Intervenção de João Oliveira na Assembleia de República

"Nenhum Governo ou maioria tem o direito de destruir um país e arruinar um povo"

(moção de censura n.º 6/XII/3.ª)

Sr.ª Presidente,
Sr.as e Srs. Membros do Governo,
Sr.as e Srs. Deputados:
A moção de censura que o PCP hoje trouxe à Assembleia da República é a expressão do sentimento popular de censura ao Governo e à maioria PSD/CDS que o suporta.
Uma censura popular confirmada nas urnas, que recusa a possibilidade deste Governo e desta maioria PSD/CDS se manterem em funções por serem ilegítimos.
Ilegítimo o Governo por violar compromissos eleitorais, por governar contra o povo e contra a Constituição, por não ter base social, política e eleitoral de apoio que lhe permita, como deseja, prosseguir a sua política de exploração, empobrecimento e afundamento nacional.
Ilegítima a maioria parlamentar PSD/CDS por não refletir as opções políticas e eleitorais dos portugueses, por manter artificialmente na Assembleia da República uma maioria de 57% dos Deputados quando nas urnas apenas recolhe 27% dos votos.
Uma ilegitimidade insustentável que tem como única saída digna e democrática a demissão do Governo, a dissolução da Assembleia da República e a convocação de eleições legislativas antecipadas, dando de novo a palavra ao povo para que possa construir uma alternativa política ao atual Governo, uma verdadeira alternativa que assuma a rutura com a política de direita e execute uma política de defesa da nossa soberania, da nossa pátria, do nosso povo e dos seus direitos.
É responsabilidade desta maioria PSD/CDS retirar todas as consequências do isolamento social, político e eleitoral a que foi condenada pelo povo português.
Se o PSD e o CDS fugirem às suas responsabilidades e chumbarem esta moção de censura, mantendo-se agarrados ao poder, o que fazem não é reforçar a confiança no Governo, é censurar a vontade que o povo manifestou democraticamente nas urnas e estender a ilegitimidade a esta Assembleia da República, que terá, obrigatoriamente, de ser dissolvida.
Tal atitude confrontará, então, o Presidente da República com o juramento que fez de cumprir e fazer cumprir a Constituição, demitindo o Governo, dissolvendo a Assembleia da República e convocando eleições antecipadas em nome do regular funcionamento das instituições.
Não há, de facto, outra saída. Qualquer outra solução significa contrariar a vontade e as opções dos portugueses, degradar a situação política e comprometer o regular funcionamento das instituições.
Sr.ª Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados,
Sr.as e Srs. Membros do Governo,
O debate desta moção de censura confirma a encruzilhada em que o País se encontra.
A maioria e o Governo quiseram esconder a realidade por detrás do ruído e da falsificação histórica, como, de resto, acabámos de ouvir na intervenção do Sr. Vice-Primeiro-Ministro.
A política que o PCP propõe é a solução para os problemas nacionais. Desastre é a doutrina do PSD e do CDS e as consequências da sua política; desastre económico e social provocou o Governo com a mais profunda recessão económica e os maiores níveis de desemprego e pobreza desde o 25 de Abril.
Aumento imediato da dívida pública não é o PCP que propõe, é a medalha de lata deste Governo PSD/CDS, que, em apenas três anos, aumentou a dívida pública em mais de 52 mil milhões de euros.
Delapidação das poupanças dos portugueses promoveu o Governo com o aumento de impostos e o saque de salários e pensões, obrigando os portugueses a recorrer às suas poupanças para sobreviver.
Estatização prejudicial à economia e aos interesses nacionais sustentou o Governo mantendo a nacionalização dos prejuízos do BPN, obrigando os portugueses a pagar esses prejuízos para depois devolver o banco a preço de saldo ao capital privado.
O Governo, neste debate, não deu resposta a um único problema do País, mas repetiu o discurso triunfalista de uma recuperação económica desmentida já pelos últimos dados do PIB.
