Intervenção de Carlos Carvalhas, Secretário-Geral

Reunião Nacional de Quadros sobre "Regionalização"

Creio que se pode concluir que saímos deste Encontro, mais preparados e empenhados para travar a batalha da Regionalização. O nosso combate pelo «Sim às Regiões» e a nossa intervenção activa para a vitória do Sim nas duas perguntas do referendo no próximo dia 8 de Novembro, decorre dos nossos compromissos programáticos, da análise da realidade nacional, da ponderação dos diversos factores que intervêm no processo da regionalização e na convicção de que a criação das regiões administrativas é um importante contributo para que haja mais democracia, mais descentralização, mais transparência e mais desenvolvimento em Portugal.

Sabemos que a regionalização não é a varinha de condão para o desenvolvimento regional ou a panaceia para resolver todos os problemas do país.

Mas também sabemos que a regionalização, tal como a encaramos é um factor de desenvolvimento e um importante factor de concretização de direitos das populações.

Batemo-nos, pois, pela regionalização porque pensamos que o país precisa de mais democracia e de menos centralismo; de mais participação dos cidadãos e de menos dirigismo; de mais transparência e de menos opacidade na utilização dos dinheiros públicos.

Batemo-nos pela regionalização porque ela é também um espaço e um instrumento para a conquista de novos poderes para os cidadãos e para as populações, instrumento que reforça a sua intervenção e o seu peso nas escolhas que condicionam o seu futuro.

Batemo-nos pela regionalização porque queremos nas regiões órgãos eleitos, com rosto e responsáveis perante os cidadãos que os elegeram, condição essencial para uma verdadeira reforma democrática da Administração Pública.

E batemo-nos com a mesma coerência com que nos batemos pelo reforço do Poder Local, ou por mais direitos para os trabalhadores, ou por mais justiça social.

O que queremos é que as populações tenham voz e possam expressar lá onde se decide, as suas justas aspirações de progresso e desenvolvimento.

Não é o aprofundamento da democracia, do controlo democrático, nem a descentralização ou a transparência que dividem o país.

Portugal há muito que está dividido em freguesias, concelhos, distritos e estas divisões não puseram em causa a coesão e a unidade nacionais.

O que divide o país são as gritantes assimetrias de desenvolvimento regional, as gritantes desigualdades sociais, a política centralista e neoliberal aos serviço dos grandes senhores do dinheiro.

O que o país precisa é de um desenvolvimento harmonioso que dê respostas à desertificação e envelhecimento do interior e que contribua para travar a excessiva corrente migratória para as áreas metropolitanas de Lisboa e Porto, com a agudização de todos os problemas sociais e urbanísticos.

O que o país precisa é da resposta concreta aos anseios e justas aspirações das populações, fartos de promessas e de política politiqueira dos que hoje dizem sim para logo dizerem não no dia seguinte, dos que hoje dizem não à regionalização quando ontem acenavam com tal proposta nos programas de governo e se declaravam fervorosos defensores desta importante reforma.

É política politiqueira e total falta de escrúpulos afirmar através de encenações dramáticas que a regionalização significa a divisão do País, mais tachos e mais burocracia.

E reafirmamos que é fazer batota apresentar, como fez o Presidente do PSD, com a sua alternativa ao modelo de regionalização em debate, um conjunto de propostas, aliás geradoras de mais despesa e mais burocracia e que nada têm a ver com as regiões administrativas consagradas na Constituição há 22 anos, iludindo a questão fundamental a que quer fugir e que nunca esclareceu: se o PSD não concorda com esta regionalização, então como tenciona concretizar aquilo que ainda há pouco tempo votou favoravelmente na última revisão constitucional que negociou com o PS, ou seja, a existência de regiões administrativas, com carácter autárquico, com assembleia eleita e junta regional? Ou pensa MRS que é com meia dúzia de medidas superficiais, cozinhadas à pressa, que nada têm a ver com as regiões, depois de durante anos não ter apresentado qualquer alternativa aos modelos de regionalização em debate, que apaga da memória dos portugueses que anda a dar o dito por não dito e que o PSD, tal como os seus aliados do CDS/PP e todos os partidos, votaram há anos por unanimidade na Assembleia da República a Lei-Quadro das Regiões Administrativas, que constitui uma peça essencial da proposta de regionalização em debate público?

