Projecto de Resolução N.º 293/XI

Recomenda ao Governo o reforço de medidas de combate ao tráfico de seres humanos e à exploração na prostituição

Recomenda ao Governo o reforço de medidas de combate ao tráfico de seres humanos e à exploração na prostituição

Vivem-se hoje tempos de grave crise económica e social. E com eles, retornam formas anciãs de exploração, de desrespeito pelas pessoas, de aumento da vulnerabilidade dos mais pobres e mais necessitados, da consideração generalizada de que tudo se compra e tudo se vende, mesmo o amor, mesmo a vida, mesmo a dignidade humana.

São antigas e novas formas de escravatura que recrudescem, ao mesmo tempo que o pós-modernismo pretende até elevá-las a condições de profissão e legalização.

Em momentos como este, de agravamento da pobreza, de criação de novas formas de pobreza, mulheres e crianças são as primeiras a sentir na pele as consequências mais devastadoras da degradação do nível de vida.

A exploração na prostituição e o tráfico de seres humanos revestem diversas formas de exploração: sexual, laboral, o tráfico de órgãos, a mendicidade, adopções ilegais, entre tantas outras.

Segundo a United Nations Office on Drugs and Crime (UNODC), mais de 2,4 milhões de pessoas são actualmente vítimas de tráfico para fins comerciais. Segundo o relatório Global Report on Trafficking in Persons – UN.GIFT, de Fevereiro de 2009, a exploração sexual assume-se como a forma mais relatada de tráfico, com 79% dos casos, registando o tráfico para fins de exploração laboral 18% das situações.

Neste caminho, Portugal deu passos tardios, e, embora ainda insuficientes, já trazem análises e dados de um fenómeno que até há bem pouco tempo não passava de uma estória de homens, mulheres e crianças sem luz.

Assim, de acordo com o 1º Relatório do Observatório do Tráfico de Seres Humanos, publicado em 2010, referente ao ano de 2009, há alguns dados que podemos e devemos sublinhar:

- Durante 2009 foram sinalizadas 84 potenciais vítimas e confirmadas 7

- Aliadas ao crime de tráfico estão outras formas de exploração, nomeadamente: lenocínio, violência doméstica, casamento de conveniência, escravidão, sequestro, associação criminosa, violação, falsificação/contrafacção de documentos, uso de documentação de identificação ou viagem alheio, auxílio à imigração ilegal, associação de auxílio à imigração ilegal, angariação de mão-de-obra ilegal, rapto, numa teia intricada e complexa de vários crimes que vão deixando as pessoas em situações de sobrevivência e de pobreza extrema e ausência total de direitos.

- A faixa etária com vítimas sinalizadas é a dos 26 anos aos 31 (19%) seguida de vítimas entre os 16-21 e os 31-36 anos (17,7% cada).

- De entre as vítimas sinalizadas 60 são estrangeiras (Brasil, Nigéria, Moçambique, Marrocos, Argélia, Roménia, Ucrânia, Bulgária, Itália) e 18 são portuguesas, a sua maioria vítimas de exploração na prostituição.

- De entre os agressores confirmados, a presença de portugueses é a principal.

- Os locais de exploração são predominantemente a via pública e bares de alterne.

As conclusões apontam para que «independentemente do estatuto de vítima (sinalizado ou confirmado), estas são maioritariamente do sexo feminino, solteiras, de nacionalidade estrangeira, predominantemente brasileira. Salienta-se o aumento do número de vítimas portuguesas. (…) A exploração sexual continua a ser o principal motivo para este crime, sendo as vítimas controladas por várias formas, destacando-se o controlo de movimentos, ameaças directas e sonegação de documentos».

De acordo com a OIT, a exploração sexual é de 63% nas economias industrializadas, sendo que Portugal hoje, de acordo com os vários dados disponíveis, é um país de destino, origem e passagem de vítimas de tráfico.

O sucessivo empobrecimento das pessoas, o desemprego, o aumento de fenómenos de marginalidade e dependências, arrasta consigo o aumento das causas da prostituição, que, como na violência doméstica, em que há unanimidade no reconhecimento do estatuto das vítimas, também não é uma escolha, uma livre decisão, senão para a maioria das pessoas a única saída.

