Projecto de Lei N.º 428/XIV/1.ª

Melhoria das condições de acesso ao subsídio social de desemprego

Exposição de Motivos

Enfrentamos um momento de grande complexidade e incerteza, considerando a evidência científica existente, mas tendo consciência de tudo o que ainda é desconhecido da comunidade científica sobre o coronavírus. Um momento que exige que tudo seja feito para combater a COVID 19, minimizando os seus impactos na saúde e na vida dos portugueses.

A situação criada em Portugal pelo desenvolvimento do surto da COVID-19 coloca, como primeira prioridade, a adoção de medidas de prevenção e de alargamento da capacidade de resposta do Serviço Nacional de Saúde, visando o combate ao seu alastramento e a resposta clínica.

A situação que o país e o mundo atravessam, com medidas excecionais para situações excecionais, não poderá servir de argumento dos patrões para o atropelo dos direitos e garantias dos trabalhadores. Não pode ser usado e instrumentalizado para, aproveitando legítimas inquietações, servir de pretexto para o agravamento da exploração e para o ataque aos direitos dos trabalhadores.

Os últimos dias dão um perigoso sinal de até onde sectores patronais estão dispostos a ir espezinhando os direitos dos trabalhadores. Indiciando um percurso que a não ser travado lançará as relações laborais numa verdadeira “lei da selva”, tem-se assistido à multiplicação de atropelos de direitos e arbitrariedades.

Os despedimentos selvagens de milhares de trabalhadores, de que são particular exemplo os que têm vínculos precários, nomeadamente as Empresas de Trabalho Temporário e trabalhadores em período experimental; a colocação de trabalhadores em férias forçadas; a alteração unilateral de horários; a redução de rendimentos por via do Lay-off e também pelo corte de prémios e subsídios, entre os quais o subsídio de refeição, designadamente a quem é colocado em teletrabalho; a recusa do exercício dos direitos parentais; são exemplos que ilustram a ofensiva em curso contra os trabalhadores, os seus salários, os seus direitos e o seu emprego.

Os trabalhadores com vínculos precários são votados não só à precariedade no trabalho, como também à precariedade na vida, incluindo a precariedade na proteção social. Muitos destes trabalhadores não cumprem os requisitos de acesso ao subsídio de desemprego, nem sequer ao subsídio social de desemprego, nomeadamente prazos de garantia. São deixados à sua sorte, num momento tão delicado, em que a probabilidade de encontrar novo emprega é ínfima.

Exemplo desses trabalhadores são os trabalhadores com contratos a termo e os trabalhadores de empresas de trabalho temporário. De acordo com dados do Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP), existem atualmente no nosso país cerca de 225 empresas licenciadas para o exercício da atividade de trabalho temporário. Em Portugal, e à semelhança de outros países, o recurso ao trabalho temporário tem vindo a aumentar e o peso crescente do trabalho temporário no emprego total é significativo.

Em 2019 existiam no nosso país 849 mil trabalhadores com contratos não permanentes, segundo o INE, um valor que fica aquém da real expressão da precariedade: contratos a termo em desrespeito pela lei, uso abusivo de recibos verdes, trabalho encapotado pelo regime de prestação de serviços, bolsas de investigação ou estágios profissionais e trabalho temporário sem observância de regras, são formas de precariedade laboral, que apenas têm como elemento comum a precariedade e a insegurança de vínculos laborais associadas à limitação de direitos fundamentais. Aos períodos contínuos ou descontinuados de precariedade de vínculo juntam-se, quase sempre, longos e repetidos períodos de desemprego.

A iniciativa do PCP é no sentido de garantir proteção social a estes trabalhadores, sem prejuízo do continuado combate à precariedade, com vista à sua erradicação, e da luta que importa continuar a fazer para que a todas as necessidades permanentes correspondam vínculos efetivos.

Com esta iniciativa é também garantida proteção social a trabalhadores que tenham ficado sem rendimentos ou cujos rendimentos tenham diminuído significativamente devido à paragem ou redução da atividade, bem como de muitos trabalhadores que, estando no período experimental e sem direito a qualquer indeminização por cessação de contrato, não cumprem o prazo de garantia necessário para aceder ao subsídio de desemprego ou até ao subsídio social de desemprego.