Falaram de abstenção e quiseram fazer esquecer que houve eleições no dia 25, para minimizar a derrota eleitoral que sofreram; tentaram recuperar a ideia da saída da troica, ocultando que já comprometeram o País com vigilâncias e fiscalizações externas para os próximos 20 anos; repetiram o discurso do fim do protetorado, apesar de já terem decretado a continuação da política de extorsão de salários e pensões e novos aumentos de impostos; incapazes de demonstrarem o apoio popular à sua política, falaram de banalização de moções de censura.
Depois de terem imposto ao povo e ao País todos os condicionamentos ditados pela União Europeia e pelo euro, submetendo-se à vontade das potências europeias e destruindo a economia nacional e o País, agora recusam-se a fazer a discussão sobre os prejuízos que daí resultaram, querendo amarrar o País e o povo, a ferro e fogo, a um caminho de desastre.
Não há ruído que esconda a realidade, Sr.as e Srs. Deputados. A política deste Governo não serve os interesses dos trabalhadores, do povo, nem do País.
Este Governo não pode manter-se em funções porque não corresponde às opções, nem à vontade do povo, não tem legitimidade para exercer o poder porque não tem apoio social, político ou eleitoral, e tem de ser censurado.
Depois da confirmação eleitoral de que o povo não quer este Governo nem esta maioria, não se pode aceitar que o Governo se arraste no poder por mais um ano e alguns meses, arrastando consigo o País e o nosso futuro coletivo.
Manter em funções este Governo é sujeitar os trabalhadores e o povo a novos ataques aos seus direitos e condições de vida, num ambiente de medo permanente à espera da notícia do próximo corte no salário, na pensão, no subsídio de desemprego ou do próximo aumento de impostos. É assistir à venda do País, à entrega das suas riquezas, recursos e potencialidades, à peça ou por grosso, em pacotes de vistos ou a quem der mais nas negociatas das privatizações, em mais negócios de PPP (parcerias público-privadas), swaps ou especulação com a dívida pública.
Manter este Governo em funções é negar o futuro a quem quer viver no seu País, sangrando o povo dos seus melhores, que partem para o estrangeiro à procura do emprego digno que o Governo lhes nega, abandonando casa, família, amigos, amargurados e revoltados com o seu destino.
É manter em funções um Primeiro-Ministro que ainda há dois dias confessou que não fez nada obrigado pela troica, tudo o que fez foi de livre vontade.
É manter em funções um Primeiro-Ministro que, depois de três anos a agredir os portugueses com o pacto da troica e a semear a desgraça na vida de quem trabalha, tratou de teorizar, numa graçola, sobre as pancadas com que pretende continuar a agredir o povo que governa.
Manter este Governo em funções é manter o País em permanente instabilidade, à espera do próximo pretexto para que o CDS justifique uma saída — finalmente irrevogável! — do Governo, preocupado apenas com a matemática eleitoral e a manutenção de um nível de poder que lhe garanta participação em futuras alianças governamentais de geometria variável.
Manter este Governo em funções é ter de sujeitar todos os anos os orçamentos do Estado à fiscalização do Tribunal Constitucional e é sujeitar esse Tribunal à permanente chantagem do Governo, como se a chantagem se enquadrasse no regular funcionamento das instituições.
Provavelmente, hoje mesmo, daqui a umas horas, voltaremos a ouvir mais uma vez o Tribunal Constitucional pronunciar-se sobre mais um orçamento do Estado, depois de o Governo ter já repetido o discurso de chantagem com que sucessivamente procura condicionar as decisões judiciais e com que a seguir procurará, de novo, responsabilizar aquele Tribunal pela sua política governamental que confronta e viola a Constituição.
É isto que significa manter em funções este Governo, por isso libertar o País e o povo deste Governo e desta maioria é um dever patriótico.
Sr.ª Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados,
Sr.as e Srs. Membros do Governo,
Esta moção de censura corresponde a uma censura popular a este Governo e à maioria PSD/CDS que não é de hoje, nem começou no dia 25, leva já muito mais tempo de existência.
