Intervenção de

Ministério da Cultura - Intervenção de António Filipe na AR

Debate sectorial com o Ministério da Cultura

 

Sr. Presidente,
Sr.ª Ministra da Cultura,

V. Ex.ª começou a sua intervenção por fazer alguns anúncios. E creio que era inevitável que os fizesse, pois a Sr.ª Ministra soube com razoável antecedência que ia estar hoje na Assembleia da República e sabia que se não viesse aqui, hoje, anunciar que as leis orgânicas estão prontas e que o Governo tem pronta uma proposta de lei sobre o estatuto do artista, essas seriam, seguramente, as primeiras perguntas a serem-lhe colocadas. Portanto, considero que esses anúncios são inevitáveis.

Para além desses anúncios, e como não temos hoje a possibilidade de discutir esses diplomas porque não conhecemos ainda o conteúdo daquilo que o Governo nos propõe, em todo o caso, creio que valeria a pena (senão este debate não teria grande justificação) podermos, desde já, suscitar algumas questões relativamente ao estatuto do artista que a Sr.ª Ministra referiu, as quais não remeteria apenas para o estatuto do artista mas para a necessidade de um estatuto dos trabalhadores das artes do espectáculo em geral.

É sabido que esta é uma promessa antiga. Recordo-me perfeitamente de, durante a última campanha eleitoral, ter participado em iniciativas onde estavam todos os grupos parlamentares sem excepção e em que todos, também sem excepção, se comprometeram a contribuir com as suas propostas para resolver este problema durante esta Legislatura, tarefa a que o Grupo Parlamentar do PCP lançou mão e que se traduziu na apresentação, em Outubro último, de um projecto de lei, que está pendente para discussão nesta Assembleia e que aguarda a proposta do Governo, agora anunciada, para serem discutidos conjuntamente.

Temos consciência de que esta não é uma matéria fácil. Inclusivamente, apresentámos um conjunto de soluções que estão, como é óbvio, abertas ao debate e a melhores ideias que possam surgir. Por isso, tinha interesse saber o que é que o Governo pensa relativamente a algumas questões fundamentais e que, para nós, também constituíram motivo de interrogação.

Em primeiro lugar, é sabido que este problema tem de ser resolvido, porque as artes do espectáculo, hoje em dia, em Portugal, vivem, salvo honrosíssimas excepções, daquilo a que normalmente se chamam os «falsos recibos verdes», isto é, os trabalhadores, na realidade, trabalham por conta de outrem, estão inseridos numa estrutura hierárquica e, no entanto, quase todos passam recibos verdes, como se fossem trabalhadores independentes. Sabe-se que essa é uma realidade fictícia e era fundamental que, para defesa desses próprios trabalhadores, do seu estatuto e da sua estabilidade laboral, essa situação fosse regularizada e se estabelecesse, de facto, um regime/regra de contratação nas artes do espectáculo como noutras actividades, que não é o contrato de prestação de serviços mas o contrato individual de trabalho.

Esta é uma situação que está profundamente desregulamentada e que importaria, de facto, regularizar.

A questão fundamental é saber se o Governo está disposto a encarar com coragem esta situação e a estabelecer o regime do contrato individual de trabalho como regime/regra de contratação para as artes do espectáculo, encontrando mecanismos que fiscalizem o cumprimento dessa regra.

Há outras questões que importaria equacionar também a esse nível, designadamente qual o âmbito que o Governo tenciona conferir a essa legislação, se diz apenas respeito aos artistas ou, eventualmente, a profissões técnico-artísticas e de mediação que estão integradas no mesmo sector e que padecem basicamente dos mesmos problemas; se o Governo considera, ou não, a imposição de quotas de contratação de profissionais em produções de espectáculos de natureza profissional, porque assistimos também a situações em que, através de um qualquer casting, se substituem actores e artistas profissionais por um conjunto de jovens que praticamente não são remunerados ou são-no de uma forma indigna; e, finalmente, o que é o Governo pensa relativamente à situação de intermitência que caracteriza estas actividades.

É sabido que os trabalhadores das artes do espectáculo não têm, na sua esmagadora maioria, uma situação de trabalho como a maioria dos outros sectores, em que se trabalha praticamente com permanência, mas um regime fortemente intermitente, que faz com que passem por alguns períodos, por vezes longos, de inactividade. Portanto, gostaria de saber como é que o Governo, do ponto de vista da protecção social, está a equacionar este problema. Apresentámos algumas propostas e gostaríamos de as confrontar com aquilo que o Governo pensa sobre essa matéria.

Para concluir, Sr. Presidente, e já sobre outra matéria, gostaria de saber se o Governo não tenciona actualizar a legislação aprovada em 1998 (altura em que também o Partido Socialista estava no governo), relativamente à compensação dos autores pela cópia privada.

Como se sabe, em 1998, foi aprovada legislação que fez incidir uma pequena sobretaxa nos preços de venda ao público dos equipamentos e dos suportes, por forma a compensar os autores pela multiplicação de cópias ilegais, o que é incontornável que ocorra, pois toda a gente tira fotocópias e faz gravações em suportes musicais. Apesar dessa legislação estar muito desactualizada, porque não é aplicável, por exemplo, aos equipamentos digitais, são muito poucos os importadores e os revendedores que a estão a fazer aplicar e com isso está a prejudicar-se gravemente a concorrência e os autores, que não têm a remuneração que legalmente lhes é devida.

Gostaria de saber se o Governo não está a equacionar reabrir este dossier, para actualizar a legislação aplicável e encontrar mecanismos que façam com que a legislação, mesmo a que já existe, seja efectivamente cumprida, que é algo que não está a acontecer hoje.

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