E queremos ainda reafirmar neste Encontro que quando vemos o líder do PSD a proclamar que a regionalização vai criar mais 390 deputados regionais (fazendo crer que terão os vencimentos dos deputados à Assembleia da República), nós não podemos deixar de dizer que ele ou está a ver a regionalização pelos óculos de quando o PSD esteve no governo que encheu a Administração Pública de cidadãos com o cartão laranja ou deliberadamente a faltar à verdade, porque sabe perfeitamente que os membros das Assembleias Regionais terão o mesmo estatuto dos membros das Assembleias Municipais, isto é, apenas receberão senhas de presença e não terão qualquer vencimento.

Quando vemos esse frenesim de Paulo Portas a insistir que vão ser criadas regiões políticas similares às autonomias espanholas ou às regiões autónomas dos Açores, nós não podemos deixar de continuar a dizer que chega de falta de escrúpulos, porque ele sabe perfeitamente, que as regiões a criar são regiões administrativas, sem poder legislativo e fiscal, são novas autarquias locais e não regiões como as de Espanha ou sequer as dos Açores e da Madeira.

As regiões não têm poder legislativo, não podem criar impostos. Quem afirme o contrário está a ser desonesto politicamente e a procurar atingir os seus fins através da mentira e da confusão.

Nós compreendemos e respeitamos aqueles que têm dúvidas e até preocupações, mas não podemos é ter compreensão ou respeitar aqueles que conhecendo qual o conteúdo e a extensão desta regionalização procuram mistificar e enganar a opinião política.

Ouvindo dirigentes do PSD e do PP chega-se à conclusão que tudo lhes serve, que não olham a meios nem a falsidades para evitar uma derrota que muito provavelmente liquidaria qualquer perspectiva de AD e agudizaria todas as contradições no interior das suas componentes.

E esta é a questão que explica desespero, o empenho desaustinado e o recurso a qualquer argumento por parte das actuais direcções do PSD e do PP.

É que para eles o que está em causa não é haver ou não regionalização, mas sim, haver ou não "AD" e quiçá mesmo a manutenção das actuais lideranças das respectivas componentes. Por isso mesmo ainda há dois dias um matutino titulava que Marcelo Rebelo de Sousa está a dar o "tudo por tudo" neste referendo. É que ele sabe que no caso da derrota "Cristo não descerá de novo à Terra nos tempos mais próximos". Para os líderes do PSD e do PP o que está em causa não é a bondade ou a maldade da regionalização mas a sobrevivência de um projecto e os resultados das eleições europeias e legislativas.

Mas nem a sobrevivência de um projecto, nem a eventual continuação de lideranças podem justificar a utilização da mentira e de argumentos primários e caceteiros.

Pela nossa parte vamos procurar fazer uma campanha serena, didáctica, privilegiando a informação e o debate, sem deixar de aqui e ali responder e desmontar a argumentação caceteira do PSD e do PP.

O nosso combate pela regionalização e pela vitória do Sim no referendo do dia 8 de Novembro insere-se no quadro de uma intervenção mais vasta de luta pelo desenvolvimento e pela redução das diferenças regionais; no quadro da nossa empenhada intervenção em defesa da produção nacional e do relançamento da actividade produtiva e do emprego com direitos; no quadro da nossa luta pela melhoria da distribuição do Rendimento Nacional.

Estas questões não são para nós inseparáveis.

É por isso lamentável que o PS ao mesmo tempo que se declara empenhado na vitória do Sim no referendo que negociou com o PSD, prossiga com a política neoliberal que continuará a acentuar as desigualdades espaciais e sociais e a fomentar a conflitualidade.

Lamentável que queira avançar com legislação do trabalho gravosa para os trabalhadores.

