Intervenção de Carla Cruz na Assembleia de República

"Não podemos permitir que em Portugal se desqualifique a formação médica"

Sr. Presidente,
Srs. Deputados:
Começo por saudar os médicos aqui presentes, dos 114 que estão na base da iniciativa que o PCP aqui apresenta.
O Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português traz hoje a discussão uma iniciativa legislativa que pretende responder e ultrapassar o problema com que 114 jovens médicos estão confrontados.
Em 4 de dezembro, o País foi confrontado com o facto de, pela primeira vez desde que foram criadas as carreiras médicas, terem ficado sem acesso à formação especializada 114 médicos. Tal sucedeu porque o número de vagas foi inferior ao número de candidatos.
É legítimo que os portugueses questionem: «Mas por que é que isto aconteceu? Como é que é possível que, com tanta falta de médicos especialistas, desde logo de medicina geral e familiar, haja 114 médicos que não tenham tido acesso à formação especializada?».
Esta situação decorre inevitavelmente das opções que foram tomadas por sucessivos Governos, muito em particular pelo anterior Governo PSD/CDS-PP, no que toca às políticas de saúde e para o SNS: fusões, concentrações de serviços e valências nos hospitais, encerramentos de serviços de proximidade, saída extemporânea de médicos do SNS e, muito especialmente, de médicos séniores.
Como aqui já dissemos, várias vezes, entre 2010 e outubro de 2015, saíram do SNS, só por aposentação, mais de 900 médicos séniores e quase 2000 assistentes graduados, profissionais a quem cabe o acompanhamento e a tutoria dos médicos em formação especializada.
Estas opções políticas conduziram à retirada de idoneidade formativa em muitos serviços e unidades do Serviço Nacional de Saúde e, por conseguinte, menos capacidade para acolher os jovens médicos que iniciavam a formação especializada.
Mas o concurso de 2015 não fica apenas por este preocupante acontecimento. Ocorreram outros incidentes e problemas e, apesar de todos os apelos lançados por médicos envolvidos no concurso, associações de estudantes e estruturas representativas dos médicos, o Governo anterior não suspendeu o concurso.
Mais: o PCP teve conhecimento de que foram apresentadas propostas, por diversas unidades de cuidados de saúde, nomeadamente de cuidados de saúde primários, para formar médicos, as quais foram rejeitadas.
Apesar dos esforços levados a cabo pelo PCP para compreender esta situação, nomeadamente em sede de Comissão de Saúde, não conseguimos apurar razões, e também é preciso trabalhar neste sentido.
O PCP não aceita nem pode aceitar os argumentos que temos ouvido de diversas entidades, no sentido de que está a esgotar-se a capacidade formativa no SNS. Ainda recentemente, numa reunião com o conselho de administração de um hospital responsável por uma parte significativa da formação, fomos informados de que esse mesmo hospital ainda podia receber mais utentes.
Ora, porque não podemos permitir que em Portugal se desqualifique a formação médica, porque não podemos permitir que em Portugal haja um conjunto de médicos indiferenciados, significando isso a redução de direitos desses profissionais e também problemas ao nível dos cuidados de saúde que serão prestados à população, propomos que sejam tomadas medidas urgentes para resolver este problema.
(…)
Sr. Presidente, pedi a palavra para dizer ao Sr. Deputado do PSD que, sim, somos favoráveis a que a formação se mantenha no Serviço Nacional de Saúde, porque foi isso que permitiu a qualidade da formação dos nossos médicos, reconhecida internacionalmente.
Mas também é importante dizer — e o Sr. Deputado talvez não tenha ouvido, nem a bancada do CDS-PP— que houve entidades e unidades do Serviço Nacional de Saúde que mostraram disponibilidade e necessidade dessa formação e de acolher esses médicos, mas não foi atendida.
Sr. Deputado, aquilo que é necessário fazer não é demagogia, é resolver os problemas das pessoas — é para isso que aqui estamos — e fortalecer o Serviço Nacional de Saúde.
A proposta que hoje apresentamos visa exatamente isso: resolver o problema destes 114 médicos, mas pretende ir mais longe ao reforçar a resposta pública, ao reforçar os cuidados de saúde prestados pelo SNS à população portuguesa.

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