Intervenção de José Lourenço, membro do Comité Central, Encontro Nacional sobre os 20 anos de adesão de Portugal à CEE/UE

"Qualquer balanço cor-de-rosa que possa ser feito destes vinte anos de adesão choca com a dura e indesmentível realidade social"

Quando em 30 de Maio de 1980 o nosso partido realizou uma Conferência Nacional para debater a adesão à CEE, logo ficou claro nas suas conclusões que as razões fundamentais que levavam a aliança de direita PPD/CDS no Governo e, o PS a defender a rápida e completa integração de Portugal na CEE, eram razões políticas e não razões económicas. O que eles pretendiam e o futuro veio a confirmar, era com a integração no Mercado Comum criar novos e poderosos instrumentos para a recuperação capitalista e latifundista, era conseguirem apoios e ajudas para liquidar o regime democrático, para liquidar o Portugal de Abril e as suas conquistas. O nosso partido sempre advertiu que a integração de Portugal no Mercado Comum, mais que uma operação económica, constituiria uma grande operação política reaccionária. As forças políticas defensoras da adesão pretendiam desta forma com a nossa integração criar as condições para a destruição completa das transformações democráticas alcançadas, para a restauração do capitalismo monopolista em Portugal, para a restauração do poder económico e político dos monopólios e dos latifundiários, para a liquidação do regime democrático consagrado na nossa Constituição.  Sempre o nosso partido advertiu que a integração visava, não resolver os problemas e impulsionar a economia portuguesa, mas sim obter um novo e poderoso instrumento e criar condições para a destruição completa das transformações democráticas alcançadas. Feita esta pequena introdução, e não deixando de responder àqueles que viam na integração de Portugal no Mercado Comum uma oportunidade para o nosso país alcançar rapidamente a prosperidade e o desenvolvimento, não deixámos nessa Conferência de dizer que considerávamos que a nossa economia não estava em condições de integrar a Comunidade Europeia. O nosso país apresentava então níveis de desenvolvimento e consequentemente de produtividade que não nos permitiam competir no mercado externo e interno, com os outros países da Comunidade, sem apoios do Governo. Qualquer que fosse o sector em análise, da agricultura à indústria era facilmente visível o enorme atraso que registávamos em relação aos outros países da Comunidade, com excepção da Grécia, atraso que só seria superado com medidas de fundo e que não seria recuperável a curto prazo. Vinte anos após a adesão de Portugal à Comunidade Económica Europeia (CEE), qualquer balanço económico não poderá deixar de fazer referência ao impacto da adesão sobre a nossa estrutura produtiva, sobre a balança comercial, sobre o ritmo e características do crescimento económico, a evolução do emprego e do desemprego, a distribuição do rendimento pelas famílias, os níveis de educação, saúde e segurança social da nossa população, em suma sobre os índices de qualidade de vida e a sua comparação com os restantes países comunitários. Em síntese é fundamental que com este balanço possamos poder concluir, não só se a situação económica do nosso país melhorou comparativamente com os nossos parceiros comerciais, mas também se fruto desse desenvolvimento, o nosso país é hoje um país menos desigual e se dada a situação de partida crescemos a um ritmo superior ao dos nossos parceiros comerciais. Vejamos como evoluiu a nossa estrutura produtivo e comparativamente a da União Europeia a 15 e a dos países que com Portugal aderiram nos anos 80 à Comunidade Europeia (Irlanda, Espanha e Grécia). Se é verdade que em qualquer dos países se verifica uma tendência no sentido da redução do peso dos Sectores Primário e Secundário e aumento do Sector Terciário, essa redução é no entanto mais acentuada no caso Português. Nos anos anteriores à adesão à Comunidade Económica Europeia, os Sectores Primário e Secundário eram responsáveis por cerca de 47,5% do nosso Valor Acrescentado Bruto, já nos últimos anos essa importância na ultrapassa os 33% do VAB, uma quebra de 30% ao longo destes 20 anos de adesão, o que não teve paralelo em qualquer dos outros países da Comunidade. Já em relação à população empregue, antes da adesão o Sector Primário e Secundário empregavam 53,2% da população activa, hoje empregam apenas 40% dessa mesma população (menos 25% da população empregue nestes sectores produtivos), curiosamente no mesmo período a população empregue nestes sectores em todo o espaço comunitários a 15, baixou mais, (cerca de 28%), representando agora apenas 30% do total da população empregue. Uma nota para referir aqui que a Irlanda é o único destes países em que ao longo destes 20 anos, a quebra verificada na produção agrícola é compensada pelo acréscimo registado na produção da indústria transformadora, a qual ao arrepio do que se verifica em todos os outros países, aumenta o seu peso na estrutura da produção. Será interessante analisar embora de uma forma breve a estrutura da nossa indústria transformadora em vésperas da adesão à CEE, e mais próximo dos nossos dias. O que é que verificamos? A par da redução do seu