Intervenção de

Lei Org?nica do Regime do Referendo<br />Interven??o do deputado Jo?o Amaral

Depois de tudo o que se foi ouvindo nos ?ltimos meses, depois da interven??o de ontem do Sr. Deputado Carlos Encarna??o, depois das interven??es de hoje j? aqui produzidas, n?o restar? a ningu?m d?vidas de que a Assembleia da Rep?blica n?o est? a discutir fundamentalmente uns projectos legislativos t?cnico-burocr?ticos para conformar a lei do referendo ?s altera??es da Constitui??o decorrentes da ?ltima revis?o constitucional. Verdadeiramente, o que a Assembleia da Rep?blica est? a discutir ? o calend?rio pol?tico do ano de 1998, nele inclu?do a quest?o da regionaliza??o, a consulta directa que dever? ser feita sobre a institui??o das regi?es e o chamado referendo sobre a Europa e que mais propriamente se dever? chamar o simulacro de referendo sobre a Europa. Mas, o tema forte ? inquestionavelmente o da regionaliza??o. E, o que este processo mostra cada vez com mais evid?ncia ? opini?o p?blica ? que o PS meteu o processo da regionaliza??o numa camisa de onze varas e agora n?o pode - e n?o quer! - desembrulh?-lo da pris?o e da embrulhada em que o meteu. Para qualquer lado que se volte no andamento do processo da regionaliza??o, o PS encontra de imediato novas armadilhas e artimanhas, todas elas tiradas de um inesgot?vel stock criado pela revis?o constitucional que o pr?prio PS animou, subscreveu e aprovou.? precisamente desta responsabilidade na embrulhada criada e nas suas consequ?ncias para o processo de regionaliza??o, que a direc??o do Partido Socialista n?o pode continuar a alhear-se. Tem o estrito dever de a assumir publicamente. O PS n?o pode continuar a enganar o Pa?s afirmando uma vontade de instituir as regi?es administrativas quando tem sido em todo o processo um art?fice diligente de todos os entraves que o processo de regionaliza??o hoje padece. O PS tem de falar verdade, at? a muitos dos seus militantes que pelo pa?s andam convencidos que est?o seriamente a trabalhar para uma causa que os seus dirigentes m?ximos armadilharam na revis?o constitucional e vai assim sendo adiada e boicotada sucessivamente.A responsabilidade pelas vicissitudes, atrasos e boicotes que est? a sofrer o processo de regionaliza??o n?o se consumou agora, nesta lei do referendo, ou nas perguntas, ou noutro qualquer passo subsequente. A responsabilidade por esta embrulhada definiu-se durante a elabora??o e no momento da aprova??o da lei de revis?o constitucional. S?o as altera??es ? Constitui??o que o PS cozinhou com o PSD e o PP que fazem o processo estar no estado em que est?, e de embrulhada em embrulhada, cada vez em pior situa??o.Como se prova com os tr?s pontos essenciais que est?o realmente no centro deste debate.Primeiro ponto: a quest?o do n?mero de eleitores necess?rios para consulta directa sobre a mat?ria das regi?es administrativas.A solu??o proposta pelo Governo s? pode ser congeminada por quem quer que o processo de regionaliza??o tenha o m?ximo poss?vel de obst?culos.A solu??o ? pura e simplesmente aberrante e s? se pode justificar por partir de uma ideia invertida do comando constitucional, isto ? : onde a Constitui??o manda que as regi?es sejam criadas e institu?das, logo que os portugueses digam "sim" em resposta ? consulta directa, o PS leu o contr?rio, isto ? p?e na pr?tica a Constitui??o a dizer que as regi?es n?o devem ser criadas, excepto se os portugueses disserem sim numa vota??o com mais de 50% de participa??o.Para o Governo, qualquer n?o, ? um n?o vinculativo, quer haja mais de 50% de votantes ou n?o. Mas o sim, s? ? sim se houver mais de 