Memória e evocação dos Marinheiros da Revolta do 8 de Setembro de 1936 - Intervenção do deputado João Amaral

Senhor Presidente,
Senhores Deputados:

Trago à Assembleia da República a memória e a evocação dos Marinheiros
da Revolta do 8 de Setembro de 1936, acontecimento inesquecível na luta
pela liberdade e contra a ditadura, mas inesquecível também por a sua
repressão ter sido feita com a abertura do campo de concentração do
Tarrafal, uma das mais tenebrosas e desumanas prisões para onde o
fascismo português, o tal de "brandos costumes", atirou os lutadores da
liberdade.

A revolta do 8 de Setembro de 1936 tem um valor histórico e uma
heroicidade que devem ser ressaltadas, por todos os que hoje vivemos em
democracia e damos valor ao reconhecimento devido aos que lutaram pela
sua instauração. Foi para expressar esse reconhecimento que, em
Setembro de 1997, se constituiu uma Comissão Promotora da Homenagem aos
Marinheiros do 8 de Setembro, que já realizou uma sessão solene em
Almada, município onde se situa o Alfeite, porto dos navios de guerra
da Armada Portuguesa, e onde a marinha tem forte expressão social.
Realizou também uma sessão comemorativa em Lisboa, na Biblioteca Museu
República e Resistência, além de ter editado uma brochura evocativa.

Participei na sessão solene como Vice-Presidente da Assembleia da
República, em representação de V. Exa., Senhor Presidente. E logo ali
assumi o compromisso de consciência de apelar aos Senhores Deputados
para que a Assembleia da República se associe a esta homenagem.

Muitos dos mais jovens, ou dos mais afastados da luta democrática
contra a ditadura, não conhecerão o que se passou no 8 de Setembro de
1936, há 62 anos.

Nesse dia, os marinheiros de três navios de guerra da Armada
Portuguesa, os avisos de 1ª classe "Bartolomeu Dias" e "Afonso de
Albuquerque" e o contratorpedeiro "Dão", revoltaram-se e tomaram conta
dos navios, com o objectivo de fazer um ultimato ao governo de Salazar,
para que este cessasse a repressão contra os marinheiros.

A revolta tem antecedentes que a explicam e lhe dão sentido.

Na Armada Portuguesa, dominavam fortes sentimentos democráticos e
antifascistas. Uma organização como a ORA, Organização Revolucionária
Armada, apresentava-se forte e actuante. O jornal clandestino "O
Marinheiro Vermelho", que se definia a si mesmo como "órgão das células
do PCP na marinha de guerra", era lido e comentado abertamente nos
navios. Esses factos provocaram uma política de transferências e
prisões. Os factos próximos mais graves ocorreram na sequência de uma
visita do "Afonso de Albuquerque" a Espanha. O primeiro porto onde o
navio lançou ferro estava na alçada do governo legítimo. Contrariando a
tradição, os marinheiros não foram autorizados a ir a terra. No segundo
porto, dominado pelos franquistas, já autorizaram os marinheiros a ir a
terra. Chocados com o significado político dessa diferenciação, os
marinheiros recusaram colectivamente ir a terra. Em consequência,
dezassete deles foram expulsos da Armada.

É a reclamação da reintegração destes marinheiros que constitui a causa próxima da revolta.

Informado do que se passava, o governo preparou a repressão, que se
abateu duramente sobre os 200 revoltosos. Cinco morreram. Noventa e
dois foram julgados, dos quais trinta e quatro foram inaugurar o Campo
da Morte, no Tarrafal. Cinco vieram a morrer na prisão. A ditadura
caluniou quanto pôde os revoltosos, propalando que iam fugir para
Espanha. Mas os factos desmentiram estas atoardas e calúnias. A
violência repressiva e a calúnia abateu-se sobre jovens marinheiros,
muitos dos quais de idade inferior a 20 anos, de uma forma
particularmente brutal.

Mas, o exemplo da dignidade cívica destes marinheiros não se perdeu.
Honrou para sempre a Marinha de Guerra Portuguesa, e foi uma inspiração
de coragem e determinação para os militares portugueses que em 25 de
Abril de 1974 derrubaram o regime de Salazar/Caetano.

Há um ano, quando a Comissão de Homenagem iniciou a sua actividade,
ainda estavam entre nós sete dos revoltosos. Hoje são cinco: Armindo do
Amaral Guimarães, Joaquim de Sousa Teixeira, José Barata, José Neves
Amado e Josué Martins Romão.

Todos eles foram reintegrados na Marinha. Mas, o País pagou com eles a dívida de gratidão? Entendemos que não.

A Comissão de Homenagem propôs ao Senhor Presidente da República que
estes marinheiros, da Revolta do 8 de Setembro, que estão ainda entre
nós, fossem condecorados, com insígnia adequada.

Queremos aqui subscrever publicamente este apelo, e sensibilizar o
Senhor Presidente da República, o Senhor Presidente da Assembleia, os
Senhores Deputados, para a justiça, que estamos ainda a tempo de fazer,
a estes marinheiros. Mas, o tempo urge, todos eles têm hoje mais de 80
anos!

Manifestemos, Senhor Presidente, a estes valorosos democratas o reconhecimento da Nação que aqui representamos.

Disse.