Intervenção de Carlos Carvalhas, Secretário-Geral

Apresentação da Campanha «Mil Localidades»

Esta nossa iniciativa vai decorrer num quadro em que se verifica um agravamento das desigualdades regionais que urge travar e inverter.

No plano mais geral é significativo que sejam cada vez mais os que se aproximam das nossas teses há muito formuladas, sobre o erro crasso de uma política económica assente no cumprimento cego do “Pacto de Estabilidade”.

O Partido Socialista, depois de muitos anos de proselitismo europeísta sobre o “Pacto de Estabilidade” já tomou algum distanciamento apesar de ter aprovado o Plano de Estabilidade do Governo e, no PSD, são várias e de referência as vozes que alertam para as consequências da política seguida.

Recentemente, Miguel Cadilhe, não hesitou em afirmar que a política seguida tem ampliado a crise e que esta pode ser mais prolongada do que se pensa.

Na verdade, a economia portuguesa está em recessão, com uma significativa desvalorização do aparelho produtivo nacional e uma substituição da produção nacional pela importada; com um crescente domínio dos centros de decisão económicos nacionais pelo estrangeiro e com uma substancial quebra do investimento a indiciar maiores problemas no futuro.

A necessidade de impulsionar o investimento e designadamente o investimento público directa ou indirectamente produtivo é uma evidência.

As falências, as deslocalizações, o endividamento das famílias, os despedimentos e o desemprego, que aumentou 24% em Abril, aí estão a confirmar o desacerto de uma política.

É necessário um novo rumo e aproveitar a situação na União Europeia e designadamente as posições dos governos alemão e francês, para se obter, pelo menos, uma maior flexibilização do «Pacto de Estabilidade».

Os recentes dados publicados pela União Europeia, em que nos coloca na cauda da Europa, quanto à produtividade e aos custos salariais, são uma clara resposta aos ditos apelos do Primeiro-Ministro às entidades sindicais e patronais sobre a produtividade no seio da Concertação Social.

São uma clara resposta porque, como a experiência vai mostrando, apesar dos mais baixos custos salariais da União Europeia, Portugal tem a mais baixa produtividade, o que põe em evidência que não é por este caminho que ultrapassamos esta situação.

Uma estratégia de desenvolvimento assente nos baixos salários, no trabalho desvalorizado e sem direitos é um factor de estímulo ao investimento estrangeiro e nacional de baixa complexidade tecnológica e de pouca preocupação com os ganhos de eficiência e de produtividade.

O modelo de baixos salários é também factor não de estímulo mas sim de desinteresse em relação ao empenhamento produtivo por parte dos trabalhadores e dos sindicatos.

Depois da aprovação do Código Laboral e da política salarial definida pelo Governo é uma hipocrisia vir-se apelar ao aumento da produtividade, designadamente aos trabalhadores, como se estes fossem os responsáveis pela situação actual. Veja-se a produtividade dos trabalhadores portugueses no Luxemburgo e compare-se com os níveis em Portugal.

As insuficiências na gestão e o atraso tecnológico na produção não podem ser assacados aos trabalhadores. Mas é também uma evidência que uma economia crescentemente sub-contratada e com alavancas fundamentais da economia cada vez mais nas mãos do estrangeiro dificilmente superará os seus atrasos. É uma economia de “pau mandado” em que o pau está no exterior.

O agravamento social e económico têm expressões muito variadas e diferentes a nível regional.

A necessidade de dar resposta e de aprofundar e actualizar o conhecimento no que se refere a temas com relevante importância política no domínio das políticas de desenvolvimento, nomeadamente na componente do desenvolvimento territorial, com a sua dimensão ecológica, social e cultural levou o PCP a lançar a iniciativa “Mil Localidades” enquadrada pela acção, “Em movimento por um Portugal com futuro”.

Com efeito, a actual geografia social e económica do país, insiste em afirmar traços de desigualdades, que há já longo tempo caracterizam a sociedade portuguesa e que permanecem, na situação presente, numa posição de indiscutível centralidade na condição sócio económica nacional e em particular nas formas de manifestação territorial dessas desigualdades.

Assim:

a) os persistentes desequilíbrios inter-regionais agravados num contexto de integração europeia e na ausência de fortes e duradouras políticas de desenvolvimento regional;

b) a persistente macrocefalia metropolitana em torno dos centros urbanos de Lisboa e do Porto, agravada pelo ausência de políticas de descentralização político-administrativa do Estado;

c) a situação de abandono económico e demográfico da vastas áreas rurais do interior do país, agravada pelos efeitos da Política Agrícola Comum;

d) a persistente degradação dos serviços públicos, nomeadamente nos serviços de saúde e de ensino, agravada pelos baixos níveis de investimento público e políticas de privatização, constituem, certamente, traços fundamentais da presente situação sócio-económica do país e reflectem os efeitos de anos de política social e económica neoliberal e são um amplo espaço para uma análise política e uma definição de um programa alternativo com vista ao desenvolvimento do território nacional.

