Intervenção de Paula Santos na Assembleia de República

A grave situação dos hospitais fruto da política de direita

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Sr.ª Presidente,
Sr.ª Secretária de Estado dos Assuntos Parlamentares e da Igualdade,
Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Saúde,
Srs. Deputados:

Hoje, os hospitais vivem dias de extremas dificuldades. O funcionamento regular dos hospitais, a qualidade dos cuidados de saúde e a capacidade de resposta estão colocados em causa. A acessibilidade dos utentes aos cuidados de saúde deteriora-se.

Os sucessivos governos são os responsáveis pela progressiva desorçamentação nos hospitais, fruto das políticas de desinvestimento na saúde. As imposições do pacto de agressão, subscrito pelo PS, pelo PSD e pelo CDS, introduziram um novo patamar da ofensiva, assente nos cortes cegos: primeiro, com a redução de 11% nos orçamentos dos hospitais, em 2011; depois, com o corte de 7%, para 2012.

O elevado endividamento dos hospitais e os progressivos aumentos dos prazos de pagamento aos fornecedores são consequência direta da redução do seu financiamento. Mas, não satisfeito, o Governo impôs a designada lei dos compromissos, que só agravará os problemas. A aplicação desta lei conduzirá à paralisação dos hospitais, ao limitar a assunção de compromissos à disponibilidade de tesouraria. Os hospitais deixarão de conseguir, pura e simplesmente, prestar os cuidados de saúde de que os utentes precisam.

Suponhamos que dá entrada no hospital um doente que precisa de um medicamento que não está disponível no momento e tem que ser administrado urgentemente. Com a aplicação da lei dos compromissos, o hospital só poderá adquirir esse mesmo medicamento se tiver disponibilidade para efetuar o seu pagamento; caso contrário, está impedido de o comprar, prejudicando a saúde do doente. Neste caso, o hospital tem duas hipóteses: ou não trata o doente e assume as responsabilidades de negar os cuidados de saúde, ou não cumpre a lei, sujeitando-se às penalizações previstas.

Perante esta situação, a questão que se coloca, Sr. Secretário de Estado, é a seguinte: qual é a orientação? O Governo assume que os hospitais deixam de tratar os portugueses ou assume que os hospitais não cumprem a lei e que é impossível o seu cumprimento?
Os próprios administradores hospitalares já ameaçaram demitir-se, caso o Governo persista no cumprimento desta lei.

No dia-a-dia, os utentes sentem as consequências do pacto de agressão e das políticas de destruição do Serviço Nacional de Saúde: são a falta de medicamentos; a falta de material clínico; o aumento dos doentes internados em macas pelos corredores das urgências; os elevados tempos de espera nas urgências; a redução do número de trabalhadores e a retirada dos seus direitos; a falta de condições de trabalho para os profissionais de saúde ou o aumento das listas de espera para consultas, exames e cirurgias.

Ao PCP chegam inúmeros relatos de utentes e de profissionais de saúde denunciando as situações confrangedoras em que funcionam os hospitais. Certamente, não serão só do conhecimento do PCP, o PSD, o CDS-PP e também o Governo conhecê-las-ão. Mas, caso queiram aprofundá-las, passamos a descrever alguns exemplos concretos do País real.

É frequente a falta de material clínico diverso, como luvas, seringas, adesivos ou compressas nos hospitais, chegando mesmo, por vezes, ao ponto de não terem lençóis nem cobertores. Por exemplo, a falta de compressas no Hospital Garcia de Orta ia levando ao adiamento de cirurgias, e só foi colmatada porque o hospital da Amadora as dispensou.

Quanto aos medicamentos, a farmácia do Centro Hospitalar de Coimbra já não disponibiliza um medicamento antirretroviral para os doentes com VIH/SIDA, e as ruturas de stock no Hospital do Barlavento Algarvio obrigam os doentes a deslocarem-se mais vezes ou a alterarem o antirretroviral para outro, que poderá não ser o mais adequado.

O Hospital de Faro passou a racionalizar a dispensa dos medicamentos oncológicos semanal ou bimensalmente, implicando mais deslocações e custos acrescidos aos doentes.

O acesso aos medicamentos biológicos ou órfãos é cada vez mais restritivo, havendo hospitais que não os fornecem ou reduzem a dosagem. Por vezes, os doentes com artrite reumatoide percorrem mais de 100 km para levantarem o medicamento noutro hospital, porque o da sua área de residência não o disponibiliza; os doentes com esclerose múltipla acompanhados no Hospital de Braga — mas poder-se-á estender aos Centros Hospitalares de Vila Nova de Gaia/Espinho, do Nordeste, e de Trás-os-Montes e Alto Douro — têm acesso a um só medicamento, independentemente do estado de evolução da doença.

A muitos hospitais regressaram os internamentos de doentes em macas nos corredores, como ocorre no Hospital de Santa Maria, tendo-se também deixado de garantir o transporte após atribuição de alta, mesmo para doentes amputados, como no Hospital Garcia de Orta.

Este hospital decidiu criar um sistema de quotas para a atribuição de 17 altas diárias, embora tenha vindo apressadamente a público justificar que tinha sido um lapso. Estranhamos que um lapso desta natureza tenha circulado para todos os trabalhadores!

Dada a carência de pessoal, o Hospital de Faro suspendeu a realização de mamografias e de ecografias mamárias, substituindo estas últimas por consultas.

A falta de médicos nas urgências do hospital de Guimarães tem reflexos nos elevados tempos de espera, que podem atingir as 15 horas.
O hospital do Barreiro-Montijo retirou a ceia aos auxiliares, aos enfermeiros e aos médicos, deteriorando as suas condições de trabalho.

Aliás, está marcada para hoje mesmo uma ação de luta destes trabalhadores, que defendem os seus direitos e não se submetem às imposições do Governo. Mas esta é uma medida de austeridade que o Governo implementou e vai aplicar a todos os hospitais.

Estes exemplos evidenciam o fracasso da política do Governo, também em matéria de saúde. A manter-se o atual rumo, os hospitais deixarão de tratar os utentes. A cada dia que passa o Governo afasta-se dos princípios constitucionais do direito à saúde. E, mais uma vez, o Governo demonstra que a questão central são os números e não as pessoas.

Sr. Secretário de Estado, o Governo não pode continuar a fingir que não se passa nada. Empurrar os problemas para a frente só os agudizará.

O PCP não se resignará e continuará a dar voz ao povo na Assembleia da República, assim como os utentes e os profissionais de saúde continuarão a lutar por um Serviço Nacional de Saúde universal, de qualidade e gratuito.

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