Intervenção de Paulo Sá na Assembleia de República

"Não haverá justiça fiscal sem a derrota deste Governo e a ruptura com a política de direita"

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Sr.ª Presidente,
Srs. Membros do Governo,
Srs. Deputados:
O PCP agendou este debate de atualidade para confrontar o Governo e a maioria PSD/CDS com as consequências que a designada «reforma» do IRS terá para os cidadãos, nomeadamente com a manutenção das injustiças fiscais sobre os trabalhadores, mas também para denunciar as circunstâncias impostas pelo PSD e pelo CDS para a discussão de uma matéria desta importância.
Em outubro, o Governo anunciou, com pompa e circunstância, uma reforma do IRS orientada para a família, tentando centrar toda a discussão em torno de um novo quociente familiar para desviar as atenções da enorme injustiça fiscal que representou o brutal aumento do IRS, em 2013, e que o Governo pretende manter por tempo indefinido.
Apesar de toda a propaganda governamental, não foi difícil demonstrar nos dias seguintes que, afinal, apenas uma pequena percentagem de famílias, em particular, de famílias numerosas, iria pagar, em 2015, menos IRS do que em 2014. Mas, mais relevante, tornou-se evidente que todas as famílias pagariam mais IRS do que em 2012.
Confrontado com as evidências, o Governo apresentou, seis dias depois, uma nova versão da designada «reforma» do IRS, contendo uma cláusula de salvaguarda que permitia optar pelas regras de 2014 se estas se mostrassem mais favoráveis ao contribuinte.
Desta forma, o Governo ensaiava uma fuga em frente destinada a preservar o objetivo central da sua reforma: manter a crescente e injusta tributação sobre os rendimentos do trabalho.
Também esta nova versão da designada «reforma» do IRS não resistiu ao escrutínio. Em particular, no confronto com o projeto de lei do PCP sobre matéria fiscal, tornou-se evidente que é possível aliviar significativamente a carga fiscal que recai sobre os trabalhadores e o povo e, ao mesmo tempo, garantir as necessidades de financiamento do Estado, desde que se tribute de forma mais adequada o grande capital. Mas esta solução, apresentada pelo PCP, não é aceitável para um Governo que atua como um conselho de administração do grande capital.
Por isso, anteontem, em desespero de causa, por via de múltiplas propostas de alteração do PSD e do CDS, o Governo apresentou uma terceira versão da sua reforma do IRS, mas também esta, que, apesar de repor as deduções à coleta das despesas de educação e habitação, deixa de fora a questão central: não elimina a injustiça fiscal que recai sobre os trabalhadores e o povo.
Para evitar o escrutínio da sua nova versão da reforma do IRS, para evitar o confronto com alternativas à sua política fiscal, a maioria PSD/CDS impôs uma discussão atamancada, com prazos absurdamente curtos, incompatíveis com o debate político aprofundado que esta matéria exige.
Sr.ª Presidente,
Srs. Deputados,
Srs. Membros do Governo:
As alterações ao Código do IRS, que estiveram na base do enorme aumento da carga fiscal que recai sobre trabalhadores, reformados e famílias, permanecem inalteradas na proposta do Governo. São elas: a redução do número de escalões de IRS de 8 para 5; o aumento da taxa de imposto em todos os escalões, incluindo o aumento da taxa mínima de 11,5 para 14,5%; e a introdução de uma sobretaxa extraordinária de 3,5%.
Foram estas alterações, concretizadas em 2013, e não o crescimento económico ou o combate à fraude e evasão fiscais, que levaram a que a cobrança de IRS tenha aumentado 42% nos últimos dois anos e que, nesse período, o Estado tenha arrecadado 7000 milhões de euros adicionais com este imposto.
A reforma do IRS que os trabalhadores e o povo exigem passa obrigatoriamente pela reversão do brutal aumento da carga fiscal que recai sobre os rendimentos do trabalho.
Não há, em Portugal, impostos a mais em abstrato; o que há é um peso fiscal insuportável e crescente sobre os rendimentos dos trabalhadores e uma desoneração escandalosa da tributação do grande capital, dos seus lucros e da especulação financeira. É esta situação que é preciso alterar!