peso na estrutura produtiva, a indústria transformadora registou uma alteração da importância relativa dos seus subsectores. No período em análise, “as indústrias alimentar, das bebidas e do tabaco”, de “fabricação de outros produtos minerais não metálicos” e “ máquinas e equipamento” registaram os aumentos mais significativos em termos do peso relativo no total da indústria transformadora (mais 8,2 pontos percentuais) e os sectores ditos tradicionais (indústrias alimentar, têxtil, peles, calçado, madeira, cortiça e papel) registaram uma ligeira quebra no seu peso, no VAB da indústria transformadora (menos 1,3 pontos percentuais). Vejamos como evoluiu o Produto Interno Bruto (PIB) em Portugal e na União Europeia a 15 nos últimos 20 anos utilizando como unidade de medida o PIB per capita em paridades de poder de compra (PPC). Ao longo deste período a taxa média anual do nosso PIB cresceu ligeiramente acima da taxa média de crescimento da EU 15, isto é 5,5%, contra 4,9%. Por esta razão o nosso PIB per capita em PPC era de 57,60 para uma média comunitária de 100 em 1985 e passou para 69,15 em 2005. Esta taxa média de crescimento do PIB ao longo dos 20 anos de adesão, podendo parecer um indicador de um bom ritmo de crescimento da nossa economia comparativamente com a média da EU 15, esconde ritmos de crescimento bem diferentes: § nos sub-períodos de 1985 a 1991, em que crescemos acima da média comunitária, § de 1992 a 1994, em que crescemos a ritmo inferior, § de 1995 a 2001, em que voltamos a crescer acima da média da União e, § finalmente de 2002 até aos nossos dias em que voltamos a crescer continuamente a um ritmo bem inferior ao da União Europeia. Vivemos aliás actualmente o mais longo período de contínuo ritmo de crescimento muito baixo das últimas décadas, podemos mesmo falar em estagnação, o que faz com divergemos do resto da União Europeia há já 5 anos. Nas relações comerciais externas de Portugal verificaram-se grandes alterações estruturais desde a nossa adesão à CEE. Desde logo a perda relativa de peso das exportações no PIB, enquanto as nossas importações apresentam uma evolução inversa. Em 1985 as nossas exportações representavam 31,4% do PIB, em 2005 já só representam 28,6%, enquanto do lado das importações o seu peso no PIB passa de 33,8% em vésperas da adesão para 37,8% mais recentemente. O agravamento do défice da nossa Balança Comercial que passa de 2,4% do PIB, em 1985, para 9,2% em 2005 é a consequência mais imediata do aprofundamento deste claro desequilíbrio da nossa economia – um sector produtivo mais frágil e sem capacidade para competir num mercado cada vez mais aberto -. A evolução da Balança Comercial foi acompanhada por uma alteração significativa das nossas exportações e importações. Do lado das exportações verifica-se a perda de peso relativo das industriais tradicionais portuguesas com as da madeira, cortiça, papel, têxteis, vestuário e calçado que, no conjunto passaram de cerca de 49% do total, em 1995, para menos de 30% em 2004, isto é, a perda de 20 p.p. (a preços correntes) em 20 anos. Por outro lado, a subida do peso relativo das máquinas e material de transporte, que de cerca de 15% no total em 1985, passaram para mais de 34% em 2004. Verifica-se aqui uma perda de peso das indústrias tradicionais muito baseadas no baixo custo do factor trabalho e acrescente posição de sectores industriais bastante influenciados e dependentes do investimento directo estrangeiro. Do lado das importações destacam-se três aspectos seguintes: 1. a manutenção de uma forte dependência alimentar e energética; 2. a manutenção da posição relativa das indústrias tradicionais (cerca de 12% do total das importações); 3. a subida significativa dos sectores das “máquinas e material de transporte” que passam de cerca de 22% para quase 35% duas décadas mais tarde; No decurso dos últimos 20 anos alterou-se também de uma forma bastante evidente a estrutura geográfica do nosso comércio externo. Em primeiro lugar, destaca-se o forte crescimento do comércio externo português com os outros Estados-membros da UE15. Do lado das importações, o comércio intra-comunitário que representava cerca de 35% do total das importações portuguesas, em 1985, ultrapassa hoje os 75%. Do lado das exportações passou-se também de cerca de 36% para valores próximos de 80% do total. Portugal é mesmo hoje dentro dos actuais 25 Estados-membros o país com maior dependência do comércio intra-comunitário, 4/5 do nosso Comércio Externo faz-se dentro do Espaço Comunitário a 25.  