Intervenção de Rita Rato na Assembleia de República

Milhares de estudantes abandonam o ensino superior por falta de meios económicos

Sr.ª Presidente,
Srs. Deputados:

Alunos com capacidade estão a ser impedidos de estudar por razões exclusivamente económicas.

Há muitos alunos que, por razões exclusivamente económicas — e penso que isso coloca em causa a justiça social —, estão afastados do ensino superior.

Estas palavras não são do PCP, mas de um alto responsável da pastoral da educação da Igreja Católica.

Portanto, entendemos — e, por isso, partilhamos destas preocupações — que a aplicação do pacto de agressão da troica, subscrito por PS, PSD e CDS, tem todos os dias tradução na imposição de um caminho de retrocesso social de décadas nas condições de vida dos jovens, dos trabalhadores e da esmagadora maioria dos portugueses.

Este caminho de retrocesso social pode ser confirmado pelo abandono de milhares de estudantes do ensino superior. Milhares de jovens foram obrigados pela troica nacional e pela troica estrangeira a desistir dos seus sonhos.

No entanto, o Governo diz que o País vai no «bom caminho» e o Primeiro-Ministro afirmou, recentemente, que «não devemos ser piegas e ter pena dos alunos, coitadinhos, que sofrem tanto para aprender».

Não se trata aqui de ter «pena» dos estudantes, Srs. Deputados. Trata-se da garantia de um direito fundamental consagrado na Constituição, conquistado com a Revolução de abril, que é o de que todos os jovens, independentemente das suas condições económicas, tenham acesso, se assim o entenderem, ao ensino superior.

O Governo recusa divulgar os números exatos do abandono no ensino superior, mas a realidade de todos os dias confirma que cada vez mais jovens são obrigados a abandonar o ensino superior por não terem dinheiro para pagar os custos exorbitantes com propinas, transportes, alojamento e alimentação.

Perante este retrocesso social inaceitável, é urgente que o Governo tome medidas imediatas para trazer de novo às instituições do ensino superior todos os que tenham desistido por falta de condições económicas e para promover o reforço da ação social escolar.

Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Por dia, 100 estudantes serão atirados para fora do ensino superior. As dificuldades económicas, a dificuldade de acesso à bolsa de estudo e o aumento do valor das propinas são apontados como as causas pelos serviços de ação social das instituições.

É inaceitável que, desde 2009, sejam públicos os relatos de estudantes universitários que recorrem ao Banco Alimentar para matar a fome e que a resposta encontrada pelo anterior governo PS e pelo atual Governo PSD/CDS seja cortar nas bolsas, aumentar a propina e cortar no passe social Sub-23.

No artigo 73.º da Constituição da República Portuguesa lê-se que «Todos têm direito à educação e à cultura», e que para tal «O Estado promove a democratização da educação e as demais condições para que a educação (…) contribua para a igualdade de oportunidades, a superação das desigualdades económicas, sociais e culturais (…)».

Para cumprir a Constituição, os sucessivos governos deveriam ter seguido políticas de financiamento do ensino superior público e de ação social escolar que concretizassem este direito. Mas a política educativa dos sucessivos governos do Partido Socialista, mas também do PSD e do CDS, têm caminhado exatamente no sentido inverso.

Sr.ª Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados,

Há muito que estudar no ensino superior já não é para quem quer, é para quem pode pagar.

No ano letivo 2009/2010, dos 75 000 estudantes bolseiros apenas 119 recebiam a bolsa máxima. Em 2010/2011, o governo do Partido Socialista, com a aplicação do Decreto-Lei n.º 70/2010, roubou a bolsa a mais de 11 000 estudantes do ensino superior e 12 000 viram o seu valor reduzido.

Passados mais de sete meses do início das aulas, o Governo PSD/CDS finalmente apresentou números que revelam um corte brutal e inaceitável de mais de 15 600 bolsas de estudo.

