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Debate/Aveiro Outro rumo, nova política ao serviço do povo e do país - Intervenção de Miguel Bento
Sábado, 13 Outubro 2007

 

Pretendo com a minha intervenção fazer uma análise sintetizada do sector agrícola português, em particular na zona em que estamos inseridos, a Beira Litoral.No período de 1999-2005 desapareceram no nosso país 92 mil explorações agrícolas. Sendo que em 2005 existiam ainda 324 mil explorações. Em 6 anos, praticamente uma em cada cinco explorações desapareceu, correspondendo este valor a 15 mil explorações por ano, o que dá uma média de 41 explorações por dia. A Beira litoral foi a segunda região do país a perder mais explorações (18%) sendo apenas ultrapassada por Trás-os-Montes (19%). A percentagem correspondente à Beira Litoral, equivale a um número claro de 16560 explorações agrícolas, que encerraram portas num período de 6 anos.É de salientar que foram as pequenas explorações as que mais desapareceram, em explorações com menos de 1 há (33%) e 22 % de explorações de 1 a 5 há. Ainda de referenciar que o número de explorações com mais de 20 há se mantém, verificando-se mesmo um aumento do número de explorações com mais de 50 há. Sintetizando estes dados, facilmente concluímos que existe claramente uma concentração da produção em detrimento do abandono dos pequenos produtores.


O distrito de Aveiro, é caracterizado pelo minifúndio, explorações maioritariamente familiares, na sua génese, mas numa região com grandes capacidades produtivas. Na análise de dados, podemos perceber porque razão observamos áreas cada vez maiores abandonadas, fruto do encerramento de explorações, e que conduzirá certamente a uma alteração da paisagem rural, na forma como hoje olhamos para ela.
Em 2005, seis em cada 10 explorações dispunham de sistema de rega, sendo que a Beira Litoral possui 13% da sua área irrigada. A Beira Litoral possui 82996 há de superfície irrigável, no entanto, apenas 65209 há são regados. Sobra com isto quase 79% de área com elevadas capacidades e potencialidades que se encontra sub aproveitada, e que poderia apresentar elevado rendimento, podendo mesmo abrir caminho para outras culturas, diferentes das tradicionais, mas que poderiam criar uma mais valia importantíssima nas explorações agrícolas da região.
No campo da bovinicultura a Beira Litoral, possui 20% do efectivo animal do país. Segundo números de 2005 existiam na região 112498 cabeças.


O efectivo leiteiro nas regiões de Entre Douro e Minho, Açores e Beira Litoral é no seu conjunto ¾ do efectivo leiteiro nacional. No entanto, desapareceu, no período 1999-2005 mais de metade das explorações leiteiras e 19% das vacas que existiam. Contudo, existe uma melhoria, do ponto de vista estatístico, no dimensionamento médio do efectivo por exploração, porém, as pequenas explorações ficaram pelo caminho, fruto de medidas erradas, no meu ponto de vista, levadas a cabo pelo sector de escoamento da matéria-prima, nomeadamente, o encerramento dos postos colectivos de recolha e as ordenhas colectivas, não tendo sido tomadas orientações políticas, da parte do governo central, que invertessem esta tendência.
No entanto, apesar de tudo isto, continuam a existir muitas explorações com 1 ou 2 cabeças (36%) e cerca de 70% possuem menos de 10 bovinos.


Nos tempos que correm, as explorações pecuárias passam por um processo administrativo de legalização, certo é, que se elas têm dificuldades em sobreviver com as parcas receitas que têm, mais dificuldade terão em ultrapassar este processo. As obras de melhoramento das explorações, que nós somos a favor que se façam, em prol de produtos com melhor qualidade e cumprindo normas de higiene, bem-estar animal, ambientais, entre outras, não estão ao alcance da maioria dos produtores. Deveria na nossa óptica ser dada ajuda governamental, para que existisse apoio técnico aos produtores e financiamento para que eles possam realizar as obras necessárias. Ganhariam os produtores, ganharia o país, por produzir mais e melhores alimentos, numa perspectiva de soberania alimentar. Mas o problema do sector leiteiro não termina aqui, quero ainda acrescentar, que no próximo quadro comunitário, 2007-2013 (que ainda não foi aprovado, e já passaram 10 meses) este sector não é considerado uma fileira estratégica, pelo que esqueçam os projectos financiados, para beneficiação das vacarias, esqueçam os jovens agricultores nesta área, esqueçam a forma óbvia de dar a volta a um sector essencial ao país, ainda para mais num cenário de falta de leite na Europa, em que a escassez poderá trazer graves problemas, não só aos produtores mas também ao consumidor, que terá, num futuro próximo de pagar o leite, e todos os produtos que dele derivam, ao preço do caviar.


O concelho de Aveiro, possui uma das regiões com maior capacidade produtiva do país, o Baixo Vouga, é no entanto uma zona sub explorada, estando muito aquém da sua potencialidade. O Estado gastou milhões de euros no projecto de emparcelamento, que nunca chegou a realizar, e por este andar, com a redução de funcionários e quase extinção dos gabinetes de trabalho nesta área, nunca o chegará a fazer. O problema da salinização desta zona agrícola, provocada pela entrada de água salgada, está a provocar a morte de um ecossistema rico e harmonioso, onde a agricultura extensiva está em perfeita simbiose com o meio envolvente. Do tão famoso Dique, apenas o início do projecto foi feito, e certamente quando ele for realizado na totalidade, caso seja, já toda aquela zona terá perdido todas as suas características e potenciais, fruto de medidas políticas, que mais se preocupam em dar subsídios a quem não trabalha a terra.


Esta semana na Gafanha da Boa-Hora, assisti a um horticultor, a despejar dezenas de caixas de feijão verde numa lixeira, ao que eu perguntei, o que se passava, disseram que o horticultor já ia no terceiro reboque de feijão que despejava naquela manhã, centenas de quilos do seu trabalho, deitados numa lixeira. É clara na região, a ausência de estruturas de comercialização, capazes, que coloquem os produtos dos pequenos produtores nos circuitos próprios. Sejamos claros, um pequeno agricultor não tem capacidade para fazer a comercialização da sua produção, a não ser em pequena escala, nos mercados locais, que estão cada vez mais internacionalizados e congestionados de produtos cuja origem, e a forma como foram produzidos, não se imagina. Mas digam lá, não caberá ao Estado fomentar estruturas que façam a comercialização da produção nacional? Eu tenho a certeza que sim. Ganhávamos todos, e certamente o número de explorações que todos os anos encerram seria substancialmente diferente, e também a desertificação do interior seria um problema sem expressão, e o país, bom… o país seria um grande país.