Há lacunas e insuficiências na protecção social de desemprego: o grau de cobertura das prestações de desemprego (subsídio de desemprego e subsídio social de desemprego) não vai além de metade do desemprego, ou seja, um em cada dois desempregados não tem acesso; uma parte substancial dos desempregados vive na pobreza (47,5% em 2018); o regime de protecção social de desemprego foi enfraquecido desde 2010 e as medidas tomadas na última legislatura, algumas das quais positivas, não permitiram uma melhoria substancial do regime.

Esta situação pode agravar-se no contexto com a presente crise; os despedimentos aceleraram e as previsões apontam para um forte agravamento da taxa de desemprego este ano (13,9%, segundo o FMI).

O PCP há muito que defende uma revisão global do regime de protecção social de desemprego por considerar não ser tolerável manter a presente situação de desprotecção do desemprego. A urgência social leva, porém, a defender que, numa primeira fase, se crie um regime excepcional e temporário dirigido ao subsídio social de desemprego.

Assim, o PCP propõe melhores condições de acesso ao subsídio social de desemprego, eliminando o prazo de garantia para tal e melhorando a condição de recursos inerente a esta prestação social, bem como propõe que o governo divulgue mensalmente indicadores de acompanhamento desta medida, no portal da Segurança Social, especialmente no que se refere ao número e à caracterização social dos beneficiários, com vista a avaliar os seus efeitos sobre a redução da pobreza dos desempregados.

Em suma, para situações excecionais é necessário encontrar respostas excecionais, sem prejuízo da necessidade de alteração e revisão profundas dos regimes de atribuição e acesso à proteção social em situações de desemprego.

Assim, ao abrigo da alínea b) do artigo 156.º da Constituição da República Portuguesa e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento da Assembleia da República, o Grupo Parlamentar do PCP apresenta o seguinte Projeto de Lei:

Artigo 1.º

Objeto

A presente lei estabelece um regime excecional e temporário de acesso ao subsídio social de desemprego.

Artigo 2.º

Inscrição no IEFP e prazos de garantia

  1. Até à cessação das medidas excecionais e temporárias de resposta à epidemia SARS-CoV-2, para acesso ao subsídio social de desemprego, previsto no Decreto-Lei n.º 220/2006, de 3 de novembro, basta ao trabalhador estar inscrito no Centro de Emprego e Formação Profissional da sua área de residência.
  2. O acesso ao subsídio social de desemprego não está dependente da verificação de qualquer prazo de garantia.

Artigo 3.º

Condição de Recursos

Até à cessação das medidas excecionais e temporárias de resposta à epidemia SARS-CoV-2:

  1. A prova da condição de recursos pode ser feita mediante declaração sob compromisso de honra, sendo o subsídio social de desemprego atribuído automaticamente, sem prejuízo de posterior verificação da veracidade dos fatos através dos meios à disposição da Segurança Social ou da interconexão de dados com a administração fiscal;
  2. A condição de recursos é definida em função dos rendimentos mensais do agregado familiar do requerente que não podem ultrapassar 120% do IAS.
  3. Não é aplicável o regime da capitação do rendimento previsto no artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 70/2010, de 16 de junho, na sua redação atual, nem a respetiva ponderação de cada elemento prevista na respetiva escala de equivalência;
  4. No apuramento da capitação dos rendimentos do agregado familiar, o valor dos rendimentos mensais é apurado pela divisão pelo número total de membros do agregado.

Artigo 4.º

Entrada em vigor e vigência

A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação e vigora até à cessação das medidas excecionais e temporárias de resposta à epidemia SARS-CoV-2.

Artigo 5º

Acompanhamento e avaliação

O governo divulgará mensalmente indicadores de acompanhamento da medida, no portal da Segurança Social, incidindo, nomeadamente, sobre o número e a caracterização social dos beneficiários.

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