A censura dos portugueses a este Governo começou há precisamente dois anos e onze meses — faz hoje, dia 30 —, dia em que o Primeiro-Ministro se estreou na Assembleia da República e logo violando um compromisso eleitoral ao impor o corte de metade do subsídio de Natal. Desde esse dia, a censura popular tem sido construída com a luta determinada dos trabalhadores e do povo contra este Governo e a sua política.
No passado dia 25 de maio, construiu-se mais uma etapa dessa luta. O povo expressou democraticamente a sua vontade de isolar o Governo, impondo a maior derrota eleitoral de sempre à coligação PSD/CDS. Essa expressão da vontade popular tem de ter consequências para ser respeitada, não pode ser ignorada nem desprezada, como procurou fazer o Primeiro-Ministro neste debate.
Depois de quase três anos de intensa luta dos trabalhadores e do povo, depois de censurado o Governo nas urnas, e parafraseando o poeta, «só nos faltava que esta censura não se cumprisse».
Seria impensável que a Assembleia da República passasse ao lado de tamanha censura popular, poupando o Governo a uma moção de censura.
O Grupo Parlamentar do PCP, que propôs esta moção de censura, não será, obviamente, suficiente para a aprovar, mas continuará a bater-se por ela com a força da confiança que tem no povo e respeitando o mandato assumido perante o povo, com a confiança de que, mesmo que esta moção de censura seja hoje rejeitada, o povo continuará a lutar e encontrará o caminho que conduzirá à derrota deste Governo e da política de direita.
Nenhum Governo ou maioria tem o direito de destruir um país e arruinar um povo, e a resistência dos portugueses multiplicar-se-á tantas vezes quantos os braços daqueles que o Governo quiser condenar.
O povo resgatará para as suas mãos aquilo que lhe pertence e que este Governo ilegítimo continua a entregar a bancos e banqueiros, especuladores e acionistas de grandes grupos económicos.
Os trabalhadores e o povo hão de encontrar, com a sua luta, o caminho da política alternativa que, afirmando os interesses do povo e do País e a decisão soberana do povo português, se baseie em seis opções fundamentais e indispensáveis:
Primeira, a rejeição dos condicionalismos externos e a renegociação da dívida nos seus montantes, juros, prazos e condições de pagamento, rejeitando a sua parte ilegítima, com a assunção imediata de uma moratória negociada ou unilateral e com redução do serviço da dívida para um nível compatível com o crescimento económico e com a melhoria das condições de vida.
Segunda, a defesa e o aumento da produção nacional, a recuperação para o Estado do sector financeiro e de outras empresas e sectores estratégicos indispensáveis ao apoio à economia, o aumento do investimento público e o fomento da procura interna.
Terceira, a valorização efetiva dos salários e pensões e o explícito compromisso de reposição de salários, rendimentos e direitos roubados, incluindo nas prestações sociais.
Quarta, a opção por uma política orçamental de combate ao despesismo, à despesa sumptuária, baseada numa componente fiscal de aumento da tributação dos dividendos e lucros do grande capital e de alívio dos trabalhadores e das pequenas e médias empresas, garantindo as verbas necessárias ao funcionamento eficaz do Estado e do investimento público.
Quinta, uma política de defesa e de recuperação dos serviços públicos, em particular nas funções sociais do Estado — saúde, educação e segurança social —, reforçando os seus meios humanos e materiais como elementos essenciais à concretização dos direitos do povo e ao desenvolvimento do País.
Sexta, a assunção de uma política soberana e a afirmação do primado dos interesses nacionais nas relações com a União Europeia, diversificando as relações económicas e financeiras e adotando as medidas que preparem o País face a uma saída do euro, seja por decisão do povo português, seja por desenvolvimentos da crise da União Europeia.
Os trabalhadores e o povo hão de encontrar, com a sua luta, o caminho desta política patriótica e de esquerda que projete os valores de Abril no futuro de Portugal, mas para isso é preciso, imediatamente, derrotar este Governo ilegítimo e convocar eleições antecipadas.

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