Intervenção de António Filipe na Assembleia de República

Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais

Sr.ª Presidente,
Srs. Deputados

Em primeiro lugar, não nos cansamos de desfazer uma confusão que muitas vezes se estabelece ao designar as candidaturas de grupos de cidadãos como candidaturas de independentes. Importa desfazer essa confusão. Não há nenhum certificado de independência a nenhum cidadão.

Portanto, nas candidaturas de grupos de cidadãos eleitores, temos de tudo. Temos cidadãos sem filiação partidária, como, aliás, temos cidadãos sem filiação partidária em listas de partidos e de coligações, assim como temos também, em candidaturas de grupos de cidadãos eleitores, cidadãos com filiação partidária mas que estão desavindos com os seus partidos, possivelmente porque não foram escolhidos para integrar as suas listas, e também temos estruturas partidárias locais dissimuladas atrás de candidaturas de cidadãos eleitores e que se escondem por detrás do discurso antipartidos convencidos de que é isso que está a dar.

Posto isto, importa dizer que o direito de apresentação de candidaturas por grupos de cidadãos eleitores é um direito inquestionável, nunca o pusemos, nem pomos, em causa e achamos que se deve procurar encontrar uma forma de não discriminação entre as candidaturas de grupos de cidadãos eleitores e as candidaturas de partidos ou coligações. Simplesmente, o que aqui hoje se propõe não é isso. O que se propõe aqui é criar discriminações positivas para os grupos de cidadãos eleitores que discriminam negativamente, de uma forma objectiva, as candidaturas de partidos e de coligações, e isso é que para nós não é aceitável. Nós reconhecemos o direito à apresentação de candidaturas por grupos de cidadãos eleitores, mas não reconhecemos a essas candidaturas nenhuma superioridade moral relativamente às candidaturas apresentadas por partidos ou coligações.

Ora bem, a proposta de que a apresentação de uma candidatura de um grupo de cidadãos eleitores possa ser substituída pela apresentação de um abaixo-assinado de apoio a um candidato não tem qualquer cabimento do ponto de vista constitucional, porque o que a Constituição permite é a apresentação de candidaturas de grupos de cidadãos eleitores, é o grupo de cidadãos que se candidata, e não pode haver grupos de cidadãos que dispensem os cidadãos — e é aquilo que, efectivamente, aqui se propõe.

As candidaturas autárquicas não são candidaturas à presidência da República, embora em alguns casos até possa parecer. Mas não são, não são candidaturas. Isto porque, a aceitar-se esta ideia, os partidos nem sequer precisariam de apresentar candidaturas, apresentar-se-ia o partido e diria: «Bom, depois apresentaremos uma lista». Não pode ser assim. A proposta que o Partido Socialista faz, de que não se apresentava apenas o candidato, como propõe o CDS, bastaria apresentar um terço, também não tem cabimento.

Aliás, se olharmos para a jurisprudência constitucional, que a Sr.ª Deputada Susana Amador, no relatório que fez para a 1.ª Comissão, cita, ela é muito clara, quando, em relação ao direito conferido pela Constituição, no artigo 239.º, n.º 4, diz que «daqui decorre que a subscrição das propostas de listas de candidatos às eleições para um determinado órgão autárquico não corresponde a uma mera manifestação de apoio ou concordância com o projeto político de um movimento ou grupo que pretenda concorrer às eleições locais, antes consubstancia a própria escolha pelos cidadãos eleitores dos candidatos a apresentar.»

É esta a jurisprudência constitucional sobre a matéria que nos parece absolutamente clara e consentânea com o que dispõe, de facto, a Constituição nesta matéria. Por outro lado, também não nos parece que tenha cabimento haver um regime de substituições de candidatos, porque os partidos não o podem fazer.

Os partidos só podem substituir candidatos em caso de inelegibilidade considerada pelo tribunal, porque é para os outros casos, se houver um candidato de uma lista partidária ou de uma coligação de partidos que desista, que existem os candidatos suplentes. Não podemos admitir, nos grupos de cidadãos eleitores, ao contrário do que acontece com os partidos ou coligações, que os candidatos possam ser substituídos, porque, assim, corríamos o risco de a lista apresentada ser uma lista fictícia, que, depois, pode ser substituída de acordo com as conveniências ou de acordo com as desavenças que possam surgir pelo caminho.

Estas propostas corresponderiam a um desvirtuamento inaceitável, do nosso ponto de vista contrário à Constituição, da possibilidade de manipulação das listas de grupos de cidadãos eleitores. Portanto, estas iniciativas não contam com a nossa concordância. Por outro lado, também há uma proposta que é anunciada no projecto do Bloco de Esquerda, apenas no preâmbulo, porque depois não consta do articulado, e ainda bem que não consta, que é a possibilidade de, apresentada uma candidatura de grupos de cidadãos a um município, isso conferir o direito automático de apresentação de candidaturas às freguesias.

Ora, isto não tem cabimento, porque as freguesias e os municípios são autarquias distintas e não há nenhuma relação de dependência das freguesias relativamente ao município. Portanto, esta proposta, se tivesse sido incluída no articulado, e ainda bem que não foi, de facto, não teria, de forma nenhuma, a nossa concordância.

Portanto, só nos podemos congratular com o facto de sabermos que os partidos proponentes destas iniciativas requereram a sua baixa à comissão, sem votação, o que nos parece efectivamente sensato, porque, em matéria de leis eleitorais, não deve haver alterações legislativas precipitadas que possam criar situações desde logo contrárias à Constituição e uma perturbação desnecessária no processo eleitoral, quer seja para os órgãos de soberania, quer, neste caso concreto, para as autarquias locais.

Disse.

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