Intervenção de Paula Santos na Assembleia de República

PCP anuncia quatro iniciativas legislativas na àrea da saúde

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Sr.ª Presidente,
Srs. Deputados

O Serviço Nacional de Saúde emanou da Revolução de Abril e da consagração das suas conquistas na Constituição da República Portuguesa, designadamente o direito à saúde, universal e geral, independentemente das condições socioeconómicas.

Após o 25 de Abril, milhares de portugueses foram pela primeira vez a uma consulta médica e o serviço médico à periferia levou pela primeira vez médicos às localidades mais isoladas.

E se Portugal evoluiu extraordinariamente no plano dos indicadores de saúde como a esperança média de vida ou a taxa de mortalidade infantil, deve-se ao SNS e ao empenho e dedicação dos profissionais de saúde.

O SNS teve inimigos desde sempre, que procuraram sempre, adaptando-se, naturalmente, ao contexto político, económico e social de cada momento, a sua destruição. A existência de um SNS forte beliscava os interesses do capital, que via neste setor, sobretudo na doença, uma grande oportunidade de negócio altamente lucrativo.

Não é por acaso que sucessivos governos, em particular o atual, têm vindo a adotar políticas que visam o progressivo desmantelamento do SNS. Há muito que corporizaram e procuram corresponder às ambições do grande capital.

Só com elevadas doses de hipocrisia e cinismo é possível os membros do Governo tecerem elevados elogios ao SNS, quando tudo fazem para o destruir. Falam na defesa do SNS, mas o Governo do PSD e do CDS foi o responsável pelas crescentes dificuldades no acesso à saúde pelos utentes e pela desvalorização profissional e social dos profissionais de saúde. Tais declarações não passam de propaganda política e eleitoral.

Num claro exercício de manipulação da realidade, o Primeiro-Ministro e o Ministro da Saúde, a propósito dos 35 anos do SNS, ignoram todos os problemas sentidos pelos utentes e pelos profissionais de saúde: ignoram o encerramento de serviços e valências, ignoram a enorme carência de profissionais de saúde, ignoram os elevados tempos de espera para consultas, tratamentos e cirurgias e ignoram os elevados custos da saúde para os utentes.

Dizem que foi feito um grande esforço para garantir a sustentabilidade do SNS, escondendo os sucessivos cortes orçamentais de 1667 milhões de euros nos últimos quatro anos, que, corrigidos para valores atuais, são 2398 milhões de euros, que têm conduzido a constrangimentos diários nos centros de saúde e hospitais, que têm levado, por exemplo, ao adiamento de cirurgias, à dispensa de medicamentos para uma semana em vez de um mês ou a que as famílias de doentes internados tenham de levar os lençóis e os medicamentos para os hospitais.

Os responsáveis pela redução do financiamento do SNS são os mesmos que aumentam o financiamento das PPP ou que suportam uma percentagem significativa das receitas dos grandes hospitais privados.

Dizem que atribuíram médico de família a mais 600 000 utentes. Mas porque desprezam 1,6 milhões de portugueses sem médico de família, mesmo após o expurgo dos utentes que não vão ao centro de saúde há três anos?

Dizem que aumentaram a acessibilidade porque menosprezam as dificuldades dos utentes que faltam às consultas, exames, tratamentos ou cirurgias por falta de condições económicas para suportar os custos associados, em muito devido ao aumento brutal das taxas moderadoras ou à não atribuição de transportes de doentes não urgentes.

Ao mesmo tempo que a despesa com pública com a saúde diminuiu 8,6%, a despesa das famílias aumentou 13,9%. O peso das despesas da saúde no orçamento familiar tem vindo a aumentar, sendo hoje de 5,2%, enquanto a média dos países da OCDE é de 3,2%.

Dizem que abriram hospitais mas omitem o encerramento de inúmeras extensões de saúde, serviços de atendimentos permanentes ou de serviços e valências hospitalares, decorrente da criação de centros hospitalares e da fusão e concentração de serviços.

