Infraestruturas de Portugal, S. A.

Artigo 2.º
Mandato do Conselho de Administração da IP

O Conselho de Administração da IP – Infraestruturas de Portugal, S. A., fica mandatado para, no prazo de 180 dias a contar da entrada em vigor da presente lei, preparar e levar a cabo a reversão do processo de fusão que deu origem à empresa, reconstituindo assim a EP – Estradas de Portugal e a Rede Ferroviária Nacional – REFER.

Artigo 3.º
Regulamentação

O Governo deve proceder à regulamentação e aos atos jurídicos e administrativos necessários à concretização e entrada em pleno funcionamento das entidades referidas no artigo anterior.

Artigo 4.º
Norma revogatória

São revogados:
a) O decreto-Lei n.º 160/2014, de 29 de Outubro, e

b) O decreto-lei n.º 91/2015, de 29 de maio.

Artigo 5.º
Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação, com exceção do Artigo 4.º que entrará em vigor no prazo de 180 dias.

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