Intervenção de José Vitoriano na Assembleia de República, Declaração Política

Na passagem do 1.º ano sobre a trasladação para Portugal dos restos mortais dos trinta e dois antifascistas mortos no Tarrafal

Sr. Presidente, Srs. Deputados:

Completa-se agora um ano sobre a data da trasladação para Portugal dos restos mortais dos trinta e dois antifascistas mortos no Tarrafal. Pelo grande significado do tal acontecimento para os democratas portugueses, visto que ele só foi possível porque houve em Portugal o 25 de Abril e porque o Tarrafal e os seus mortos não devem ser - não podem ser - jamais esquecidos pêlos antifascistas, por todos os democratas, por todos aqueles portugueses, homens e mulheres, que querem continuar a viver em democracia e não mais ver a sua pátria submetida a um regime de opressão e de tortura, achámos oportuno assinalar o facto hoje com umas breves palavras, na Assembleia da República, expressão da representatividade democrática.

Muito se tem já dito e escrito sobre o campo de concentração do Tarrafal, mas nunca será de mais insistir, até para que o não esqueçamos, naquilo que foi urna das expressões mais refinadas da cruel repressão a que durante os quarenta e oito anos de fascismo esteve submetido o povo português, particularmente aqueles dos seus filhos que mais activamente resistiram. O campo de concentração do Tarrafal foi um cemitério não só dos mortos que lá ficaram até ao momento em que num acto de devida e justa homenagem do povo português os seus camaradas de luta e cativeiro os trouxeram para Portugal, como foi também, um cemitério dos vivos que lá viveram e resistiram à morte.

Há um ano o meu camarada Francisco Miguel, um dos sobreviventes desse famigerado lugar cie sofrimento, dizia aqui nesta Assembleia que o Tarrafal foi uma prisão especial ali posta para matar - e matou - e o Deputado desta Câmara José Luís Nunes afirmava que o campo de concentração do Tarrafal foi o símbolo máximo do regime português derrubado no 25 de Abril. Efectivamente, assim foi. O campo de concentração do Tarrafal foi feito pelo fascismo deliberadamente para matar e inalou, e ele simbolizou, de facto, na sua máxima crueza, todo desse regime; foi o seu retraio. Claro que podemos também dizer, num outro sentido, que a existencia do Tarrafal, como de outras prisões e lugares de tortura do fascismo, são um testemunho doloroso - mas vivo - que deve continuar vivo na nossa memória -, da resistência e da luta do povo português, luta que ao longo de décadas ajudou decisivamente a criar as condições que tornaram possível o 25 de Abril.

O sr. presidente, Srs. Deputados: A memória dos homens é por vezes curta. Rapidamente se esquece o passado, os maus dias, só porque se vivem dias melhores. Neste caso seria mau esquecer-se o passado, esquecer-se o que significou para o povo português o Tarrafal como as outras prisões políticas, a PIDE, etc., através das quais o fascismo tentou, pela prisão e pela tortura, pelas mais diversas formas de violência, silenciar todas as vozes da resistência, impedir a luta dos trabalhadores.

Hoje, passados que são cinco anos da revolução de Abril e no momento em que recordamos o campo de concentração do Tarrafal, não podemos deixar de chamar a atenção desta Câmara para o que consideramos constituir ameaças sérias ao regime democrático instaurado no nosso país no 25 de Abril. Os meios reaccionários já não se coíbem em instigar abertamente à violência, ao mesmo tempo que tecem rasgados louvores no passado fascista e aos seus expoentes máximos; ameaçam de morte patriotas: apelam ao ataque à integridade física de democratas só porque têm a coragem de continuar a defender valores essenciais do 25 de Abril: ameaçam, caluniam impunemente; gritam pela ilegalização do Partido Comunista, que o mesmo é dizer pelo fim da democracia portuguesa. São as vozes do passado que soam novamente com todo o despudor em apelos a novos Tarrafais.

Sr. Presidente. Srs. Deputados:

A democracia é obra dos democratas. Ela é uma sua conquista, tem de ser objecto constante da sua defesa. Há quem diga que só se conhece bem o valor da liberdade depois de a termos perdido.

Ora nós, democratas portugueses, conhecemo-lo bem, pois a perdemos durante quarenta e oito anos. Não permitamos que no-la tirem novamente. Que se juntem os esforços de todos os que estão com o 25 de Abril, de todos os que estão com a democracia, para que o regime democrático português persista como uma conquista irreversível do seu povo, para que não mais haja um Tarrafal na Pátria Portuguesa.

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