A evolução nos últimos anos da economia portuguesa, fez acrescentar novos aspectos ao quadro global de disparidades inter-regionais no país, cuja natureza está profundamente associada à intensificação do processo de integração económica europeia, marcado pelo instituição da liberdade plena de circulação de mercadorias e capitais através da União Europeia. Isto assim é porque, por um lado, a produção nacional sofre com a intensificação da concorrência de produtos provenientes das economias mais desenvolvidas da Europa, perdendo cotas de mercado nacional, arrastando a fragilização de importantes sectores das economias regionais e através destes as próprias comunidades locais no seu todo. Por outro, a economia portuguesa viu surgir um importante fluxo de investimento directo estrangeiro que procurou em Portugal, volumosos montantes de subsídios públicos ao abrigo das políticas estruturais europeias, bem como, o (histórico) tradicional baixo custo de mão de obra. Nestas condições, tem aumentado significativamente o grau de fragilidade das economias locais e regionais, crescentemente dependentes de circuitos produtivos e de distribuição comandados de fora do país. O presente fluxo de processos de fuga de empresas para países de mão de obra ainda mais barata, são a manifestação mais expressiva de tal situação deixando atrás de si o crescimento de desemprego e de situações familiares dramáticas.

Mas a actualidade política desta iniciativa, tornou-se, se assim se pode dizer, mais premente, face ás principais políticas em curso ou enunciadas pelo Governo PSD/CDS-PP, e as suas inevitáveis consequências no acentuar das desigualdades regionais, com o cumprimento submisso do Pacto de Estabilidade.

E ninguém poderá ter dúvidas de que são e serão as regiões mais pobres, as áreas mais frágeis – todas aquelas que em geral tem fraca representação parlamentar ou reduzida capacidade reivindicativa – as que vão pagar a factura mais pesada dessa política. Se na distribuição dos dinheiros do OE e fundamentalmente do PIDDAC os distritos do interior são fortemente discriminados mesmo em tempo de vacas gordas (a não ser que tenham a sorte de terem sido a terra de nascimento do Primeiro Ministro) é fácil adivinhar o que vai acontecer quando o Governo diz que não há dinheiro. A que devem acrescentar-se as restrições que esta política impôs ás capacidades financeiras das autarquias que vão penalizar principalmente aquelas cuja parte grossa das receitas advém dos dinheiros do Orçamento de Estado, ou seja, em geral, as localizadas nessas regiões com menores indicadores de desenvolvimento.

Reafirmamos hoje que, a campanha “Mil Localidades” que o PCP se propõe realizar, entre Maio e Outubro, sob o lema “Participação e Desenvolvimento”, destina-se a alertar para as situações de carência existentes em muitas terras do interior, mas também noutras regiões do País, tantas vezes esquecidas e reclamando linhas de apoio ao desenvolvimento, terá os seguintes objectivos específicos:

– aprofundar o conhecimento das (novas e velhas) realidades económicas e sociais das regiões portuguesas, aprofundando as causas da situação actual e perspectivas da sua evolução;

– definir linhas fundamentais de um projecto de desenvolvimento alternativo do país, nomeadamente na sua tradução territorial, que represente uma efectiva ruptura com o rumo que a política de direita vem impondo;

– identificar e desenvolver linhas fundamentais de alteração das políticas de desenvolvimento económico e regional europeias, no sentido da promoção de uma efectiva coesão económica e social em todo o espaço da União Europeia;

– estabelecer linhas de luta e reivindicação política com a participação e mobilização das populações e suas associações e colectividades, perante os órgãos de poder;

– dinamizar e mobilizar politicamente o Partido e em particular as suas organizações de base, em torno dos problemas identificados.

É nestas direcções que a Campanha “Mil Localidades” se vai desenvolver. De forma emblemática, a sua primeira iniciativa será na Sertã, na bem conhecida e deprimida zona do Pinhal no próximo dia 25 de Maio. E com este ponto de partida da campanha queremos marcar uma ideia que suporte a análise que fazemos destas situações: os estrangulamentos e problemas de desenvolvimento, resultam de um sistema socioeconómico produtor de desigualdades e das políticas de direita, que não só não as enfrentam como as agravam. São questões de opções estratégias e de políticas e não razões geográficas, como a tão referida interioridade, ou naturais que condenam uma região ou sector de actividade ao atraso, carências, subdesenvolvimento! Não é nenhuma fatalidade tal existir e acontecer.

A Campanha distribuir-se-á depois com temas diversificados por todas as regiões do País, do Minho ao Algarve, incluindo as Regiões Autónomas.

Com esta iniciativa aberta, dirigida às populações mas dela recebendo as suas contribuições críticas, vamos procurar também o concurso e as reflexões de cidadãos e especialistas de diversos quadrantes visando depois traduzir os apuramentos em propostas, designadamente nas instituições, e medidas diversas. Procuramos também com esta iniciativa desafiar o Governo com propostas alternativas e contribuir para o necessário sobressalto que a actual situação exige e reclama. Esperamos também dar a nossa contribuição para o combate ao fatalismo e à resignação e para demonstrar que há outros caminhos para a economia e a sociedade portuguesa.

A estagnação e a recessão não são o caminho.

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