Isto significa que, em 2 anos, cerca de 26 600 estudantes perderam a bolsa. Aliás, num universo de 400 000 estudantes, apenas 50 000 têm acesso ao apoio da ação social escolar.

O valor da bolsa média situa-se nos 1825 €, por ano. Isto significa que, depois de pagarem as propinas, estes estudantes ficam com 82,5 € por mês, ou seja, 2,75 € por dia, que não chegam sequer para almoçar e para jantar todos os dias da semana na cantina.

Em 2009, de acordo com dados da Secretaria de Estado dos Assuntos Fiscais, 48,9% das famílias tinham um rendimento médio bruto até 849 €, situação que piorou certamente nos últimos dois anos.

Perante esta situação dramática, é obrigação do Estado assumir a salvaguarda dos direitos dos estudantes, impedindo que, por razão de insuficiência económica, milhares de jovens continuem a abandonar o ensino superior.

É inaceitável que o Governo, com o apoio do PS, sempre preocupado com a descapitalização da banca, não esteja minimamente preocupado com a descapitalização das famílias e dos jovens, que, por isso, são obrigados a abandonar o ensino superior.

É inaceitável que o Governo PSD/CDS, num País em crise, tenha colocado à disposição da banca 12 000 milhões de euros e não garanta umas «migalhas» para travar esta sangria de abandono dos estudantes do ensino superior por motivos de insuficiência económica.

Nunca antes, nunca desde o 25 de Abril tantos jovens foram impedidos de estudar no ensino superior por falta de condições económicas e nunca tantos estudantes que ingressaram no ensino superior se viram obrigados a desistir ou a passar dificuldades dramáticas para continuar a estudar.

O anterior governo PS e o atual Governo PSD/CDS são responsáveis pelos prejuízos deste abandono social, para a vida destes jovens mas também para o futuro e para o presente do País.

Da parte do PCP e da JCP, vamos fazer tudo, no Parlamento e nas escolas, para a derrota do pacto de agressão da troica e desta política educativa elitista, requerendo já, hoje, a presença do Sr. Ministro da Educação na Comissão de Educação, Ciência e Cultura, sempre com a profunda convicção de que a luta dos estudantes será também determinante para exigir o direito à educação para todos.

(…)
Sr.ª Presidente,
Srs. Deputados,
Sr. Secretário de Estado:

A política que este Governo tem vindo a seguir de agravamento da exploração e de empobrecimento da grande maioria do povo português tem um reflexo óbvio e claro, que é o aumento do custo de vida e, portanto, é muito claro e é muito óbvio que as pessoas não têm dinheiro para pagar um direito que está consagrado na Constituição.

O Sr. Secretário disse-nos que «há estudantes que não prosseguem os estudos por razões económicas». Sr. Secretário de Estado, ou o senhor não está a perceber a gravidade da afirmação ou o senhor está aqui a dizer que este Governo está a violar a Constituição.

O Sr. Secretário de Estado está aqui a dizer que o Governo está a violar a Constituição, ao não estar a permitir às famílias com menos recursos o acesso ao ensino superior.

O Sr. Secretário de Estado diz isso não por falta de conhecimento, porque é professor universitário, conhece a realidade. É porque a política que este Governo está a fazer é para servir os banqueiros, não é para servir os estudantes, não é para servir as famílias.

Veio aqui falar-nos do aumento médio do valor da bolsa. Sr. Secretário de Estado, saiba que há estudantes que comem um papo seco ao almoço e que percorrem a pé vários quilómetros porque não têm dinheiro para comprar o passe. Há estudantes que não têm dinheiro para comer, há famílias a passar dificuldades brutais e o que o Sr. Secretário de Estado aqui nos diz é que os números que apontamos são fantasiosos.

Mas em que mundo é que o Sr. Secretário de Estado vive? É que o mundo real é das pessoas que não têm dinheiro, é dos estudantes que nos dizem que já nem sequer se candidatam ao ensino superior porque os seus pais estão desempregados e não têm dinheiro para pagar propinas.

