Intervenção de Jerónimo de Sousa na Assembleia de República

«É necessário ir às causas e aos causadores das desigualdades e pobreza»

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Sr.ª Presidente,
Sr. Primeiro-Ministro,

No limiar do novo ano, a questão da desigualdade e da pobreza é central e constitui um desafio para qualquer força política e para qualquer governo que tenha sobre estas questões a sensibilidade suficiente para perceber que é necessário ir às causas e aos causadores dessa mesma desigualdade e pobreza.

Um estudo publicado pelo Eurostat há 10 dias comprova que a principal razão da muita desigualdade e da muita pobreza que grassa no nosso País é a enorme e crescente dimensão dos que auferem baixos salários e que, depois, se refletem nas baixas reformas e pensões.

Detemos, na União Europeia, o recorde da concentração de trabalhadores com salários baixos, em que se incluem os que auferem o salário mínimo nacional.

Confirma também o relatório global da OIT (Organização Internacional do Trabalho) que Portugal é o sétimo País, em 133, onde o rendimento das empresas destinado aos salários mais caiu em 2010 e em 2015.

Se se quer combater, de facto, as desigualdades e a pobreza, esta realidade apela a reforçar o salário mínimo nacional com um aumento extraordinário para 600 € em 2017, como tendes vindo a defender.

Sr. Primeiro-Ministro, os que resistem a uma atualização extraordinária do salário mínimo nacional usam um argumento que não é plausível, que é o da competitividade das empresas — é o argumento do costume! —, mesmo quando se sabe que os chamados gastos com pessoal andam à volta de 20% dos custos de produção de uma empresa, segundo refere o INE.

Mas há uma questão incontornável: quem decide a atualização do salário mínimo nacional é o Governo. Nenhum acordo de concertação se substitui ao poder de decisão do Governo. Como alguém afirmou, é o Governo que decide ouvindo o Conselho de Concertação Social e não é o Conselho de Concertação Social que decide ouvindo o Governo.

Por isso, queremos manifestar a nossa profunda discordância em relação aos critérios, aos prazos e aos montantes do salário mínimo nacional que são propostos.

Baixar a taxa social única das empresas para a segurança social significa pôr o Estado, e não as empresas, a pagar parte do aumento do salário mínimo nacional.

Sim, nós apoiamos os incentivos às pequenas e médias empresas no plano do acesso ao crédito e em relação aos custos dos fatores de produção, mas não em relação à baixa da taxa social única.

Sabe, Sr. Primeiro-Ministro, o que está a propor é um incentivo a que as empresas recorram cada vez mais ao salário mínimo nacional e não à valorização dos salários.

Propôs-se um sistema de avaliação semestral, condicionando a sua evolução em conformidade com a competitividade das empresas. No passado recente, tal critério levou sempre à desvalorização do salário mínimo e até ao seu congelamento.

Uma outra preocupante perspetiva é a de manter a caducidade da contratação coletiva. Dir-me-á que nos próximos 18 meses não haverá nenhum contrato caducado. Porquê 18 meses, Sr. Primeiro-Ministro? Isto é uma pena suspensa? É um mau caminho, uma má opção em relação à qual sentimos até algum perigo.

E ouvindo hoje, aqui, a direita, ouvindo o PSD e o CDS, ficámos a perceber que a preocupação central que tiveram neste debate foi a de saber o que o Governo vai fazer em relação à legislação laboral.

Ou seja, o PSD e o CDS, fiéis à sua natureza de classe, querem continuar a obra de destruição do edifício jurídico-laboral.

A questão está em saber qual é a vontade do Governo, porque, honra seja feita, o PSD e o CDS sabem o que querem.

Sr.ª Presidente,
Sr. Primeiro-Ministro,

Apesar de o Sr. Primeiro-Ministro não dispor de tempo para responder, gostaria de colocar duas questões que têm grande atualidade.
Uma das questões prende-se com a inaceitável situação que se está a verificar nos CTT e no serviço público postal. O PCP tem vindo a chamar a atenção para este problema, que está a infernizar as populações, os utentes e os trabalhadores dos correios.

Ao longo dos anos têm encerrado centenas de estações e postos dos CTT e agora são a distribuição e a entrega do correio que estão num nível de degradação como nunca se viu: cartas e encomendas que ficam dias, ou, até, mesmo semanas, a fio nos centros de distribuição à espera de ser entregues; vales postais, pensões de reforma que chegam com atrasos de 10 a 15 dias, ou mais; centenas de situações em que a distribuição do correio é subcontratada a privados ou, então, efetuada por carteiros que trabalham além da sua jornada de trabalho; filas de espera intermináveis em estações onde são colocados trabalhadores dos CTT em outras áreas de serviço.

A situação é insustentável. É o estado a que chegou a empresa, fruto da privatização que foi imposta pelo Governo do PSD e do CDS.

Alertámos para as consequências dessa opção: um serviço público vital para as populações, para a coesão territorial, para a economia, para a soberania transformado num negócio de lucro máximo para os grupos económicos. Ainda o ano não chegou ao fim e os lucros de quatro anos já vão em mais de 250 milhões de euros. É para isto que está a servir este sacrifício todo!

Aí temos o Natal à porta e, como sempre acontece, muitos serão aqueles que contam com os correios para fazer chegar uma mensagem, às vezes poucas palavras, mas que significam muito para um idoso isolado ou para uma família. Até isso foi retirado aos portugueses.

Isto não pode continuar, Sr. Primeiro-Ministro. Tendo em conta que é um serviço público, o que é que o Governo considera ser importante fazer para evitar esta situação?

Referia ainda que trouxemos ao Plenário, no último debate, o problema das urgências hospitalares. As preocupações da possibilidade de se repetirem situações de caos nas urgências idênticas às dos últimos anos mantêm-se.

Temos dito que uma primeira medida seria a de retirar da urgência uma parte significativa de centenas de milhares de utentes — mais de 2 milhões — que recorrem às urgências e que podiam e deviam ser tratados nas unidades de cuidados de saúde primários.

Para além dos tempos de espera — em muitos casos muito acima dos níveis de segurança para os doentes —, existe outro problema que resulta do facto de terem sido encerradas mais de 900 camas, nos últimos anos. Tal como a realidade demonstra, essas camas fazem falta, particularmente neste período, para se evitar aquele espetáculo degradante de se encontrarem dezenas de macas e camas espalhadas pelos corredores, por não haver capacidade de internamento.

Também são conhecidas as dificuldades em formar equipas para as urgências não apenas por falta de profissionais, mas igualmente por estar colocado um conjunto de condicionamentos que resultam do corte de direitos e de regalias levado a cabo pelo Governo anterior.

Sabemos que há um Plano de Contingência Regional para as Temperaturas Extremas Adversas para 2016/2017. Mas, conhecidos os alertas de algumas organizações devido a situações recentes, pergunto: agora, que passaram já duas semanas, que medidas tomou o Governo no sentido de serem evitadas as situações de caos? Que medidas foram tomadas a nível do reforço dos cuidados primários, da formação de equipas, da abertura de camas, da articulação entre a Linha Saúde 24 e os serviços de saúde e, por fim, ao nível da articulação entre as unidades de saúde pública?

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