Intervenção de Jorge Pires, membro da Comissão Política do Comité Central, Sessão Pública «O controlo público do Sector Financeiro e de empresas estratégicas»

O sector financeiro e as empresas estratégicas têm de estar ao serviço de um verdadeiro desenvolvimento

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O debate que acabámos de realizar, não só confirma a actualidade do tema - “O controlo público da banca e de empresas estratégicas” -, como deu um importante contributo para o aprofundamento da análise do Partido sobre a evolução da situação económica e social do País.

Hoje o País está mais injusto, desigual e empobrecido. Aprofunda-se a polarização da riqueza nas mãos do grande patronato e do capital financeiro, cuja acumulação de lucros atingiu níveis exorbitantes, enquanto são adoptadas medidas centradas na redução dos salários, das reformas e de importantes apoios e prestações sociais, combinadas com o brutal aumento dos impostos directos e indirectos e dos preços e serviços essenciais – saúde, educação, transportes, habitação e energia – penalizando duramente os que têm como única fonte de rendimento o seu trabalho ou a sua reforma.

Uma realidade particularmente agravada nos últimos três anos, com a imposição, a pretexto da crise, de programas de austeridade, que aceleraram o processo de depauperação do tecido económico, social e regional.

Para este resultado contribuiu não apenas, a fase actual do capitalismo, com os seus principais traços, tendências e contradições e da correspondente configuração do sistema financeiro, mas também, e muito, 38 anos de política de direita que PS, PSD e CDS concretizaram sempre que estiveram no governo.

A recomposição, aparecimento e desenvolvimento de grupos económicos e financeiros privados, após o refluxo do processo revolucionário, assumindo uma natureza e um domínio monopolistas, constituem o traço essencial do processo de recuperação capitalista em Portugal, que rompeu com um caminho de desenvolvimento económico geral, de correcção das injustiças e desigualdades sociais em Portugal, iniciado com a Revolução de Abril.

Um processo que é a causa da persistência e agravamento das injustiças e desigualdades sociais e da situação de atraso do País relativamente à maior parte dos países da União Europeia, com um dos mais baixos salários mínimos nacionais, um dos maiores fossos entre ricos e pobres e uma das mais elevadas taxas de pobreza.

Política de direita que não se desliga, ates pelo contrário, do processo de integração capitalista cujo quadro comunitário conflitua de forma cada vez mais determinante com a economia e que tende a transferir cada vez mais decisões para estruturas supranacionais, não sujeitas a qualquer escrutínio democrático.

Destaco apenas três vectores: o acentuar da configuração federal sob o comando político e económico das grandes potências; a consolidação da zona euro e da sua gestão pelo BCE; e o domínio das politicas e orientações neoliberais estruturantes da Estratégia de Lisboa e da Estratégia 2020.

A acentuada e crescente dependência estrutural externa, bem patente no elevado endividamento líquido externo e na importância do capital transnacional no tecido económico português, nomeadamente através da subcontratação e das privatizações que provocou um aumento significativo do peso na estrutura accionista de empresas e sectores estratégicos, tais como: EDP, REN, PT, GALP, CIMPOR, BRISA, SEMAPA, mas também no sector financeiro como se pode verificar com o BES, BPI, BCP, Santander Totta e mais recentemente o grupo caixa seguros, empresas detidas hoje maioritariamente por capitais espanhóis, angolanos, chineses, americanos e brasileiros.

Preocupações que se estendem à água pública, num período em que se intensificam os elementos associados à ofensiva, que visa a entrega a privados deste apetecível negócio às grandes multinacionais do sector.

Sacralizando a economia do mercado e o investimento privado, com o anúncio de sucessos no sector financeiro, indo da banca, aos seguros e à Bolsa, e com ganhos surpreendentes, em que tudo parecia correr sobre rodas, sem que fosse imprevisto, aquele mundo risonho começou a resvalar quase a naufragar, em especial a partir de 2008, com antecedentes imediatos que já pronunciavam o naufrágio.

Dezenas de milhares de empresas encerraram, a produção nacional é substituída por produtos estrangeiros, o desemprego atinge mais de 1 400 000 trabalhadores em idade activa, para além do aumento brutal das transferências de dinheiro para o estrangeiro em lucros e dividendos.

Só nos quatro maiores bancos privados, entre 2004 e 2013, já considerando os dois anos de prejuízos em 2012 e 2013, os lucros líquidos obtidos foram de 8,1 mil milhões de euros, sendo que os dividendos distribuídos foram superiores a quatro mil milhões de euros.

Para termos uma ideia das consequências da política de privatizações em Portugal, nomeadamente no que ela significou de transferência de parte da riqueza criada no País para o estrangeiro, aí estão os números a confirmar. Tendo como referência o período de 1996 (ano em que começaram a ser públicos os dados) a Julho de 2014, o saldo entre o dinheiro que entrou em fundos comunitários (50.080 milhões de euros) e o que saiu em lucros, juros e dividendos (49.900 milhões de euros), é praticamente igual. Foi assim, mesmo tendo em conta que em 2012 e 2013, entraram 12.800 milhões de euros (uma mãozinha de Durão Barroso para ajudar o amigo Passos Coelho).

Mas se tivermos em conta apenas o último quadro comunitário, então o resultado é bem mais significativo. Entre 2007 e Dezembro de 2013, o saldo no que se refere aos fundos comunitários, entre o que se recebeu e o que se pagou, é de 20.769 milhões de euros, enquanto o saldo entre as entradas e as saídas, em lucros, juros e dividendos foi de 29.156 milhões de euros. Mais 8.387 milhões de euros.

