Intervenção de

Lei Quadro de Ensino Superior Regime Jurídico do Desenvolvimento e Qualidade do Ensino Superior<br />Intervenção da Deputada Luísa Mesquita

Senhor Presidente Senhor Ministro Senhoras Deputadas Senhores DeputadosMais uma vez, como tem vindo a acontecer nos últimos anos, o governo pede à Assembleia da República que, com carácter de urgência, agende e discuta uma Proposta de Lei cujo âmbito e objectivos exigem reflexão e um profundo e amplo debate.Estamos perante um texto que deveria ter merecido um conjunto de audições em sede de Comissão, que permitisse recolher contributos e sugestões.Procedimento que mais se justifica, quando o governo, através da tutela, formula esta proposta sem nenhuma auscultação dos parceiros, antes da sua aprovação em conselho de Ministros.Está agora nas mãos dos senhores deputados do PSD e do CDS-PP a viabilização ou inviabilização de uma avaliação e discussão alargadas sobre as diversas matérias que a proposta integra.Estamos a falar do financiamento de todo o Ensino Superior; da sua avaliação, qualidade e até classificação.Estamos a falar da Acção Social Escolar para todo este subsistema.Estamos a falar de reordenamento do Ensino Superior Universitário e Politécnico- Público, Privado e Cooperativo.São muitos os conteúdos e demasiado importantes para o futuro do Ensino Superior e para o desenvolvimento do país e por isso não podem ficar, na nossa opinião, condicionados à celeridade atabalhoada com que o governo pretende mostrar obra.É a qualificação dos portugueses que está em cima da mesa.É a competitividade do país.Estes são os nossos pressupostos.Temos dúvidas que estes parâmetros balizem as propostas governamentais que vamos analisar.Se não como se justifica o diagnóstico proposto.Quando o governo considera que o processo de democratização do Ensino Superior está feito e que agora chegou a hora da qualidade, é porque não conhece a realidade, é porque não interpretou os números.Senhor Ministro está democratizado um Ensino Superior que conta com 51% dos alunos que completam o Ensino Secundário, depois dos milhares que foram ficando pelo caminho;Está democratizado um Ensino Superior, onde 51% dos jovens não concluem a sua formação;Está democratizado um Ensino Superior, cuja esperança média no sistema é de 2 a 2,5 anos;Está democratizado um Ensino Superior, onde o tempo para a conclusão dos cursos ultrapassa em mais de dois anos a duração prevista;Está democratizado um Ensino Superior, onde o subsistema público rejeita 20% dos alunos por causa de uma medida meramente administrativa e quantitativa chamada numerus clausus.Obviamente que não.O crescimento exponencial do Ensino Superior aconteceu depois de Abril, particularmente com a criação do Ensino Politécnico e do Ensino Privado.Dois vectores que o actual governo bem conhece e particularmente o Senhor Ministro pelas responsabilidades políticas que tem tido na tutela, ao longo dos anos.Lembrar-se-ão, o PSD e o Senhor Ministro que o Ensino Superior Politécnico foi criado com o estigma de ensino de segunda oportunidade, com objectivos limitados e profissionalizantes.Com menores recursos financeiros.E por isso chegámos onde chegámos, vinte anos depois.Apostou-se no barato e impediu-se a qualidade.Mas a culpa não pode continuar a morrer solteira.Quanto ao Ensino Privado é matéria que o PSD também conhece bem.Permitiu e fomentou o seu crescimento desregulado.Em 2000, afirmava o relatório de Fundação das Universidades Portuguesas que o Estado não tinha sido capaz de exercer a sua função reguladora e por isso não poderia eximir-se da responsabilidade nos problemas criados no Ensino Superior. E acrescentava a propósito das instituições privadas que "concentravam a sua oferta de ensino (...) em áreas (...) que exigem menor investimento em infra-estruturas de ensino e investigação e, apesar do que se propagandeou, as instituições privadas também não contribuíram para uma melhor distribuição regional do Ensino Superior. Na verdade, parece ter acontecido justamente o contrário, porque a lógica de mercado leva à concentração das instituições privadas nas áreas mais desenvolvidas, ignorando as regiões do interior, menos desenvolvidas e com uma população mais dispersa".Naturalmente que tendo o governo conhecimento deste texto, somos obrigados a concluir que é a continuidade desta situação que o governo defende ao trazer hoje à Assembleia da República uma proposta de financiamento do Ensino Privado, propondo simultaneamente às instituições públicas de Ensino Superior que procurem receitas próprias em parcerias com o privado, porque o dinheiro dos contribuintes não dá para todos.