50% de votantes, caso contr?rio, mesmo que haja 49% de votantes, dos quais, por hip?tese 90% dessem resposta afirmativa, ent?o esse sim, qualquer sim com menos de 50% de eleitores, ? um n?o.Como sempre sucedeu em todos os passos do processo de regionaliza??o, o PS come?ou por defender uma determina??o posi??o , a de que bastaria qualquer vota??o favor?vel para que as regi?es fossem institu?das. Mas, mais uma vez como ? costume, quando come?ou o coro dos anti-regionalistas a reclamar a exig?ncia de 50% de participantes na vota??o, o PS logo assumiu como sua tal exig?ncia, e escarrapachou-a preto no branco no projecto e no comunicado do Conselho de Ministros de 3 de Outubro de 97.Nesse comunicado, o PS-Governo assume que quer para a consulta directa relativa ? regionaliza??o um regime mais gravoso do que existe para a generalidade dos referendos. De facto, no regime geral em que o recurso ao referendo ? facultativo e versa sobre mat?ria que a Assembleia h?-de decidir, o que a Constitui??o diz ? que a resposta afirmativa ou a negativa s?o vinculativas quando h? mais de 50% de votantes, ficando nos restantes casos aos crit?rio da Assembleia saber como legislar, em que sentido, incluindo se respeita ou n?o a indica??o resultante da vota??o.Ora, no caso da regionaliza??o, o referendo ? obrigat?rio e n?o facultativo. E havia de ser aqui, quando se trata de executar um obriga??o constitucional, a de criar as regi?es, que se haviam de p?r maiores obst?culos e condi??es para poder prosseguir o processo legislativo!Aqui, nesta consulta directa, trata-se de uma consulta sobre uma lei j? aprovada e publicada, consulta obrigat?ria e condicionadora da concretiza??o de uma imposi??o constitucional.Este facto que parece que o PS quer esquecer e que tem sido sistematicamente sonegado neste debate: o que ? vinculativo neste processo para os ?rg?os de soberania ? a pr?pria cria??o e institui??o das regi?es administrativas no continente.A proposta do Governo ? a proposta do pelo n?o ? concretiza??o do imperativo constitucional. Este ? o sentido da especialidade que o PS quer impor ao regime de consulta directa sobre regi?es. Mas, se alguma especialidade deve haver aqui, ? precisamente no sentido contr?rio ao pretendido pelo Governo. O que o regime jur?dico desta consulta directa exige ? que sejam removidos obst?culos artificiais e desnecess?rios ? concretiza??o da obriga??o constitucional de criar regi?es. O regime legal desta consulta deve ser pelo sim ao cumprimento da Constitui??o!Se se permitisse que face a uma resposta positiva mesmo assim as regi?es n?o fossem institu?das, ent?o estava a permitir-se que os ?rg?os de soberania pudessem decidir n?o cumprir a Constitui??o. E isso ? que seria inconstitucional, porque a primeira obriga??o dos ?rg?os de soberania ? cumprir as imposi??es da Constitui??o!? com este fundamento e por estas raz?es que o PCP apresentou o seu projecto de lei n? 428/VII. O PS vai ter assim de se confrontar com a solu??o nele proposta, e que, como decorre do que disse, considera que uma resposta afirmativa ? condi??o necess?ria e suficiente para dar cumprimento ao artigo 256? n? 1 da Constitui??o, pelo que, em sequ?ncia, a Assembleia deve aprovar obrigatoriamente as respectivas leis de institui??o num prazo razo?vel, de 90 dias.O PS vai ter de dizer se aprova com o PCP esta solu??o que ? a constitucional e ? a adequada ao objectivo da cria??o das regi?es. Votando-a favoravelmente, ser? essa solu??o a vigorar. Se n?o o fizer, ? mais uma vez por sua exclusiva responsabilidade que ? criado mais um obst?culo ao processo de regionaliza??o.O PS