Intervenção de

Medidas para a educação sexual nas escolas&quot;<br />Intervenção do Deputado Bruno Dias

Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Deputados,Os princípios e valores que genericamente norteiam o Projecto de Lei do Bloco de Esquerda agora em apreciação são naturalmente dignos de nota e devem ser saudados. As preocupações que estão na sua base, relativamente à implementação da Educação Sexual nas escolas portuguesas, são preocupações claramente legítimas e justas, como legítimas e justas são as motivações de quem intervém pelo seu desenvolvimento e cumprimento efectivo.Entretanto, há que registar uma particularidade no debate político: quando a educação sexual, o planeamento familiar ou a saúde reprodutiva são matérias em discussão, geralmente uma de duas coisas costuma acontecer.- Se estão em causa abordagens específicas, com as diversas perspectivas de aprofundamento do quadro legal existente, então encontramos em algumas vozes os invariáveis argumentos da suposta degradação de valores, radicalização, etc., e o habitual apelo à reponderação e ao adiamento;- se, pelo contrário, o debate se desenvolve em torno da despenalização da Interrupção Voluntária da Gravidez (como voltará a suceder por iniciativa do PCP), subitamente inverte-se a argumentação e a educação sexual volta a sair da gaveta, como princípio justo e necessário!Atitudes dessas não permitem um debate sério - porque demonstram incoerência e oportunismo político. E é de certa forma a partir dessa atitude que surgem e ganham forma os obstáculos e os atrasos que colocam Portugal na situação em que está.Com efeito, é lamentável, é para nós uma vergonha, que o nosso País se mantenha nos desgraçados lugares de topo das estatísticas europeias da gravidez adolescente, do aborto clandestino - e do aborto clandestino aliás em menores de 15 anos - ; ou ainda da propagação de doenças sexualmente transmissíveis.A situação em Portugal é das mais preocupantes da Europa relativamente a este tipo de questões. Mas poder-se-á dizer que, a este nível, esteja tudo na mesma por não haver legislação? Pelo contrário.Nem se pode escamotear a concretização de experiências altamente interessantes e meritórias, em diversas escolas do País, nem se pode ignorar que existe de facto legislação portuguesa que consagra, estabelece e regulamenta a implementação da Educação Sexual nas escolas de todos os graus de ensino.No nosso entender, muito mais do que um problema de vazio legal, estamos perante um problema de vazio de acção. De falta de vontade política, de ausência de iniciativa dos Governos em criar as condições, o incentivo e a acção concreta para que se cumpra a legislação em vigor.Porque a legislação em vigor nesta matéria, com todos os avanços positivos que possa ainda vir a merecer, é inegavelmente ela própria um testemunho de importantíssimas conquistas civilizacionais. Alcançadas graças à mobilização e ao carácter progressista das reivindicações a que o País assistiu e assiste.Não podemos esquecer as centenas de milhar de estudantes que até hoje se manifestaram, em diversos locais e momentos, em defesa da implementação da Educação Sexual. Não podemos esquecer as muitas centenas de debates, encontros e outras iniciativas onde esta questão foi defendida. Não podemos esquecer as mais de 15 mil assinaturas que apoiaram este mesmo objectivo, em abaixo-assinado promovido pela JCP e que foi entregue nesta Assembleia.Tudo isto foi determinante para os fundamentais avanços que o quadro legal português registou nesta matéria. Mas se nada disto pode ser esquecido, então por maioria de razão menos ainda podemos esquecer o inegável, indispensável e inconfundível papel que o PCP assumiu e assume nesta matéria.Remonta a 1982, há duas décadas atrás, o início do processo de apresentação pelo PCP de duas iniciativas legislativas cujo pioneirismo nesta matéria é consensualmente reconhecido. Na sequência dessas iniciativas, viria a ser aprovada a primeira lei sobre Educação Sexual e Planeamento Familiar.A nossa iniciativa continuou aliás a marcar o debate político - há três anos, esta Câmara debateu e aprovou novo Projecto de Lei do PCP, que viria a dar origem à actual Lei 120/99, de 11 de Agosto. Tendo por objecto o reforço das garantias do direito à saúde reprodutiva, esta lei actualmente em vigor (e a sua regulamentação, publicada em grande parte graças à reivindicação dos estudantes) aponta também as linhas concretas da Educação Sexual nas Escolas, em todos, sublinho, todos os graus de ensino.A actual Lei, e respectiva regulamentação, estabelece, entre outras vertentes, a implementação da Educação Sexual numa abordagem interdisciplinar fundamental para uma formação pessoal integrada, mas também por via da adaptação da organização curricular.O quadro legal existente prevê a constituição de Gabinetes de Apoio aos Alunos, com uma intervenção integrada no âmbito dos serviços escolares de apoio especializado e articulada com os serviços de saúde. Assim como prevê a formação contínua de professores, de carácter prioritário, com acções específicas sobre educação sexual e reprodutiva. Ou ainda a integração desta matéria no projecto educativo de cada escola, tanto no desenvolvimento do currículo, como na organização de actividades de enriquecimento curricular (entenda-se, área de projecto ou outras). Mais uma vez interessa relembrar: são importantíssimas conquistas, alcançadas aqui nesta Assembleia, pela intervenção do Grupo Parlamentar do PCP.Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Deputados,Para o PCP, o panorama nacional da Educação Sexual, Planeamento Familiar e Saúde Reprodutiva pode, deve e tem que ir mais longe. É necessário e urgente a aplicação das medidas que há muito vimos defendendo. Por isso mesmo não nos limitámos a lutar de forma activa, firme, responsável, coerente, pela melhoria da legislação (o que já não seria pouco). Interviemos e intervimos na fiscalização do Governo quanto à aplicação da Lei - e são de resto exemplo disso os requerimentos apresentados por este Grupo Parlamentar na passada legislatura.Temos por isso algumas reservas quanto ao método de alterar o quadro legal existente, inclusive com propostas que no essencial já estão contempladas, e que poderão correr o risco de assumir o paradoxal carácter simultaneamente redundante e redutor, se em sede de especialidade nada for feito para o seu aperfeiçoamento. Não haja dúvidas, aliás, quanto à nossa disponibilidade para participar mais uma vez nesse processo.Reafirmamos a legitimidade e a justeza das preocupações afirmadas na base desta iniciativa. O que assumimos é a intervenção firme e atenta, pela qual, de resto, nos temos sempre pautado, na exigência do cumprimento de uma Lei que aponta horizontes de avanço e desenvolvimento. O que defendemos, em termos de políticas de fundo, é uma reivindicação simples: combatendo o obscurantismo e superando obstáculos artificiais, cumpra-se a Lei de uma vez por todas.Sr.ª Presidente,O Sr. Deputado João Pinho de Almeida continua por demonstrar onde está a exclusão das famílias na actual lei. Isto ficou por demonstrar e eu agradecia que, desta vez, o demonstrasse, se o conseguir.A primazia da família sobre o Estado e a recusa do papel do Estado como tutor, leva-me a pensar que, qualquer dia, o Sr. Deputado vai propor o fim das escolas, passando as aulas a serem dadas em casa, pela família.Entretanto, tenho em meu poder o projecto de lei do seu grupo parlamentar sobre a lei de bases da família, que irá, oportunamente, ser discutido nesta Câmara.Não encontro - e agradecia que o Sr. Deputado mo dissesse -, nesta lei de bases da família, a palavra, a frase ou a expressão que corresponde a tanta importância que V. Ex.ª dá ao papel da família na educação sexual. Peço-lhe que me diga onde está, porque não encontro.

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