É necessário aumentar o número de escalões e reduzir a taxa de imposto dos escalões mais baixos e intermédios; é necessário acabar de vez com a sobretaxa extraordinária; é necessário, nos escalões mais baixos e intermédios, aumentar os limites para as despesas de educação, saúde, habitação e proteção social; é necessário aplicar o princípio do englobamento obrigatório de todos os rendimentos, incluindo os rendimentos prediais, de capitais, de mais-valias e de dividendos.
As propostas do PCP traduzem-se num alívio significativo da carga fiscal, que recai sobre os trabalhadores e o povo, de cerca de 4250 milhões de euros.
Esta redução da receita fiscal seria mais do que compensada com uma tributação mais adequada do grande capital, por via de um imposto sobre transações financeiras e de um imposto sobre património mobiliário que renderiam aos cofres do Estado mais de 6100 milhões de euros.
Não haverá justiça fiscal enquanto não for adotada a solução apresentada pelo PCP, mas essa solução — alívio da carga fiscal sobre os trabalhadores, assim como sobre as micro e pequenas empresas, tributação mais adequada do grande capital e garantia das necessidades de financiamento do Estado — só será possível com a derrota deste Governo e a rutura com a política de direita.
O PCP apresentou já a sua solução para o problema da injustiça fiscal em Portugal. Dizemos, sem ambiguidades, o que queremos. Cada um que diga, neste debate, ao que vem e o que quer!
(…)
Sr.ª Presidente,
Sr. Secretário de Estado,
Vamos já na terceira versão da designada «reforma do IRS». Apesar das diferenças, todas elas têm um denominador comum: deixam inalterados os artigos do Código do IRS que o Governo alterou em 2013, para impor uma injusta carga fiscal sobre os rendimentos do trabalho.
O Governo não mexe nos escalões, não mexe nas taxas do imposto, não mexe na sobretaxa extraordinária. O Governo não tem, nem tinha, qualquer intenção, com esta reforma do IRS, de reverter a brutal carga fiscal imposta em 2013 sobre os rendimentos do trabalho. Foi o próprio Presidente da Comissão para a Reforma do IRS que confirmou aqui, na Assembleia da República, não ter recebido qualquer mandato do Governo para diminuir a injusta carga fiscal sobre os trabalhadores.
A intenção do Governo desde o início foi sempre a de transformar em definitivo aquilo que em 2013 anunciou como provisório. As múltiplas alterações que o Governo faz ao IRS, as voltas e reviravoltas do Governo sobre esta matéria só têm um objetivo, Sr. Secretário de Estado: tentar encobrir esta realidade, desviando as atenções do que é essencial.
Sr. Secretário de Estado, queria colocar-lhe uma pergunta concreta: o PCP apresentou uma proposta, uma cláusula de salvaguarda que permite aos contribuintes optarem entre liquidar o IRS de acordo com as normas da reforma do IRS ou liquidar o imposto de acordo com as normas vigentes em 2012, ano imediatamente anterior ao assalto fiscal do Governo aos rendimentos do trabalho.
Sr. Secretário de Estado, o senhor tem repetido vezes sem conta que o aumento da receita fiscal em sede de IRS se deve ao crescimento económico e ao combate à fraude e evasão fiscais. Se assim fosse, a aprovação da cláusula de salvaguarda proposta pelo PCP não implicaria uma redução da receita fiscal.
Então, Sr. Secretário de Estado, está o Governo disponível para acolher a proposta do PCP? A maioria PSD/CDS está disponível para aprovar a cláusula de salvaguarda que propomos? Estão disponíveis para permitir que os contribuintes optem por liquidar o seu IRS de acordo com as regras de 2012? É que o não acolhimento da nossa proposta equivalerá, Sr. Secretário de Estado, por parte do Governo e da maioria, a uma confissão de que o vosso objetivo é a manutenção da injusta e crescente carga fiscal que recai sobre os trabalhadores e o povo, equivalerá a uma confissão de que todas as alterações ao IRS visam apenas desviar as atenções das injustas opções fiscais do Governo: a opção de esmagar os trabalhadores e o povo com impostos para poderem continuar a favorecer de forma escandalosa o grande capital e a opção de utilizar a crescente carga fiscal como um meio para atacar as funções sociais do Estado colocando os trabalhadores e o povo perante a falsa escolha entre pagarem muitos impostos para suportar as funções sociais do Estado ou abdicarem das funções sociais do Estado para pagarem menos impostos.
Insisto, pois, na pergunta, Sr. Secretário de Estado: está o Governo disponível para acolher a cláusula de salvaguarda proposta pelo PCP?

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