sabe perfeitamente que at? os trabalhos preparat?rios da revis?o constitucional mostram que n?o ? necess?ria a exig?ncia de mais de 50% de eleitores. Sabe que isso constou do texto da proposta sobre o artigo 256?, texto de onde j? constava que se aplicavam as regras gerais do referendo que fosse poss?vel aplicar a esta consulta, e que, apesar disso, continha esta exig?ncia especial de 50%. E sabe que ela foi retirada, depois das den?ncias que n?s pr?prios, PCP, fizemos dessa norma. Agora, quer dizer que a retirada da norma n?o foi mesmo uma retirada? N?o est?o de boa-f?!Mas, enxerta-se aqui outra quest?o. O PS, quando assumiu esta exig?ncia de mais de 50% de eleitores, sabia perfeitamente que assim estava a construir uma nova barreira para adiar a regionaliza??o. Trata-se da quest?o da desactualiza??o e empolamento do recenseamento.O PCP ? claro nesta mat?ria: ? necess?rio rever o recenseamento, fazendo-o aproximar da realidade. Mas essa ? uma exig?ncia que n?o tem nada a ver com a regionaliza??o. Para o prosseguimento do processo de institui??o das regi?es, n?o ? preciso esperar pela actualiza??o do referendo, que certamente n?o pode ser feita em dois dias. Quem quer esperar pela actualiza??o do referendo ? quem: - inventou a exig?ncia de mais de 50% de votantes para o referendo ser v?lido; - e n?o quer instituir as regi?es com uma vota??o afirmativa, mesmo que s? a considere com car?cter indicativo, por n?o ter havido 50% de aflu?ncia. Quem quer esperar pela actualiza??o do recenseamento, ? quem pensa que o Pa?s vai achar que, num tema como este, s?o s?rios e de boa-f? os receios de quem n?o haja, mesmo com o recenseamento actual, 50% de aflu?ncia ?s urnas. Claro que haver?! Com franqueza: quem quer esperar pela actualiza??o do recenseamento, ? porque quer atrasar a consulta directa e, ao fim e ao cabo, a pr?pria regionaliza??o.Segundo ponto: mas este n?o ? o ?nico bloqueio que o PS engendrou para este processo. O PSD, que n?o esconde os seus objectivos neste processo, p?e em cima da mesa outros dois, para o PS se desenvencilhar.Falo da quest?o do universo de votantes, isto ?, de saber se os n?o residentes em Portugal votam ou n?o, e, em caso afirmativo, quais ? que votam.Com a demagogia ao rubro, o PS quando foi confrontado com o voto dos emigrantes nas Presidenciais e nos referendos, foi s? facilidades, naquela filosofia do "depois tudo se h?-de resolver". Agora, que se p?em os problemas em concreto, o PS revolve-se nas suas pr?prias armadilhas. Aqui, o buraco ? evidente. A Constitui??o diz que (artigo 115?, n? 12) que os recenseados no estrangeiro nos termos do artigo 121?, n? 2, podem votar nos referendos quando estes "recaiam sobre mat?ria que lhes diga tamb?m especificamente respeito". Feita a concess?o demag?gica, na proposta do Governo traduz-se este "especificamente" por quest?es que "se repercutam de forma directa e imediata no exerc?cio de direitos e deveres de n?o residentes". O PSD, co-autor da norma constitucional (norma provinda do acordo PS/PSD), acha que basta que os referendos recaiam sobre mat?ria que diga aos n?o residentes tamb?m especificamente respeito. E agora? Com o PSD a exigir o voto dos n?o residentes na pergunta de alcance nacional, com a demagogia a funcionar em pleno, com o PP a fazer coro nesta exig?ncia, e ainda por cima com a amea?a constante do PSD de recurso para o Tribunal Constitucional, que vai fazer o PS?Terceiro ponto: outro bloqueio em curso neste processo tem a ver com a quest?o das duas perguntas, a nacional e a relativa a cada ?rea regional, da sua simultaneidade ou n?o. O PSD voltou ? carga: quer