Se juntarmos a estes números os prejuízos não quantificáveis que resultam da destruição de uma parte significativa do nosso aparelho produtivo na indústria, nas pescas e na agricultura, mas também os que resultam da perda de soberania política e económica, então fica claro que está por demonstrar a tese de que Portugal está a beneficiado com a integração na UE.

A provável venda da PT pela brasileira OI, decisão que resulta da integração da empresa portuguesa na OI a culminar um processo que desde há muitos anos foi conduzido contra o interesse nacional e que teve um momento decisivo em que o Estado abdica da golden share na PT, a anunciada venda da TAP nos próximos meses e a forma como está a ser gerida pelo Governo a situação criada com a insolvência do Grupo Espírito Santo, que poderá levar à transferência da propriedade das empresas financeiras integradas no Novo Banco, nomeadamente a Tranquilidade para as mãos do fundo americano Apollo, deixará ainda mais limitada a capacidade do Estado na gestão dos sectores estratégicos, numa altura em que por força de instrumentos que vão desde o Tratado de Lisboa até ao Tratado Orçamental, passando pelo conjunto de instrumentos visando o aprofundamento da União Económica e Monetária, como é o caso da União Bancária e a supervisão única, Portugal fica ainda mais amarrado à dependência dos interesses das grandes potências da UE.

Estamos perante um escândalo de proporções e consequências imprevisíveis, mas certamente devastadoras para a economia nacional e para milhares de trabalhadores.

No caso da PT, não é apenas pelo facto de perdermos o controlo de um grande empresa de telecomunicações, é também o facto de estar integrado na PT um centro de investigação tecnológica, que nesta área é do melhor que existe a nível mundial.

Ao contrário do que afirmou a Ministra das Finanças, a possibilidade dos contribuintes portugueses virem a assumir uma parte dos custos da intervenção no BES, não se deve ao facto de termos um Banco Público, mas porque termos um governo que, com a mesmo determinação e rapidez que rouba uma parte dos rendimentos dos trabalhadores e dos reformados, favorece o capital financeiro, seja por via dos chamados créditos fiscais, seja através dos perdões fiscais e escandalosos benefícios e apoios públicos à banca, ou ainda como aconteceu no caso do BPN de nada fazer para que sejam os accionistas de referência a pagarem os prejuízos de uma gestão fraudulenta.

De acordo com um estudo realizado pelo camarada Eugénio Rosa, em 2011, os recursos controlados pelo sector financeiro, atingiram 345.384 milhões de euros (duas vezes o PIB nacional), cabendo aos cinco maiores grupos bancários, 77,9% deste total.

Mas estes dados não significam que a banca tenha sido um factor do crescimento, antes pelo contrário. A banca com a limitação de crédito às empresas e uma política de anulação da baixa das taxas de juro do BCE com a subida dos spreads, para assim compensarem a dependência de um mercado bolsista em queda, foi um factor de estrangulamento neste período de crise.

É que durante estes anos, de acordo com dados do Banco de Portugal, o crédito bruto concedido pela banca diminuiu 40.466 milhões de euros (12,2%), ao mesmo tempo que as aplicações financeiras da banca em activos financeiros disponíveis para a venda, ou seja que têm como objectivo ganhos especulativos, aumentaram 18,4%, mais 10.430 milhões de euros. Só o crédito concedido às 1.000 grandes empresas é que aumentou 13,6%.

A saída da troika, longe de qualquer recuperação da condição de País soberano e independente, como é proclamado por PSD e CDS, é a amarração a novos instrumentos e compromissos que permitam prosseguir o caminho de saque dos rendimentos e dos recursos nacionais e assegurar o processo de extorsão em favor do capital transnacional e do directório das grandes potências da UE.

São cada vez mais os portugueses que compreendem que o País não pode continuar neste caminho de dependência política e económica cada vez mais capturado por interesses que não são os seus.

O passo seguinte é mostrar-lhes que a situação que estamos a viver não é uma inevitabilidade. O País tem recursos e uma proposta política concreta, a politica patriótica e de esquerda que o PCP propõe ao povo português, cuja construção é inseparável do combate à repetição de falsas alternativas, assentes em meras soluções de alternância.

A política patriótica e de esquerda ao serviço do povo e do País, baseada nos princípios e valores da Constituição da República, que o PCP propõe, é não só urgente como necessária e possível.

Uma política que integra como principais objectivos o desenvolvimento económico e o pleno emprego, a justiça social, a elevação das condições de vida do povo, o desenvolvimento do aparelho produtivo nacional, o aprofundamento da democracia e a afirmação da independência e soberania nacionais e tem como um dos seis eixos centrais – a defesa e o aumento da produção nacional, a recuperação para o Estado do sector financeiro e de outras empresas e sectores estratégicos.

A concretização de uma política patriótica e de esquerda reclama que estas importantes alavancas económicas sejam colocadas ao serviço de um verdadeiro desenvolvimento. Objectivo inseparável do regresso urgente e profundo do Estado à grande maioria deles e a revisão completa das condições da nossa presença na UE.

Mas para que seja possível a concretização de uma política patriótica e de esquerda, é não só necessário derrotar a política de direita, mas também o governo que a suporta que, ao arrepio da CRP, contra os interesses do povo e do País compromete o futuro de Portugal.

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