Marcha atrás na democracia<br />Artigo de José Neto, da Comissão Política,

As leis do celerado processo da «reforma do sistema político» que os partidos do bloco central fizeram aprovar nas vésperas do aniversário da Revolução são, em primeiro lugar, a demonstração inequívoca do desrespeito e do desprezo a que votaram os ideais e valores de Abril.Mas são a prova de que os partidos do Governo, conluiados com o PS, se lançaram numa estratégia de enfraquecimento irreversível da resistência à política da direita por parte dos trabalhadores e da sua organização política de classe - o Partido Comunista Português. Em segundo lugar, estas leis inserem-se no processo de descaracterização do regime democrático e constitucional nas suas diversas vertentes, social, económica e política, e que encerra perigos que importa não subestimar. Em terceiro lugar, a iniciativa, o empenhamento e a aprovação pelo Partido Socialista dos eixos centrais destas leis - do financiamento e dos partidos políticos - mostram bem as opções e compromissos do PS com os interesses políticos da direita no nosso País. A degradação do nosso regime democrático tem sido uma constante ao longo do período pós 25 de Abril, bem patente nas sucessivas revisões da Constituição, que foram riscando do seu texto importantes conquistas relativas às estruturas económicas e aos direitos dos trabalhadores. Neste processo de desvirtuamento da democracia, como é sabido, o aspecto determinante é o poder económico. E com o poder político subordinado ao poder económico não pode haver democracia política. O governo mais à direita depois do 25 de Abril, governo do grande capital, entendeu chegada a hora da revanche do 25 de Abril e sua política não tem precedentes no plano económico, social e político. A estratégia é clara: desmantelar o que nos resta do regime democrático. A consumação deste objectivo só será alcançada à custa das liberdades e dos direitos de participação democrática dos cidadãos e em particular dos trabalhadores e das suas organizações representativas. Depois de assestarem baterias contra o mundo do trabalho e as suas organizações, os partidos do governo colocaram debaixo de mira o partido dos trabalhadores - o PCP - que, com as leis aprovadas pretendem domesticar. É um projecto insensato mas perigoso. O quadro em que apareceu inserido foi o da «inadiável» necessidade de reforma do sistema político, em nome da transparência e da moralização da actividade e da vida política. Supostamente, estaria nos partidos políticos, no seu funcionamento e na sua relação com a sociedade, a origem da sua descredibilização, dos políticos e da política; daí, a necessidade destas leis. Os riscosA não serem combatidas nos seus efeitos mais negativos, elas terão nos cidadãos e na sociedade o efeito contrário àquele que, de má-fé, o PS e a direita disseram pretender. O risco é o de maior descredibilização, ao invés de maior confiança, de maior afastamento e alheamento, ao invés de maior participação. A nova lei do financiamento dos partidos, para além do aumento escandaloso das subvenções aos partidos e às campanhas eleitorais, visa tornar quase exclusivamente públicas as suas receitas, o que significa coartar aos partidos a sua capacidade de, através da militância dos seus filiados, da sua dinâmica de actividade, conseguirem de forma autónoma as receitas próprias ao seu funcionamento e à sua actividade. Esta ideia, agora transformada em lei, é oriunda do PSD e do PS, partidos instalados, cujas receitas já hoje provêm quase exclusivamente do financiamento estatal. Ela só pode ter um propósito e um destinatário: a descaracterização do PCP e uma gravosa limitação da sua autonomia, iniciativa e capacidade de intervenção política. Mas é precisamente na lei dos partidos que a «contra-reforma» foi mais longe, ao impor, por lei, um modelo único de organização partidária - inaceitável abuso de poder e ingerência na vida interna de cada partido -, indo ao ponto de definir quais os órgãos, os métodos de eleição, as formas obrigatórias de votação. Absolutamente imperdoável esta marcha atrás na democracia, levada a cabo pelos partidos do governo e pelo PS. De nada valeram as denúncias, os alertas que vieram de personalidades oriundas de todos os quadrantes político-ideológicos, algumas das mais insuspeitas de simpatias comunistas. De nada serviram as opiniões, pareceres de reputadas figuras públicas (como o próprio presidente do Tribunal Constitucional), de especialistas, muitos dos quais produzidos em sede da própria Comissão Constitucional da famigerada reforma, em geral apontando para a suficiência do actual quadro legal, para a inconveniência da intromissão e da excessiva regulamentação da vida interna das forças partidárias. Nem sequer a mensagem de bom senso implícita na jurisprudência da recente decisão do TC, sobre o PCP, serviu de aviso à navegação dos deputados da maioria que se formou na Assembleia de República. Mas é preciso dizer, serenamente, que se desenganem todos quantos pensam ter dado o golpe de misericórdia no PCP, que tanto almejam. Mais uma vez os seus objectivos serão frustrados, os seus propósitos serão derrotados. No caso concreto destas leis, se o próprio Tribunal Constitucional futuramente as não vier a considerar feridas de inconstitucionalidade, os comunistas tudo farão, com firmeza e confiança, para minorar os seus efeitos negativos, por forma a assegurar a continuidade da luta em defesa de quem trabalha e dos interesses do nosso País. Por mais e melhor democracia. Sempre, em todas as circunstâncias. Cá estaremos!

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