A realidade é esta, Sr. Secretário de Estado! E o que o Governo aqui nos vem dizer é que, à semelhança do anterior governo, que roubou 11 000 bolsas, este Governo vai pelo mesmo caminho e que vai roubar mais 15 000 bolsas.

Mas que atraso de País é este? Este é um País que está confrontado com um profundo retrocesso social, o que faz lembrar os tempos do fascismo em que só estudava quem tinha dinheiro. Nós estamos num regime democrático e este Governo quer levar-nos outra vez para o caminho do retrocesso social e de que só tem acesso ao ensino superior quem tem dinheiro. Mas a luta dos estudantes não o vai permitir, Sr. Secretário de Estado!

(…)
Sr.ª Presidente,
Srs. Deputados,
Sr. Secretário de Estado do Ensino Superior:

O Sr. Secretário de Estado já não dispõe de tempo, mas vou ainda ler-lhe uma declaração importante: «O ensino superior começa a ficar exclusivamente para gente com possibilidades económicas e os próximos anos vão acentuar, em muito, essa realidade». Não sou eu, Deputada do PCP, que o digo, é a Pastoral do Ensino Superior da Igreja Católica. Quando este Governo não ouve a Igreja Católica, como é que há de ouvir o PCP?!

Mas entendemos que a justeza da situação em que muitos estudantes se encontram é importante para que o Governo perceba a profunda limitação da ação social escolar. Não se trata aqui do regulamento, porque o regulamento é um instrumento técnico que dá corpo a um objetivo, que é o de cortar nas bolsas da ação social escolar.

A diferença entre o anterior Governo do Partido Socialista e o atual Governo do PSD/CDS é nenhuma, porque ambos só veem à frente dos olhos o ato de cortar: cortar nos estudantes, cortar nas instituições, cortar nas bolsas, para entregar aos bancos.

Portanto, Sr. Deputado do Partido Socialista, não há, objetivamente diferença alguma.

Falou-se aqui na classe média, e nós até vamos mais longe. E o Sr. Secretário de Estado já teve oportunidade de fazer esta conta: um casal que receba o salário mínimo nacional e tenha dois filhos a cargo a única bolsa que recebe é para pagar a propina. E o resto? De que é que comem? Como é que se transportam? De que é que vivem? Que livros compram?

O Sr. Secretário de Estado acha justo um sistema de ação social que, em relação a um casal que vive com uma miséria de salário mínimo nacional, o único apoio que garante ao estudante é para pagar a propina à instituição?! Onde é que fica aqui a igualdade de oportunidades?! É que o Sr. Secretário de Estado diz que não se demite de nenhuma responsabilidade, mas, então, é importante que reforce a sua responsabilidade, porque vai ser responsável pelo afastamento de milhares de estudantes do ensino superior, e isto é violar a Constituição.

Quer o queira assumir ou não, este Governo, assim como anteriores governos, está a violar a Constituição e o direito à educação para todos os jovens, e isto é uma responsabilidade que calha bem a este Governo, calhou bem ao Governo anterior, mas não calha bem ao PCP. Portanto, por muito que custe, estes números não são fantasiosos e o PCP terá de continuar a denunciá-los, porque é essa a nossa obrigação, ou seja, denunciar a injustiça da situação da ação social escolar hoje.

Por isso mesmo, e porque não queremos ficar fora deste debate, apresentámos já um projeto de lei que visa alargar o número de estudantes com acesso à bolsa máxima, porque hoje, para se ter acesso à bolsa máxima, é preciso ser órfão e não ter qualquer rendimento. Portanto, o que propomos é que um rendimento líquido per capita até 618 € permita ter acesso à bolsa máxima. Deste modo, vamos ver de que lado é que estão, de facto, o PS, o PSD e o CDS e perceber se, afinal, são assim tão diferentes ou são assim tão iguais.

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