Sr.ª Presidente,
Srs. Deputados:

A conhecida Portaria n.º 82/2014 constitui mais uma peça para reduzir a capacidade de resposta do SNS, designadamente dos hospitais públicos, através da redução de serviços e valências e da redução de profissionais de saúde, penalizando e afastando ainda mais os utentes dos serviços públicos de saúde para, mais uma vez, beneficiar as entidades privadas.

A estratégia é cada vez mais evidente: degradar e descredibilizar o SNS para justificar a privatização.

Os dados do INE do passado mês de abril mostram que, entre 2002 e 2012, houve uma transferência de prestação de cuidados dos hospitais públicos para os hospitais privados. Esta realidade vai ao encontro da perspetiva apontada já pelo Governo: separar o financiador do prestador, escondendo essa opção atrás de falsas justificações como a dita «liberdade de escolha», tendo como único objetivo o de os privados assegurarem os cuidados de saúde à custa dos recursos públicos.

Dito de outra forma: o Estado financia, as entidades privadas lucram, sendo o próprio Estado que lhes assegura os «clientes». A intenção do Governo é, por um lado, ter um serviço de saúde desvalorizado, um pacote mínimo de serviços dirigido àqueles que menos têm, e, por outro, ter um serviço assente numa rede de seguros de saúde e da prestação de cuidados por entidades privadas, financiadas pelo Estado.

É esta a opção política do Governo do PSD e CDS-PP. Uma opção que viola os princípios constitucionais.

Hoje, o nosso regime democrático está empobrecido porque um dos seus pilares não está a ser assegurado — o direito à saúde.
O PCP rejeita veementemente esta política de saúde do PSD e CDS-PP.

Para o PCP, é urgente tomar medidas que reforcem o SNS, garantindo a sua gestão pública, a qualidade e a eficiência na prestação de cuidados de saúde e assegurando a acessibilidade dos utentes à saúde.

Neste sentido, entregámos quatro iniciativas legislativas, esta semana: um projeto de lei que suspende o processo de reorganização hospitalar em curso, revoga a Portaria n.º 82/2014, determina a integração dos hospitais no setor público administrativo, assim como a reversão das PPP para o Estado, e estabelece os princípios que uma reorganização hospitalar deve respeitar; um projeto de resolução que reforça os cuidados de saúde primários, através do reforço dos seus meios humanos e técnicos, pondo fim às desigualdades entre unidades de saúde familiares e unidades de cuidados de saúde personalizados; um projeto de resolução que reforça os profissionais de saúde no SNS, mediante a contratação dos profissionais de saúde em falta, pondo fim à precariedade e garantindo os direitos dos trabalhadores, criando também um conjunto de incentivos que permita a fixação de profissionais de saúde nas regiões em carência.

Apresentámos ainda um projeto de lei que revoga as taxas moderadoras e estabelece os critérios de atribuição dos transportes de doentes não urgentes, assegurando a acessibilidade de todos os utentes aos cuidados de saúde.

Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: A existência de um SNS universal, geral e gratuito não é compatível com a política de direita. Por isso, é cada vez mais premente a rutura com esta política, a derrota do Governo e a marcação de eleições. Cada dia a mais com esta política corresponde a mais retrocessos na saúde dos portugueses.

As populações e os profissionais de saúde aspiram a uma política alternativa que responda às suas necessidades, retomando os valores de Abril. A essas aspirações, o PCP responde com a proposta de uma política alternativa, patriótica e de esquerda.

(…)
Sr.ª Presidente,
Sr. Deputado João Semedo,

Agradeço a sua pergunta.

De facto, três anos depois desta governação, a análise que fazemos é que a acessibilidade e a qualidade dos cuidados de saúde se degradaram bastante para os utentes e degradaram-se também as condições de funcionamento dos serviços públicos de saúde, para além de terem retirado direitos aos seus profissionais.

