Intervenção de Bernardino Soares na Assembleia de República

Moção de censura ao XVII Governo Constitucional pelas políticas adoptadas em diversos sectores da vida portuguesa

Senhor Presidente, Senhores Deputados, Senhores Membros do Governo,

Esta moção de censura do CDS já deu jeito ao Governo. Já permitiu uma encenação de discurso de esquerda para justificar a continuação de uma política de direita.

Ouvir o Primeiro-ministro a acusar a direita de querer uma política de direita faz lembrar aquela expressão - "diz o roto ao nu: que mal vestido andas tu".

De facto o CDS vem criticar as consequências de uma situação estando de acordo com as suas causas. Ou o CDS não defende despedimentos mais fáceis, maior precariedade, "contenção salarial", menor tributação dos lucros, privatização da saúde, da educação e do que mais houver. Claro que sim.

E mesmo algumas questões directamente apontadas pelo CDS, não tiveram antes a sua oposição, como o caso das custas judiciais, incluindo as da adopção, ou o caso da lei que transferia para as infraestruturas de segurança as verbas retiradas à contratação de novos agentes da autoridade.

O CDS fundou também esta moção no ranking (o CDS gosta de rankings) da produtividade parlamentar. Mas errou as contas. Não está no primeiro lugar dos projectos. A não ser que queira apagar o tempo do Dr. Ribeiro e Castro.

E nas perguntas e requerimentos cerca de dois terços dos que apresentou não são ao Governo, são a autarquias locais, a quem o CDS dedica a maioria da sua acção de fiscalização.

Mas enfim. O CDS faz como o Governo. Tortura a estatística para lhe ser favorável.

Com a insistência, legítima, para a marcação do debate neste dia, percebemos que o CDS queria desviar atenções da grande contestação ao Governo que é a manifestação da CGTP que está na rua.

Mas não há nenhuma dúvida que o que marca a censura política desta semana, o que é uma inequívoca resposta à política do Governo, o que conta no momento político actual para travar essa política, esta manifestação e não outra iniciativa.

Vivemos uma situação excepcionalmente grave na sociedade portuguesa, com um profundo agravamento das dificuldades da maioria da população, com o agravamento das desigualdades, com o comprometimento do desenvolvimento do país.

Esta situação tem responsáveis. São responsáveis os sucessivos Governos que aplicaram uma política de direita no país. É responsável o actual Governo que leva esta política mais longe do que nunca.

Aumentam as despesas da saúde, porque o Governo optou por fomentar a degradação do Serviço Nacional de Saúde para beneficiar os investimentos privados nesta área. Porque o Governo mantém e acentua as taxas moderadoras que de moderadoras nada têm.

Aumentam as despesas com os medicamentos porque o Governo optou por transferir para os utentes uma parte substancial dos custos em nome da poupança na saúde.

Aumentam as despesas com combustíveis porque o Governo protege os lucros das petrolíferas, sempre intocáveis, mesmo que isso signifique destruir sectores fundamentais da nossa economia e dificultar a vida das famílias no dia a dia.

Aumenta o desemprego também em consequência da restrição que o Governo impôs à política económica, enquanto que o Governo corta no subsídio de desemprego.

Aumenta a precariedade e a exploração como por exemplo através do trabalho temporário, sempre com o papel activo do deputado/provedor/porta-voz Vitalino Canas.

Aumentam as prestações das casas, por via do aumento das taxas de juro sem que o Governo tenha qualquer intervenção a nível nacional e europeu para o contrariar. Ou não aceitou o Governo a manutenção dos objectivos e da ausência de controle democrático do BCE?.

E enquanto tudo aumenta o que acontece aos salários e às pensões.

Os salários da administração pública não têm aumentos reais há 9 anos; os salários do sector privado não têm aumento real há pelo menos três anos e este ano caminham para o mesmo.

As reformas sofrem com uma fórmula de actualização que tem em conta a inflação mas também o crescimento do PIB e perdem valor real. O Governo apresenta como sucedâneo o complemento solidário para idosos. Mas como sempre dissemos a medida segura é o aumento das reformas. Dos 300 mil que o PS prometeu que teriam este complemento só 80 mil o alcançaram, com um valor médio de 75 €. E todos sabem do calvário a que o Governo submete os idosos para terem acesso a este apoio, que faz com que muitos milhares desistam mesmo precisando dele.

É sintomático que para subsidiar e apoiar os negócios dos ricos, todas as regras são levantadas para facilitar o lucro. Já para apoiar idosos com baixíssimas pensões exigem-se comprovativos, extractos bancários, rendimentos dos filhos, etc, etc, etc.

Enquanto os trabalhadores suportam uma cada vez maior carga fiscal e até as reformas pagam impostos, a banca paga uma taxa efectiva de 13%. Um escândalo.

O povo já não aguenta isto. Esta situação não pode continuar.

E agora o que se segue?

Segue-se uma legislação de penalização dos trabalhadores da administração pública, com os despedimentos, a partidarização e a precarização dos seus trabalhadores. E isto em cima da retirada de outros direitos como no acesso à saúde.

Seguem-se as alterações ao código trabalho, em que nas malfeitorias principais o Governo já disse que não abre mão.

São propostas que visam a legalização da precariedade dos recibos verdes, mediante o pagamento de uma suave prestação mensal. E que pretendem generalizar a precariedade a todos os trabalhadores abrindo uma porta nova ao despedimento, com base no conceito que até agora não explicou e que dará novas armas de chantagem ao patronato.

São propostas que visam a diminuição das remunerações dos trabalhadores, através de um banco de horas que levaria ao não pagamento de horas extraordinárias efectivamente realizadas e à destruição da conciliação da vida familiar com a profissional.

Este Governo escolheu um lado. O lado da exploração, dos interesses dos patrões e dos grandes grupos económicos; o lado da promoção da injustiça e da desigualdade.

Como o próprio Sr. Primeiro-ministro reconheceu na moção de censura do PCP, há razões para censurar o Governo. São mais de duzentos mil os trabalhadores que hoje expressam a verdadeira censura na manifestação convocada pela CGTP.

A nossa censura ao Governo não é por um conjunto desfasado de casos. É porque estamos contra as opções de fundo e porque queremos uma ruptura com esta política.

Uma ruptura de esquerda com uma política que é de direita.

Disse.

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