O acréscimo do peso deste tipo de comércio fez-se através de vários elementos chave. Por um a lado, um acréscimo da posição relativa dos nossos principais parceiros comerciais, com excepção do Reino Unido enquanto fornecedor, e por outro lado, com alterações na posição relativa de clientes e fornecedores. Aqui destaca-se, especialmente a posição de Espanha, que passou a ser o nosso principal cliente e o nosso principal fornecedor, absorvendo cerca de 1/3 do nosso Comércio Externo, quando antes da adesão não representava mais do que 1/20 desse Comércio. Até à adesão à CEE apenas 5,4% das nossas importações provinham de Espanha e apenas 2,2% das nossas exportações iam para Espanha, 20 anos depois, 30% das nossas importações provêm de Espanha e cerca de 27% das nossas exportações têm como destino o país vizinho. A Alemanha ocupa actualmente o 2º lugar como fornecedor e partilha regularmente com a França o 2º e 3º lugar como clientes. Um dado bem elucidativo sobre a crescente fragilidade e dependência da nossa economia, se em 1986 vários eram os nossos parceiros comerciais da EU 15, cuja balança comercial bilateral era deficitária com Portugal - casos da França, Holanda, Inglaterra, Irlanda, Dinamarca e Grécia -, em 2005 só a Inglaterra e Grécia apresentam uma balança deficitária com o nossos país, o que não é certamente alheio ao facto de Inglaterra não ter aderido ao euro, o que faz com que as suas exportações sejam muito caras para nós e as nossas importações bem acessíveis para eles. Mais ainda, dos actuais 25 membros da União Europeia, a nossa Balança Comercial apenas não é deficitária com 5 deles, para além dos anteriores, Chipre a Hungria e a Eslovénia.  Feita a análise da evolução da nossa estrutura produtiva, da evolução do crescimento económico e da balança comercial, vejamos os impactos da adesão sobre a evolução do desemprego, sobre a distribuição do rendimento pelas famílias, os níveis de educação, saúde e segurança social da nossa população, em suma sobre os índices de qualidade de vida e a sua comparação com os restantes países comunitários. Em 1985, o nosso país tinha 416 mil desempregados, enquanto a União Europeia a 15 tinha 14,7 milhões desempregados, no final de 2005, Portugal ultrapassou o nº de desempregados de 1985, tinha 422 mil desempregados, enquanto a União Europeia a 15, deverá manter os 14,7 milhões de desempregados. É certo que a metodologia de cálculo do desemprego foi alterada ao longo deste período, por isso é difícil dizer se a taxa de desemprego de 7,6% registada no final de 2005 é superior à registada em 1985, de qualquer das formas um facto é indesmentível, enquanto a nossa taxa de desemprego tem vindo a aumentar, a taxa de desemprego na EU a 15 tem registado uma tendência contrária e de acordo com os últimos dados do Eurostat ela poderá no final de 2006, ser pela 1ª vez inferior à registada no nosso país. A nossa adesão à CEE não significou 20 anos depois, tal como sempre dissemos a solução para os nossos problemas do emprego, antes nos colocou em confronto directo com empresas melhor apetrechadas e com trabalhadores em muitas situações melhor preparados, com consequências directas no encerramento de empresas e no aumento do desemprego, com particular incidência nos jovens à procura do 1º emprego – para eles a taxa de desemprego é o dobro da média nacional – e nas mulheres. Uma situação que consideramos a todos os títulos preocupante e que por mais que os vários governos procurem ocultar com algumas medidas de cosmética, ela é de tal forma grave que foi já reconhecida pelo próprio Governador do Banco de Portugal, diz respeito à situação social que se vive no nosso país, quando comparada com o conjunto dos países da EU-15. Considerando os dados disponíveis para 1997, onze anos após a adesão, Portugal é o país da EU-15 com menor rendimento por habitante, mais elevada taxa de pobreza, mais elevada desigualdade da distribuição do rendimento e em que a desigualdade dos rendimentos salariais é mais elevada. Analisando os Inquéritos aos Orçamentos Familiares em três anos diferentes 1989/1990, 1994/95 e 2000, confirmam-se os elevados índices de desigualdades do rendimento e da pobreza económica dos agregados e dos indivíduos durante a década de noventa. Confirma-se que Portugal é o país da EU-15 com o maior nível de desigualdade do rendimento e com a maior taxa de pobreza relativa. Confirma-se que ao longo da década de noventa houve um aumento de cerca de 250 mil indivíduos observados numa situação de pobreza relativa, de tal forma que em 2000 são quase dois milhões os portugueses classificados como pobres em função do seu rendimento e em termos relativos. Estas acentuadas desigualdades sociais em Portugal, de que a desigualdade da distribuição do rendimento que acabei de referir constitui a dimensão mais expressiva e mais determinante de muitas outras (das desigualdades das despesas e dos padrões de consumo, das desigualdades do nível de instrução e do sucesso escolar, das desigualdades do nível de protecção contra os riscos sociais, etc.), são a expressão de factores económicos e sociais a que a acção do Estado–providência desenvolvida pelos Governos de Direita que nos têm governado e pela União Europeia, não dão resposta e constituem o mais claro libelo acusatório contra as políticas de direita que vêm sido prosseguidas no nosso país. Qualquer balanço cor-de-rosa que possa ser feito destes vinte anos de adesão ao chocar com esta dura e indesmentível realidade social, traz-nos à lembrança a necessidade de lutarmos por uma outra Europa em que os objectivos fundamentais sejam a convergência económica e social entre os Estados, sejam a criação de um espaço económico e social com níveis de desenvolvimento idênticos, de que possam disfrutar os vários povos da União Europeia.
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