Intervenção de Jerónimo de Sousa na Assembleia de República

"O governo combate o desemprego... despedindo trabalhadores"

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No debate quinzenal realizado hoje na Assembleia da República, o Secretário-Geral do PCP confrontou o Primeiro Ministro com os dados do desemprego e os anunciados despedimentos em diversas empresas e na administração pública, com a situação da dramática situação que vivem o sector da pesca em portugal e com a situação cada vez mais caótica ocorrida nas urgências do país.

Sr.ª Presidente,
Sr. Primeiro-Ministro,
As estatísticas recentes sobre o desemprego vieram clarificar um pouco a realidade do que se passa no plano do emprego e do desemprego. E podíamos dizer que lá se foram os sinais dessa tendência tão proclamados permanentemente, como no último debate quinzenal.
Mas isso já nós sabíamos. É evidente que as estatísticas, desde que torturadas e retorcidas, dizem sempre aquilo que se pretende que digam, mas o problema é no futuro próximo, Sr. Primeiro-Ministro. Os anúncios de despedimento em serviços no setor financeiro, os despedimentos anunciados na Base das Lajes, os despedimentos já pré-anunciados na TAP, porque é esse o objetivo da privatização da TAP, em muitas empresas do País isso sim são sinais inquietantes e tendências que se vão acentuar. Mas, Sr. Primeiro-Ministro, pior do que isso, pela via da chamada requalificação, não só para os trabalhadores da segurança social, mas parece que em todos os ministérios, é o próprio Governo que quer proceder a despedimentos. Estranha forma de o Governo combater o desemprego.
Explique lá esta contradição insanável, Sr. Primeiro-Ministro.
(…)
Sr.ª Presidente,
Sr. Primeiro-Ministro,
Nós andamos cá há muitos anos e sabemos muito bem como é que estas coisas acontecem. Designadamente em relação a esta questão da requalificação, a possibilidade do despedimento começou logo pelo corte dos salários, de fazer chantagem sobre os trabalhadores que ficam com esse regime. Dirá, Sr. Primeiro-Ministro, que não é um despedimento anunciado, é uma requalificação, mas eu digo-lhe que é uma antecâmara do despedimento, que os senhores pretendem, em termos da Administração Pública.
Em relação à manipulação dos dados do INE, era o IEFP que conduzia as coisas em termos estatísticos e que os distorcia e manipulava.
Gostaria de lhe colocar uma segunda questão, de grande importância, para si também, com certeza, um problema concreto e de grande preocupação, sobre a pesca da sardinha. Permitam-me contudo que, antes, e perante o trágico desastre que aconteceu esta semana com mais uma embarcação, comece por apresentar às famílias os meus sentidos pêsames e a solidariedade do PCP.
Estes desastres que se vão sucedendo assustadoramente podem ser travados, mas isso exige, como várias vezes o PCP tem sublinhado, criar uma única rede de segurança que pode ser verdadeiramente eficaz, tal como criar condições para que os rendimentos da pesca sejam suficientes e para que os pescadores não precisem de ir ao mar quando não há condições de segurança para o fazerem.
É necessário que o Governo tome medidas para reverter as decisões tomadas sobre a pesca da sardinha. Não se compreende que os espanhóis possam continuar a pescar e nós não. Ou então, Sr. Primeiro-Ministro, indemnizem-se os pescadores com compensações suficientes. Os barcos e os pescadores da sardinha não podem ficar seis meses sem trabalho, de outubro de 2014 até abril de 2015, como está em cima da mesa.
É estranho, Sr. Primeiro-Ministro, que a Comissão Europeia, em 16 de dezembro, tenha respondido ao PCP dizendo: «Portugal e Espanha ainda não contactaram a Comissão relativamente à possibilidade de uma ajuda compensatória». Porquê, Sr. Primeiro-Ministro? Estamos a falar de uma comunidade profundamente fustigada pelas injustiças, pelo perigo das suas próprias vidas e o Governo não tem uma palavra a dizer. Antes 17 DE JANEIRO DE 2015 21

pelo contrário, vai permitir a penalização em relação à pesca da sardinha, dizendo a essa comunidade que se dedique à pesca do carapau, sabendo nós que esta comunidade piscatória vive muito da pesca sardinha. Não tem resposta para isto, Sr. Primeiro-Ministro?
(…)
Sr. Primeiro-Ministro,
Tudo isto espremido demonstra que o Sr. Primeiro-Ministro não responde a nada de concreto.
Gostaria aqui de sublinhar que em relação aos problemas dos pescadores que aqui colocámos o Sr. Primeiro-Ministro não responde coisa alguma.
Há, ainda, uma terceira questão que gostaria de lhe colocar, Sr. Primeiro-Ministro: nas últimas semanas, têm sido muitos os problemas verificados na prestação de cuidados de saúde, problemas que, não sendo novos, tiveram desenvolvimentos que são inaceitáveis e preocupantes.
A situação que se tem vivido nas urgências hospitalares tem sido caótica. Continuam a morrer pessoas à espera de serem atendidas nas urgências, com tempos de espera que ultrapassam, e muito, todos os limites de segurança dos doentes. Sim, Sr. Primeiro-Ministro, estamos todos de acordo em não explorar politicamente a desgraça, mas calar o drama é bem pior, e é por isso que nós aqui colocamos este problema.
Não estamos perante uma situação pontual, esta é uma situação que, infelizmente, começa a ser recorrente, na maior parte do ano, em muitos hospitais do Serviço Nacional de Saúde.
Num País em que 2,4 milhões de pessoas vivem abaixo do limiar de pobreza, 20% dos quais são crianças, pessoas com grandes dificuldades para pagar medicamentos, com grande défice alimentar, a política de desresponsabilização do Estado leva, inevitavelmente, ao aumento desses dramas.
Sr. Primeiro-Ministro, é preciso tomar medidas, é preciso inverter rapidamente a situação. Na nossa opinião, há um problema de fundo para resolver: é sabido que, hoje, 70% dos episódios médicos deveriam ser resolvidos nos cuidados primários de saúde, mas está a haver uma inversão e são, neste momento, os hospitais que têm 70% dos episódios médicos e 30% ficam nos serviços de proximidade de saúde. Ora, nós temos de inverter isto, porque, se não, estes problemas vão aumentando cada vez mais.
Outro problema é o do subfinanciamento crónico do Serviço Nacional de Saúde. O garrote financeiro a que estão sujeitos os hospitais é um impedimento para a resolução de um problema central que tem que ver com profissionais de saúde. Falamos dos médicos, temos de falar dos enfermeiros, temos de falar de trabalhadores especializados, de operacionais que eram fundamentais, designadamente na urgência, e só nesse campo saíram 2000 nos últimos anos.
Esse é um problema de fundo, Sr. Primeiro-Ministro. Façamos com que esse princípio consagrado na Constituição, a saúde, seja um direito geral e universal, seja uma realidade e não fique comprometido, porque estamos a falar de um bem precioso para os portugueses.

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