Nesse sentido vai também a Lei n.º 23/80, de 26 de Julho, que ratificou a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres, bem como a Resolução da Assembleia da República n.º 17/2002, de 8 de Março, que aprovou para a ratificação o Protocolo Opcional à Convenção sobre a eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres, ratificado pelo Decreto do Presidente da República n.º 15/2002, de 8 de Março, bem como a Decisão-Quadro do Conselho, de 19 de Julho de 2002, relativa à luta contra o tráfico de seres humanos ao considerar que este «constitui uma grave violação dos direitos humanos fundamentais e da dignidade humana e implica práticas cruéis, como a exploração e manipulação de pessoas vulneráveis, bem como a utilização de violência, ameaças, servidão por dívidas e coacção», sendo que o consentimento das vítimas é irrelevante.

Para o PCP, também as pessoas prostituídas, não sendo vítimas de tráfico, estão em situações de especial vulnerabilidade e, independentemente de se considerar a opção livre e consciente, nunca tal situação pode levar à adopção de medidas legislativas que legalizem a escravatura e assumam que o consentimento é “esclarecido” na maioria dos casos. A prostituição não é a mais antiga profissão do mundo. Não é mais do que a exploração de seres humanos.

Exploração traduzida em lei, durante o fascismo, legalizando os locais de prostituição, para garantir a salubridade das mulheres prostituídas, satisfazendo os clientes, apenas com a condição de terem mais de 20 anos e não perturbarem a vizinhança. A profissionalização não será mais do que o regresso a esta vida sem luz, nas sombras, sob o falso pretexto da protecção. Os estados serão parceiros comerciais dos proxenetas e lucrarão com a exploração do corpo humano e todos os crimes a ele associados, como referido no Relatório do Observatório já citado.

Representantes de Nações e de Organizações não Governamentais reuniram-se em Junho de 1993 em Viena de Áustria sob os auspícios da ONU, visando uma Conferência Mundial das Nações Unidas sobre os direitos humanos. Os representantes presentes asseguraram que os direitos das mulheres fossem reconhecidos como direitos humanos.

«Os direitos humanos das mulheres e das meninas são inalienáveis, integrais e são uma parte indivisível dos direitos humanos universais.»

«A violência baseada no sexo e todas as formas de perseguição e exploração sexual, incluindo aquelas resultantes de preconceitos culturais e tráfico internacional são incompatíveis com a dignidade e valor da pessoa humana e devem ser eliminados.» (Declaração e Plataforma de Acção de Viena, 1993, p. 33)

Assim, o tema da violência está indissociavelmente ligado aos direitos humanos.

Por este motivo, hoje, no dia em que se assinala o Dia Europeu contra o Tráfico de Seres Humanos, o PCP entende ser imperioso o reconhecimento da exploração na prostituição como violação dos direitos humanos pelo Governo português, bem como a tomada de medidas urgentes que sejam um efectivo combate ao tráfico e à exploração sexual.

Assim, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do Artigo 4.º do Regimento, os Deputados abaixo assinados do Grupo Parlamentar do PCP propõem que a Assembleia da República recomende ao Governo, nos termos do n.º 5 do Artigo 166.º da Constituição:

- O reconhecimento da exploração na prostituição como violação dos direitos humanos;

- A tomada de medidas urgentes de proibição de anúncios nos meios de comunicação social que, directa ou indirectamente, incitem à prostituição ou angariação de clientes para a prostituição;

- O lançamento de campanhas contra o tráfico e a exploração na prostituição em locais estratégicos, nomeadamente terminais de autocarros, estações de comboios e metros e aeroportos;

- A isenção de custas judiciais e atribuição de apoio judiciário com base na presunção de insuficiência de rendimentos para as vítimas de tráfico e para pessoas prostituídas;
- A criação de um apoio financeiro específico e transitório para vítimas de tráfico e pessoas prostituídas;

- Reforço da rede pública de casas-abrigo para vítimas de tráfico de seres humanos e de prostituição;

- A criação de uma linha telefónica SOS específica para casos de tráfico de seres humanos e exploração na prostituição;

- A adopção de medidas legislativas de protecção das vítimas de tráfico e exploração na prostituição, no seguimento da Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Declaração e Plataforma de Acção de Viena.

Assembleia da República, em 18 de Outubro de 2010

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