Lamentável que queira aumentar o tempo de duração dos contratos a prazo, contratos que como se sabe foram também introduzidos por outro governo do PS.

Lamentável ainda que não queira tirar ensinamentos da actual "crise financeira capitalista" e que apenas se fique pela retórica da denúncia dos malefícios desta globalização depois de ter estado de acordo com a Organização Mundial do Comércio, depois de ter silenciado o Acordo Multilateral de Investimentos, depois de ter aceite o Pacto de Estabilidade, depois de ter promovido as actividades financeiras e especulativas. Não basta reclamar agora a baixa da taxa de juros. É necessário também, taxar os movimentos de capitais especulativos, relançar a actividade produtiva e o consumo e defender e valorizar a produção nacional. A concentração da riqueza e o empobrecimento relativo das massas, a promoção das actividades especulativas e a penalização das actividades produtivas, a financeirização das economias aí está, a mostrar as suas consequências com todo o cortejo de sofrimentos para os povos.

A crise é grave e como é natural, não se fica apenas no domínio financeiro. Mas à sombra da crise começam já a aparecer os propagandistas do grande capital a tentar criar um clima de resignação, e a defender mais moderação salarial, mais flexibilidade, mais cortes orçamentais para que aqueles que tudo produzem apertem ainda mais o cinto e paguem os custos da irracionalidade e dos processos de acumulação de meia dúzia. São os mesmos que até à pouco tempo apontavam os países asiáticos como excelentes modelos.

Agora andam todos a procurar apanhar o comboio em andamento... São aliás, cada vez mais, mesmo entre os teólogos do neoliberalismo, os que procuram sacudir a água do capote.

É a retórica e mais retórica para encobrirem a quem tem servido o conteúdo real das suas políticas. Para encobrirem as fortunas feitas por aqueles que enriquecem a dormir tirando proveito do divórcio entre a produção, entre a economia real e a loucura especulativa dos mercados financeiros.

Reparem também, que na recente intervenção que o Primeiro-Ministro fez ao grupo parlamentar do PS este não disse que ia inflectir a sua política. Disse sim, que era necessário relançar o "discurso social". O discurso, a palavrinha, a retórica, o blá blá e não as medidas concretas...

Mas de palavras está o nosso país cheio. O nosso país e o mundo.

Há muito que analistas de diferentes quadrantes chamavam a atenção para a irracionalidade e para a centralização e a concentração sem precedentes a que estavam a conduzir as políticas neoliberais, com a febre das privatizações de tudo o que é rentável, com a divinização do mercado, com o primado das actividades financeiras e especulativas e a absolutização da inflação e dos instrumentos monetaristas, com a livre circulação de capitais e a intensificação da exploração dos trabalhadores, numa efectiva globalização da pobreza, do desemprego e da precarização numa autêntica economia global de casino. Já em 1990 a CNUCED lançava um claro grito de alarme dizendo: «a preponderância da actividade financeira sobre a actividade económica e a mundialização do sector financeiro são as fontes fundamentais da instabilidade e da imprevisibilidade da economia mundial (...)». Os sinais da vulnerabilidade de todos os países à crise financeira são hoje cada vez maiores...

A situação hoje é ainda mais grave. E as virtudes do capitalismo aí estão expostas com todo o seu esplendor neste dobrar de século...

Vamos empenhar esforços para, com verdade, chegar ao maior número de portugueses e de portuguesas de uma forma pedagógica, didáctica e mobilizadora para que vença o «Sim» à regionalização que é o mesmo que dizer para que vença Portugal!

Este Partido que luta por esta importante reforma é o mesmo que luta por melhores salários e pensões, por melhores condições de vida, pelo reforço da economia e da coesão nacional, pela transformação social, tendo por horizonte o socialismo.

Este Partido que luta pela regionalização é o mesmo que luta pelo aprofundamento da democracia em todas as suas componentes, que luta pela coesão nacional, que luta intransigentemente pela defesa da soberania e da independência de Portugal.

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