Declaração de Miguel Tiago na Assembleia de República, Conferência de Imprensa

Primeira abordagem à Comissão de Inquérito sobre a gestão do BES e do Grupo Espírito Santo

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Srs e Sras Jornalistas

O Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português, proponente da criação da Comissão de Inquérito sobre a gestão do BES e do Grupo Espírito Santo, ao processo que conduziu à aplicação da medida de resolução e às suas consequências, nomeadamente quanto aos desenvolvimentos e opções relativos ao GES, ao BES e ao Novo Banco, considera que a CI fazendo uso das suas capacidades e poderes, tem permitido chegar a elementos e informações sobre os quais até à criação desta Comissão nunca tinha sido lançada qualquer luz.

Confiamos que a Comissão está capacitada igualmente para ultrapassar os constrangimentos decorrentes da invocação de sigilos e confidencialidades, assim permitindo aos seus membros a obtenção de toda a informação necessária para a obtenção de conclusões.

Ao fim de uma primeira ronda de seis audições, que juntaram membros do Banco de Portugal, da Comissão de Mercado de Valores Mobiliários, do Instituto de Seguros de Portugal, de anteriores e do actual Governo, há revelação de elementos claros que reforçam as responsabilidades destas entidades.

Da administração do BES e do GES: por actos cujos contornos ainda não podem ser totalmente descritos por falta de elementos concretos e por ausência de documentação, apesar de solicitada.

Do Banco de Portugal: pela sua muito tardia intervenção; no apoio à falsa ideia de solidez e robustez de um banco falido, nomeadamente através da ocultação dos factos junto da Assembleia da República a pretexto da salvaguarda da estabilidade financeira; na determinação do desastroso processo de aumento de capital; na incapacidade de intervenção concreta e eficaz, ao tornar-se num conselheiro do BES ao invés de supervisor, na cedência constante às pressões da Administração do BES – como os documentos comprovam -; na confiança depositada na prestação de contas de um Banco sobre o qual incidiam as maiores dúvidas, nomeadamente sobre a idoneidade da gestão, tal como o PCP levantara no dia 4 de Junho de 2013 na Assembleia da República.

Da CMVM: pela avalização do prospecto de aumento de capital, assim criando a ilusão de que a informação era suficiente para compreender a situação real do BES; pela falta de uma actuação determinada que impedisse a transacção de acções do BES após a declaração dos prejuízos do segundo trimestre de 2014, em 29 de Julho; e pelo insuficiente acompanhamento e intervenção para limitação da exposição do maior Fundo Mobiliário ao GES, bem como pela permissividade ante a venda de papel comercial da RF e ESI na rede de retalho, defraudando expectativas de milhares de de clientes.

Do ISP: pelo acompanhamento praticamente inexistente da utilização de uma companhia de seguros com uma fatia de mercado de 8% como garantia para uma provisão junto do Banco de Portugal.

Dos sucessivos Governos PS, PSD e CDS: nas responsabilidades pela reconstituição e pelo crescimento de um Grupo Económico que, só pela sua dimensão, ameaça a estabilidade económica e financeira do país; na aliança velada entre esses Governos e este grupo monopolista, através da sua participação privilegiada nos processos de desmantelamento e privatização de empresas e sectores dos serviços públicos, bem como da falta de intervenção política atempada perante as evidências de governo fraudulento do Grupo e do Banco.

Da Ministra das Finanças: por ter sido incapaz de avaliar os efeitos do colapso de um grupo como o GES junto do BES e do sistema financeiro; por ter negado a intervenção do estado na economia mesmo nos momentos em que essa intervenção se mostrou absolutamente indispensável para salvaguardar o interesse nacional, a produção e os postos de trabalho; por não ter recorrido aos meios ao seu dispor para aprofundar o conhecimento sobre os problemas do BES e assim podendo intervir sobre eles, nomeadamente pelo não pedido de pareceres ao Conselho Nacional de Supervisores Financeiros e pela incapacidade do Comité Nacional para a Estabilidade Financeira; pela confiança e avalização pública perante a Assembleia da República das indicações do Banco de Portugal, apesar de saber que a informação do BdP era baseada apenas nas informações prestadas pelo BES e que poderia ser – como era – falsificada; pelo compromisso político que assumiu com a estabilidade e robustez de um banco (tal como fez o Presidente da República) sobre o qual a informação estava contaminada desde a fonte; finalmente, pela gestão política do processo de resolução do BES e de criação do banco de transição, omitindo a possibilidade de revogação do estatuto de contraparte por parte do BCE, enquanto legislava na sombra para lhe responder, assim permitindo que o banco perdesse mais de 65% do seu valor nas últimas 48 horas em bolsa.

Este conjunto de elementos permite desde já concluir que, na sua arquitectura e natureza, o sistema de supervisão financeira é um embuste que, no caso concreto, preferiu omitir da Assembleia da República e do país os problemas e fraudes realizadas no sistema financeiro do que denunciá-los e impedi-los. Ao mesmo tempo, permite concluir que existe uma gestão política do processo em tentativa se salvar a reputação do Governo.

Para terminar, apesar de o PCP ter defendido desde o início que o inquérito começasse pelos responsáveis directos pela administração, tal não foi a opção da Comissão de Inquérito. O agendamento indicativo de audição com Sikander Sattar entre a audição de Vítor Bento e Ricardo Salgado altera inclusivamente a ordem inicialmente indicada e não mereceu acordo do PCP. Todavia, se a abordagem de inquérito consolidada é a de municiamento antes da audição da Administração do BES e do GES, então não pode ser a KPMG a fonte única desse municiamento. Por isso, o PCP requereu hoje mesmo que se realizem duas audições antes da audição de Ricardo Salgado, sem prejuízo da manutenção das datas já fixadas. As audições dos dois funcionários do Banco de Portugal que compunham a equipa de acompanhamento permanente junto do BES.

Igualmente importante é que o Banco de Portugal faça chegar à CPI a nota referida na acta da reunião do CNEF de 18 de Julho, sobre a situação da dívida do BESA e sobre a liquidez do BES e os relatórios de acompanhamento produzidos ao longo dos anos pela equipa técnica do BdP junto do BES.

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