É certo que este governo não teve necessidade de partir do zero.O partido socialista, com a aprovação que fez da Lei de Organização e Ordenamento do Ensino Superior, viabilizou também um aumento da transferência de verbas do orçamento de estado para o Ensino Superior privado, viabilizando simultaneamente o sub-financiamento do Ensino Superior Público.Senhor Presidente Senhor Ministro Senhoras Deputadas Senhor PresidenteO sistema de Ensino Superior que os portugueses têm hoje não decorre de nenhuma fatalidade, é consequência natural de políticas, que resultaram do exercício da governação quer do partido socialista, quer do partido social democrata.Temos hoje um sistema pouco eficiente.Temos falta de quadros qualificados.Esbanjaram-se recursos materiais e humanos. Em 1998 só 11% da população era diplomada.Temos 3,5% de licenciados desempregados.Há dificuldades na entrada no mercado de trabalho em determinadas áreas.Há muito emprego sub-qualificado entre a população detentora de graus académicos, o que demonstra também a incapacidade do tecido produtivo em integrar quadros de elevada formação e apostar assim em melhores índices de produtividade e competitividade.Somos o país da comunidade europeia com o menor número de diplomados em ciências exactas, tecnológicas, naturais, médicas, etc. Não ultrapassamos os 26%.A investigação no Ensino Superior é diminuta. Não há possibilidade de criar emprego científico. Não existem quadros de investigadores.Senhor Presidente Senhor Ministro Senhoras Deputadas Senhores DeputadosO diagnóstico é publico.As baixas taxas de escolarização da juventude e da população activa e as elevadas taxas de insucesso e abandono escolares são indicadores preocupantes que a proposta do governo não considera.Só uma intervenção global e prospectiva que não ignore a realidade do Ensino Superior será capaz de combater os atrasos relativamente aos restantes países da União Europeia, corrigir desigualdades sociais e reforçar as condições de cidadania de todos os portugueses.A sociedade contemporânea propõe desafios cada vez mais complexos e exigentes.As oportunidades constroem-se mas as ameaças existem.A mercantilização dos saberes já não se insinua, apresenta-se.Em Maio último, em Washington, a OCDE e o Banco Mundial discutiram o comércio dos serviços educativos e decidiram passar a financiar as instituições que tenham por objectivo defender a comercialização do Ensino Superior.O conceito da escola-empresa, na procura de financiamentos estratégicos para responder às leis do mercado com recursos mínimos e competitividade máxima está aí.A proposta de lei do governo não lhe fecha a porta, antes pelo contrário.É neste sentido que o texto afirma a autonomia das instituições e simultaneamente se produz todo um articulado que sustenta uma intervenção tutelar e dominadora do Ministro que pede pareceres sobre a política global do Ensino Superior a um Conselho Nacional do Ensino Superior, por ele presidido e para o qual ele designa ou indica 5 representantes.Entretanto a representação dos docentes é reduzida a zero e o representante dos estudantes será designado "em termos a fixar pelo Ministro da Ciência e do Ensino Superior".Como facilmente, se pode concluir, propõe-se um instrumento à medida das necessidades da tutela.Garantido o aval das políticas governamentais, avança-se para a definição.Dramatiza-se a situação financeira para consagrar o sub-financiamento do Ensino Superior Público e o aumento do financiamento do Ensino Superior Privado.Afirma-se, pela primeira vez, que o Ensino Superior Público será financiado "nos limites das disponibilidades orçamentais", ao mesmo tempo que pelo "reconhecimento do interesse público" o estado passa a assumir responsabilidades financeiras em áreas do Ensino Superior Privado que até este momento lhe eram estranhas, como por exemplo:

  • apoios ao investimento
  • apoios à investigação
  • apoios inseridos em regime contratuais
Pela primeira vez também sem se referir a revogação da fórmula de financiamento do Ensino Superior Público, propõe-se o financiamento casuístico das instituições, resultado de negociação directa entre escola e tutela.Defende-se o fim da objectividade.Propõe-se o discricionário.Talvez o Senhor Ministro ainda se recorde que foi no governo do PSD, em 1993, que se consensualizou com as instituições de Ensino Superior esta fórmula de financiamento que nunca foi cumprida, quer pelo PSD, quer pelo PS.É também no mesmo sentido que se enunciaram as medidas ditas de racionalização. Defende-se a concentração de meios para atingir diz-se, a optimização de recursos.E as medidas são claras.Encerram-se escolas. Extinguem-se cursos.Cortam-se os financiamentos.Quando a procura não corresponde aos números que só a tutela conhece. Não há formação.São assim as políticas neo-liberais.As leis do mercado e a Organização Mundial do Comércio ditam as regras.O governo disponibiliza-se para criar as condições.Também no que se refere à avaliação o documento é parco mas claro. O artigo 35º remete a matéria para decreto-lei.No entanto, ao longo do texto, defende-se que a sua realização deverá ter consequências directas no financiamento e por isso propõe-se também a classificação negativa ou por mérito.Portanto tudo aquilo que sempre foi afirmado nas Ciências Pedagógicas e nas correntes actuais da Pedagogia relativamente a avaliação como um instrumento de grande utilidade para a evolução qualitativa do avaliado, deixou de o ser nesta proposta.O governo determina que a avaliação é um fim