as perguntas separadas, quer a pergunta de alcance nacional isolada. E o PS, que vai fazer?Cada um destes pedregulhos no caminho da regionaliza??o, cada uma destas armadilhas que rodeia o processo, cada um destes temas que d?o para amea?as de recursos ao Tribunal Constitucional e para chantagens de todo o tipo s?o o resultado directo da revis?o constitucional que o PS assinou com o PSD e votou livremente em Setembro passado.Para haver lei do referendo, o PS sozinho n?o chega para a sua aprova??o, porque as leis org?nicas t?m que ser aprovadas pela maioria absoluta dos Deputados. E, para aprovar a lei referente ao universo de eleitores recenseados no estrangeiro, s?o precisos 2/3, para definir, nos termos do n? 2 do artigo 121? quais s?o "os la?os de efectiva liga??o ? comunidade nacional".? nesta ceralha de malha escolhos e depend?ncias que o PS por sua vontade e escolha meteu o processo de regionaliza??o.Nas Jornadas Parlamentares de Vila Real, o PS voltou ? carga com a ideia dos referendos simult?neos, sobre a Europa e as regi?es. ? uma grosseira manipula??o pol?tica, inaceit?vel e inadmiss?vel, do ponto de vista da clareza e transpar?ncia democr?ticas. ? um auto-favor a um "sim-sim", que n?o passa de uma chocante tentativa de manipula??o eleitoral.Os projectos em discuss?o t?m, al?m destes pontos, algumas solu??es, melhores e piores, para algumas quest?es novas trazidas pela revis?o constitucional. S?o quest?es que n?o merecem grande pol?mica, e no debate na especialidade o PCP dar? a sua pr?pria contribui??o.Vale ainda assim a pena anotar que, com a proposta de proibir os militares de subscreverem iniciativas populares de referendo, o Governo PS d? uma trist?ssima imagem da sua concep??o dos direitos fundamentais. Num momento em que a grande quest?o ? a de que as limita??es de direitos de que padecem os militares s?o claramente excessivos, o PS quer alarg?-los, para al?m mesmo do quadro constitucional!Mas, todas essas solu??es s?o corrig?veis. As graves, s?o as que referi: exig?ncia de mais de 50% de eleitores, universo de votantes, momentos das perguntas da consulta directa relativa ?s regi?es.Finalmente: n?o ? poss?vel deixar de anotar que, no que toca ao simulado referendo sobre a Europa, nem o Governo, nem a multid?o de comentadores que veio falar sobre a necessidade de mais de 50% de votantes na consulta directa sobre regi?es, veio p?r naquele caso publicamente qualquer observa??o neste campo da exig?ncia de uma maioria. Isto apesar de, a? sim, ser enorme o risco de n?o haver 50% de votantes, ainda por cima num quadro de um recenseamento empolado, quest?o que ningu?m p?s no que respeita ao referendo europeu. Por uma raz?o simples: porque o referendo que deveria ser feito, sobre a ades?o ? moeda ?nica, condicionador da posi??o de Portugal, PS e PSD n?o o permitiram. Nem permitiram o referendo sobre Maastricht, nem sequer sobre o futuro Tratado de Amsterd?o. S? sobre "quest?es", e, como se pode ver das propostas de perguntas apresentadas pelo PS e pelo PSD, preparam-se para entrar no dom?nio da pura farsa.De facto, o referendo dito sobre a Europa n?o preocupa rigorosamente nada o Governo, que nem sequer est? interessado numa vota??o expressiva. Basta-lhe poder dizer que consultou. Porque, quanto ao resultado, quanto ? op??o, ela j? est? tomada, pelo Governo, pelo PS e pelo PSD, e Amsterd?o ? para ratificar tal como as fam?lias europeias j? determinaram e os governos das pot?ncias europeias querem.Aqui tamb?m, como na consulta relativa ? regionaliza??o o debate est? viciado ? partida.

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