Hoje, infelizmente, o País está bastante pior, o SNS está bastante pior e colocado em causa com esta política de desastre que só vem conduzir ao desmantelamento do Serviço Nacional de Saúde.

Também é importante referir que têm vindo a público inúmeras manifestações que contestam esta política. Os utentes e os profissionais têm organizado inúmeras ações de luta e têm manifestado que não há condições para funcionar. Os profissionais de saúde dizem que não têm condições para poder garantir os cuidados de que a população necessita nos serviços públicos de saúde.

O Sr. Deputado deu o exemplo dos hospitais de São João, de Santa Maria e Garcia de Orta. A verdade é que, além da política de desinvestimento, a aplicação da lei dos compromissos veio agravar ainda mais essas condições de funcionamento. De facto, não é possível aplicar tal lei a estes serviços públicos, exatamente porque ela é incompatível com a missão e com o objetivo que têm, quer os centros de saúde, quer os hospitais. O que o Governo está a fazer é a colocar em causa este Serviço Nacional de Saúde e a saúde das populações.

O Sr. Deputado colocou uma questão concreta em relação às parcerias público-privadas. Obviamente que defendemos — aliás, temos apresentado propostas nesse sentido — a reversão das parcerias público-privadas para o Estado.

No período transitório até à reversão dessas mesmas parcerias, propomos que o Estado pague, única e exclusivamente, os salários dos profissionais e garanta os cuidados de saúde a prestar aos utentes.

Esta deve ser a medida imediata a tomar pelo Governo, porque as parcerias público-privadas são desastrosas para o Estado.
Dados recentes dizem que o aumento do volume de negócios do setor privado, no nosso País, se deve principalmente ao encaixe financeiro devido às parcerias público-privadas. Por isso, estão a ver-se bem quais são os objetivos que estas parcerias público-privadas servem, e servem os objetivos destes grandes grupos económicos e não os interesses dos utentes e do País.

(…)
Sr.ª Presidente,
Sr. Deputado Nuno Reis,

O seu discurso é de propaganda e é ofensivo para os utentes que não conseguem aceder, por dificuldades económicas, às consultas e aos tratamentos. Também é ofensivo para os profissionais de saúde que viram os seus direitos e as suas remunerações cortadas, que continuam em situação precária, mesmo cumprindo funções permanentes nos centros de saúde e nos hospitais, e o seu Governo insiste em mantê-los nesta situação.

De facto, o seu discurso e a sua intervenção relevaram desprezo pelas dificuldades das pessoas, quer dos utentes, quer dos profissionais de saúde.
Sr. Deputado, já que falou de factos, vamos aos factos, e estes não são o PCP que os diz mas um estudo que foi baseado num inquérito aos médicos.
Esse inquérito aos médicos do nosso País revela o seguinte: 50% dos médicos diz que os doentes faltam às consultas devido aos custos das taxas moderadores e dos transportes; 60% dos doentes abandona frequentemente as terapêuticas por causa da incapacidade financeira; um terço dos médicos deixa de prescrever medicamentos porque os doentes não têm capacidade para os comprar; 80% dos médicos considera que os cortes aplicados no financiamento do SNS comprometeram a qualidade e a acessibilidade dos cuidados.

É isto que pensam os profissionais de saúde que estão no nosso SNS e que, mesmo perante todas estas dificuldades e os ataques de que são alvo, não abandonaram a «camisola» e continuaram a fazer tudo por tudo para que os portugueses tenham os melhores cuidados de saúde, que merecem.
Mais, Sr. Deputado: falou na carência de profissionais. É verdade que o seu Governo não só não resolveu a falta estrutural de médicos — bem o referiu —, como, para além disso, os empurrou para fora de Portugal. Entre 2011 e 2013, foram 1371 os médicos que solicitaram a declaração de reconhecimento de qualificações profissionais fora de Portugal.