em si mesmo que tem consequências no financiamento.Finalmente uma referência às intenções na exposição de motivos de diluir o binarismo Politécnico/Universitário.A intenção está lá mas a convicção é pouca.E o articulado questiona-o nos artigos 6º e 7º, ao considerar que a cultura é pertença Universitária e o Politécnico fica pela Ciência e Tecnologia.Senhor Presidente Senhor Ministro Senhoras Deputadas Senhores DeputadosPerante um texto tão desfasado da realidade nacional, tão comprometido com interesses alheios à Educação e ao Ensino, tão distante de assegurar os princípios consagrados constitucionalmente, tão contrário às propostas formuladas pelos parceiros, tão alheado dos relatórios produzidos por entidades credíveis e independentes, o PCP apresenta um conjunto de propostas que pensamos poderem constituir não só matéria de reflexão mas também de resposta aos diversos factores de crise que se têm vindo a acumular nesta área do sistema.Não é possível enfrentar a gravidade e a complexidade dos problemas do Ensino Superior em Portugal, com propostas vocacionadas sobretudo para responder aos apelos neo-liberais daqueles que consideram a educação como um negócio e não como um bem público de acesso universal.Destaco do nosso projecto um conjunto de ideias estruturantes que resultaram duma ampla, participada e consolidada reflexão.1. O sistema público de Ensino Superior deve continuar a desempenhar um papel central neste sector do ensino, porque só deste modo se concretizará a democratização do acesso e da fruição de níveis superiores de instrução e cultura, porque só assim se garantirá a liberdade de ensino e de aprendizagem.2. De acordo com a Lei de Bases do Sistema Educativo, o subsistema de Ensino Superior compreende uma componente universitária e outra politécnica. Esta diferenciação, sobretudo formal, tem sido causa de conflito de atribuições e de discriminação de recursos sem que exista uma substancial diferenciação de missões.Ao Ensino Superior exige-se, cada vez mais, a capacidade de dar resposta a uma multiplicidade de necessidades, para além das suas competências tradicionais de ensino e atribuição de graus académicos e de realização de investigação científica.O que consideramos importante é o investimento na coerência da oferta de formações e a cobertura territorial deste subsistema e por isso urge proceder a formas diversificadas de articulação dos estabelecimentos de Ensino Superior existentes.Neste sentido, parece-nos que a opção pela integração dos actuais subsistemas deveria proporcionar soluções organizativas diferenciadas, conteúdos científicos e modelos pedagógicos muito diversos e modalidades distintas de formação, garantindo que seja o respeito por regras gerais que assegurem a qualificação profissional e a comparabilidade académica a nível nacional e internacional.3. Também a gratuitidade da formação inicial a nível superior, consagrada constitucionalmente e que foi posta em causa pelo Governo do PS com o diploma das propinas, aprovado em 1997, e agora silenciada pelo governo do PSD, está assegurada no projecto do PCP.4. Relativamente à responsabilidade financeira do Estado, questionada pelo PS, e agora pelo governo do PSD, propomos que o Orçamento do Estado assegure integralmente o funcionamento dos estabelecimentos públicos de Ensino Superior, ao nível objectivamente calculado por uma fórmula que terá em consideração um conjunto de parâmetros que evitem discriminações, por ignorância do objecto, dos objectivos e da função educativa das instituições.5. O regime de acesso e ingresso no Ensino Superior Público, Particular e Cooperativo e a acção social escolar constituem também matéria fundamental no nosso projecto.Propomos que os regimes de acesso e ingresso sejam de aplicação universal, assegurando o Estado a eliminação de restrições quantitativas de carácter global - numerus clausus, criando condições para que as formações oferecidas assegurem as aspirações e as necessidades dos jovens e do País. Propomos que a acção social escolar abranja toda a população escolar em formação inicial e também os estudantes em níveis de formação prós-graduada, garantindo a possibilidade de frequência deste subsistema, independentemente da respectiva área de residência e do nível de rendimento pessoal ou familiar, por forma a impedir os efeitos discriminatórios decorrentes das assimetrias regionais e de desvantagens sociais prévias.6. Finalmente, uma referência aos recursos humanos sem os quais não se pode falar do funcionamento eficaz das instituições de Ensino Superior público.Propomos que cada estabelecimento de ensino disponha de quadros próprios de dotação global para docentes, investigadores e outros funcionários, objectivamente dimensionados.Senhor Presidente Senhor Ministro Senhoras Deputadas Senhores DeputadosEstas são as propostas de todos aqueles que consideram indispensável e urgente concretizar uma política educativa sustentada por princípios e valores democráticos consagrados na Constituição da República Portuguesa.

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