Intervenção de Ana Mesquita na Assembleia de República

"Não é solução determinar por decreto ou por lei o que é sentido pelas comunidades como parte dos seus costumes e tradições populares"

Sr. Presidente
Sras. e Srs. Deputados

Sendo hoje o Dia Internacional da Criança, o PCP saúda esta comemoração que se iniciou há várias décadas com o objectivo de chamar a atenção para os problemas que as crianças enfrentavam. Aproveitamos para relembrar os graves problemas que milhões de crianças continuam a viver em todo o mundo, como a pobreza, a fome, a doença, a falta de bens essenciais, a negação dos direitos à saúde, à educação, à cultura e à protecção social.

Estes são problemas centrais que atingem as crianças e dos quais não podemos desviar a nossa atenção. Por isso mesmo, o Grupo Parlamentar do PCP entregou hoje um conjunto de projectos com medidas para o alargamento da rede de creches, para a universalização da educação pré-escolar, para o reforço das Comissões de Protecção de Crianças e Jovens e também para o combate à pobreza infantil, que atinge uma em cada quatro crianças portuguesas.

Quanto às iniciativas aqui trazidas, o tema da idade para a prática tauromáquica foi objecto de discussão na última legislatura. E, nessa altura, o PCP questionou o então Secretário de Estado da Cultura sobre uma alteração inserida, que desvinculava o exercício destas actividades da escolaridade obrigatória e a passava a associar ao mínimo de 16 anos de idade. Os motivos para tal alteração nunca ficaram cabalmente esclarecidos, tendo o PCP sido o único partido a votar contra a inserção do n.º 4 do artigo 3.º da lei 31/2015.

Também hoje, várias são as dúvidas que se levantam na abordagem deste assunto, designadamente, em termos da separação das actividades profissionais das actividades amadoras; das condições em que a actividade é exercida por menores de idade; e da aplicação em concreto daquilo que é aprovado em lei.
Continuamos a ter dúvidas sobre a equiparação entre actividade profissional e actividade amadora, situação que as propostas em discussão continuam a não resolver. Outro aspecto a ponderar é a necessidade de articulação entre a legislação sobre tauromaquia e aquela que já existe regulamentando não só a prestação de trabalho por menores, mas também a prática de actividades que envolvam perigo para os menores ou os exponham à violência.

Nenhuma das propostas em discussão põe em causa a classificação da tauromaquia como espectáculo de natureza artística que, nos termos da lei, tem a sua prática por menores de idade regulamentada no âmbito da participação em actividade de natureza cultural, artística ou publicitária, estando previstos inclusivamente os moldes em que deve ocorrer nos casos em que exista contacto com animais. Assim, afigura-se insuficiente o critério estritamente baseado na idade de trabalho e verifica-se ainda a necessidade de articulação com o quadro legal já existente para as situações de eventual perigosidade ou de exposição a violência.

O PCP entende que não deve existir uma consideração isolada sobre as designadas situações de eventual perigosidade ou violência para os menores de idade, relembrando outros exemplos como os desportos motorizados ou de combate e mesmo a participação noutros espectáculos culturais e artísticos, como as artes circenses e a produção cinematográfica e televisiva que possam, em determinadas circunstâncias, envolver exposição dos menores ao perigo ou à violência.

Por fim, coloca-se o problema de saber em que condições a fiscalização destas propostas seria possível e que consequências concretas resultariam da sua aprovação, considerando práticas e costumes de muitas comunidades. Como a experiência passada demonstra, não é solução e não se deve considerar como boa a ideia de que se deve determinar por decreto ou por lei o destino daquilo que é sentido por algumas comunidades como parte dos seus costumes e tradições populares.

Disse.

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