Porque é que não cria condições para os atrair e para ficarem no nosso País? Isto é que era preciso deste Governo, não era investir na formação e mandá-los para fora! O que era preciso era garantir condições e direitos para que os médicos continuassem cá.

Sr. Deputado, quanto a enfermeiros, digo-lhe que 2814 pediram esta mesma declaração só no ano de 2012 — imagine-se quantos mais não são! Todos os dias, há cuidados que não são prestados, equipas que são reduzidas, o que pode, inclusivamente, colocar em causa o próprio desempenho profissional assim como pôr em risco a saúde dos utentes, porque o Governo não quer contratar os profissionais.

O Sr. Deputado falou de qualidade e disse que estão a investir. Pergunto-lhe se considera que é qualidade um utente ter de esperar 826 dias por uma consulta de neurocirurgia no Hospital de Faro — isto disse o seu Governo em resposta ao PCP —, ou esperar 587 dias por uma consulta de oftalmologia, ou esperar 627 dias por uma consulta de ortopedia.

É este o seu critério de qualidade? O nosso não é!

(…)
Sr.ª Presidente,
Sr.ª Deputada Luísa Salgueiro,

Cumprimento-a e agradeço-lhe a questão que nos colocou.

Sr.ª Deputada, penso que a sua pergunta deve ser feita um bocadinho ao contrário. A Sr.ª Deputada falou na defesa do Serviço Nacional de Saúde, manifestou preocupação sobre a acessibilidade dos utentes à saúde, sobre as taxas moderadoras, sobre o transporte de doentes não urgentes — e deste assunto já se falou há pouco —, mas o que é importante, quando se fala disto, é perceber qual é a posição do Partido Socialista perante um conjunto de propostas que o PCP tem vindo a apresentar aqui na Assembleia da República.

Dou-lhe alguns exemplos: quando o PCP propôs a revogação das taxas moderadoras e que fosse atribuído transporte de doentes não urgentes para os utentes, o PS votou contra; quando o PCP propôs a revogação das PPP, nomeadamente quando apresentou um projeto concreto sobre a PPP de Braga, o PS votou contra; quando o PCP propôs que a gestão pública dos hospitais deve manter-se pública e os hospitais não devem ser transferidos para as misericórdias, o PS votou contra; quando apresentámos aqui uma proposta para alargar o horário do serviço de atendimento permanente e os serviços de proximidade às populações, o PS também votou contra. Aliás, recordo que o seu Governo foi responsável pelo encerramento de inúmeros serviços no nosso País.

Há um aspeto que é muito relevante, que eu já referi e que tem a ver com o transporte de doentes não urgentes, que os senhores hoje criticam, mas cujo despacho foi originariamente feito pelo Governo do PS…

Sim, foi alterado, mas os critérios e a lógica permanecem os mesmos.

Por isso, a conclusão que podemos tirar é que, na questão concreta da defesa do Serviço Nacional de Saúde, o PS não tem optado pela esquerda; tem optado por se colocar ao lado da direita. Esta é a questão clara que é importante aqui realçar.

Para terminar, queria referir o seguinte: de facto, não podemos esquecer — está na memória dos portugueses — que o PS, o PSD e o CDS subscreveram o pacto de agressão que, nos últimos três anos, levou a um conjunto de medidas gravosas também para a saúde, nomeadamente nos cortes de financiamento, na redução dos direitos…

E não é somente uma questão de dose, Sr.ª Deputada, é uma questão de princípio, do que está subjacente e daquilo que se defende.
Há um aspeto que é bem claro: rejeitamos o caminho da privatização e consideramos que só um SNS universal, geral, gratuito e que tenha uma gestão pública pode dar resposta às necessidades dos utentes e às necessidades do País.

É com base nestas medidas concretas e nestas posições políticas que o PCP vai continuar a intervir e, obviamente, era importante que o PS se manifestasse claramente em relação a elas, porque o que sabemos é que nos momentos essenciais e decisivos o PS tem-se juntado ao PSD e ao CDS.

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