Intervenção de Bernadino Soares, Membro da Comissão Politica do Comité Central do PCP, XIX Congresso do PCP

O regime democrático - a democracia política

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Há mais de três décadas e meia que a política de direita ataca profunda e sistematicamente o regime democrático que conquistámos com a Revolução de Abril. Uma Revolução que tomou a opção de construir um regime democrático em que a democracia política – com a igualdade de direitos entre os cidadãos, a separação dos poderes e dos órgãos de soberania, a valorização do papel dos partidos políticos, as eleições, o poder local democrático e a autonomia regional – não dispensa, antes exige, a democracia económica, social e cultural.

Os sucessivos governos PS, PSD e CDS têm conduzido esta ofensiva com mais de trinta anos de forma a atacar direitos fundamentais, visando recompor o domínio do capital monopolista em todas as esferas da sociedade.

A alternância que praticam entre si é isso mesmo: mudar os protagonistas para procurar garantir que a política não muda. A alternância sem alternativa de política que tem protegido os interesses dos grupos económicos nacionais e internacionais, incutida por todas as formas pelos meios de condicionamento político e ideológico e pelos principais meios de comunicação, foi nestes anos um instrumento da profunda degradação do regime democrático. Tem sido a forma de procurar impedir que o povo português escolha outros caminhos e por isso é uma grave limitação democrática.

Sempre que necessário, PSD e CDS apoiaram os governos e as maiorias do PS, tal como o PS apoiou os governos e as maiorias do PSD e do CDS. O PS assinou o pacto de agressão; o PSD e o CDS subscreveram-no. O PSD e o CDS aplicam-no no Governo e o PS subscreve as decisões fundamentais.

E agora mesmo se procura criar a ideia de que, como o PS não tem nas questões fundamentais uma política alternativa à do Governo PSD/CDS, então não haveria alternativa ao desastroso caminho em curso. Nada de mais falso; há alternativa ao caminho de destruição nacional, com as propostas e o projecto que defendemos e com o reforço do PCP.

O regime democrático estabelecido pela Constituição de Abril incluiu disposições no plano económico que têm sido profundamente desfiguradas, como seja a subordinação do poder económico ao poder político. Quando, como hoje acontece, o poder político e governativo é um fiel executor das orientações do poder económico, é o próprio regime democrático que está em causa. Quando a riqueza criada é distribuída de uma forma cada vez mais desigual, através do aumento da exploração, dos baixos salários e reformas, de facto está em causa a democracia económica indispensável a um regime verdadeiramente democrático.

No plano social é gravíssima a restrição de direitos laborais – afastando progressivamente a protecção constitucional acrescida que defende o trabalhador como parte mais frágil da relação laboral. O mesmo se passa com importantes direitos sociais, como o acesso à saúde e à educação.

É também evidente que o brutal ataque à cultura, quer no acesso à fruição, quer no apoio à criação, constitui uma orientação do capital e dos governos que o servem e contribui igualmente para o empobrecimento do regime democrático.

Os direitos económicos, sociais e culturais, sendo parte integrante do regime democrático, são também essenciais para que a democracia política se consagre e não se reduza a uma mera proclamação formal.

Os elementos da democracia económica, social e cultural não existem sem a democracia política; mas também não há democracia política verdadeira e plena sem que haja democracia económica, social e cultural.

E se é certo que esta ofensiva é já longa, é também evidente que estamos agora perante uma nova e perigosa fase. Com o pacto de agressão e a chamada “refundação” do Estado, o que se pretende é dar mais um enorme salto na destruição da democracia económica, social, cultural e política e assim no regime democrático.

Querem fazê-lo com ou sem a revisão formal da Constituição, mas sempre contra o seu conteúdo. Falam em inevitabilidades, em necessidade de optar entre mais impostos sobre os trabalhadores e a população em geral e a manutenção dos serviços públicos e das funções sociais do Estado, quando na realidade o que estão a fazer é a aumentar os impostos e a destruir ao mesmo tempo os serviços públicos.

É a mesma política que ataca o poder local democrático, que quer esmagar e tutelar os municípios e extinguir as freguesias. A mesma que, por mão ora do PS, ora do PSD, procura alterar as leis eleitorais de forma a garantir, mesmo sem os votos necessários, o poder total nos municípios e na Assembleia da República.

Hoje, um dos aspectos que mais deteriora o regime democrático é a amputação da soberania nacional, o condicionamento das opções do país, designadamente no quadro da integração capitalista da União Europeia. Quando PS, PSD e CDS aprovam sucessivos tratados europeus e agora o chamado Tratado Orçamental, entregando mais e mais poder às instâncias da União Europeia e aos grupos económicos que a comandam, o que estão a fazer é a desfigurar o regime democrático e a desrespeitar a Constituição. Quando se afasta a decisão do país, afasta-se a democracia do povo.

Na actual situação, enfrentamos uma clara contradição entre por um lado as alterações ao sistema socio-económico no sentido do domínio do capital monopolista e dos seus grupos económicos – condicionando o regime democrático, incluindo a democracia política – e por outro lado a permanência na Constituição de elementos profundamente democráticos e progressistas, capazes de incorporar a política patriótica e de esquerda por que lutamos.

Muitos perguntam hoje se estamos hoje ainda no quadro de um regime democrático, tal como o entendemos. É verdade que estamos hoje perante um regime democrático amputado na sua dimensão económica, social e cultural e ao mesmo tempo politicamente empobrecido.

Da mesma forma muitos se questionam sobre a validade actual da nossa Constituição, devido às sucessivas desfigurações que aconteceram com as várias revisões constitucionais.

Mas apesar destas sucessivas desfigurações, a Constituição que resultou da Revolução de Abril constitui um efectivo obstáculo ao avanço da política de direita e uma base de apoio inequívoco à ruptura com a política patriótica e de esquerda por que o nosso Partido luta.

Nem o regime democrático está extinto, nem a Constituição está revogada. E a prova disso é que o grande capital e os partidos e forças que o apoiam continuam a tê-los como um alvo prioritário.

Do que precisamos é de exercer os direitos como primeira forma de os defender; é de valorizar o conteúdo da Constituição; é de lutar por mais direitos, por uma economia ao serviço do povo e do país, pela soberania nacional, por um futuro melhor para os portugueses.

Do que precisamos é, não de desvalorizar a Constituição e o regime democrático, facilitando objectivamente o caminho aos que a querem destruir, mas sim de valorizar os seus conteúdos progressistas, o seu projecto de sociedade, que inclui elementos fundamentais da democracia avançada, de defender os valores de Abril nela inscritos e que queremos inscrever no futuro de Portugal.

Viva o XIX Congresso!
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