Em Declaração Politica na AR sobre a situação das Pirites Alentejanas, José Soeiro denunciou a cumplicidade do Governo com todo o processo "cada vez mais nebuloso e opaco" e questionou a razão da recusa da "entrega dos documentos já requeridos por várias vezes pelo GP do PCP (...) relativos aos negócios do Estado com a Eurozinc envolvendo as Pirites e a Somincor". (...) O cabal esclarecimento de tudo isto continua a impor-se! Os interesses dos trabalhadores e do País assim o exigem."
Declaração política culpabilizando o Governo pela situação a que chegou a empresa Pirites Alentejanas SA e pelo consequente despedimento de centenas de trabalhadores
Intervenção de José Soeiro na AR
Sr. Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados:
Há apenas sete meses, José Sócrates e Manuel Pinho apontavam aos portugueses a Lundin Mining como o exemplo de modernidade capaz de «competir na economia global e fazer aquilo que é necessário ao País».
E proclamavam, confiantes, que «esta mina trouxe investimento, deu trabalho e vai contribuir para aumentar as exportações» nacionais. João Carrelo, vice-presidente da Lundin Mining, garantia que a a empresa Pirites Alentejanas SA iria trabalhar pelo menos durante 10 anos, iria haver mais investimento e mais emprego, porque o grupo estava apostado na exploração mineira em Portugal.
Na Pirites trabalhavam então 980 trabalhadores.
A 13 de Novembro, cinco meses depois, sem qualquer pré-aviso aos trabalhadores, aos seus legítimos representantes ou à autarquia de Aljustrel, foi feito o anúncio brutal e com efeitos imediatos: a Pirites Alentejanas parava nesse mesmo dia a sua laboração e ao seu serviço iriam ficar apenas algumas dezenas de trabalhadores para assegurar a sua manutenção.
Quem aceitasse a brutal decisão e rescindisse o contrato nos sete dias imediatos receberia três meses de salário; quem o não fizesse seria despedido a partir de 20 de Novembro, sem qualquer direito.
A esta chantagem inqualificável, a este prepotente e efectivo despedimento colectivo, ainda que encapotado, chamou ontem o Sr. Ministro da Economia «rescisões amigáveis», afirmando não se ter verificado qualquer despedimento.
Que vergonha, Sr.as e Srs. Deputados, ouvir um Ministro de um Governo que se diz socialista dizer uma tal barbaridade.
Vergonha que devia fazer corar o Grupo Parlamentar do PS, que tanto aplaude um Ministro que há muito devia ter sido afastado da governação.
Em nossa opinião, um Ministro que assim fala não reúne condições para governar. Assim tivessem José Sócrates e o PS um mínimo de respeito pelos trabalhadores, pelos seus direitos, problemas, pelas suas dificuldades e outra seria a sua posição.
Mas mais grave ainda: todo o Governo foi e é cúmplice neste nebuloso e revoltante processo. O Governo sabia há meses tudo o que se estava a passar, sabia que isto ia acontecer e escondeu-o deliberadamente dos principais interessados. Permitiu que a Lundin Mining despedisse centenas de trabalhadores, e tentou ontem, com a cumplicidade de alguns Deputados Partido Socialista, vender-nos a imagem de um Governo que encontrou de imediato uma solução, como se esta fosse a única e a boa solução, como se não fosse o Governo o principal responsável por todo este escabroso processo.
Que hipocrisia a do Ministro dito do Trabalho e da Solidariedade Social ir «dar palmadinhas nas costas» dos mineiros, quando já sabia há meses o que se estava a passar e nada fez para o impedir.
Palmadinhas nas costas?! «Punhaladas nas costas», «punhaladas» nos mineiros e na população de Aljustrel.
O que dizer da milagrosa solução agora encontrada e cujos contornos estão longe de estar esclarecidos?
Vejamos! No dia 13 de Novembro, o Ministro Manuel Pinho afirmava que havia um «grupo internacional» de investidores «muito interessado» na compra da Pirites. José Sócrates confirmou-o, mas já o Governador Civil de Beja avançava, no dia 14 de Novembro, o nome do Grupo Martifer, dos irmãos Martins, onde trabalha hoje o ex-Director da Direcção-Geral da Energia e Geologia, Miguel Barreto.
Por sua vez, o Presidente da Martifer, Carlos Martins, desmentia, no mesmo dia, a compra, afirmando que o sector mineiro não fazia parte «do seu core business», mas assumindo que «esteve nas instalações da Pirites», algumas semanas antes, «para analisar a compra da empresa».
No dia 5 de Dezembro, depois de muito secretismo, Manuel Pinho foi a Aljustrel anunciar que o grande negócio era feito com a MTO, empresa dos irmãos Martins, do Grupo Martifer, onde a Mota Engil é dominante.
A isto é que se pode chamar, com toda a propriedade, «tirar um grande coelho da cartola». Ora, naturalmente, pensamos que isto exige clarificação.
O Sr. Ministro jurou, ontem, a transparência de todo o processo, mas a verdade é que o processo se torna cada vez mais nebuloso e opaco, com a recusa, mais uma vez, da entrega dos documentos requeridos pelo Grupo Parlamentar do PCP.
Se tudo está tão claro e transparente, se tudo está na Internet, porquê esta fuga à entrega da documentação, relativa aos negócios do Estado com a Eurozinc, envolvendo a Pirites e a Somincor?
Porquê invocar a existência de cláusulas de confidencialidade - e isto é uma novidade -, que não permitirão a sua entrega aos Deputados da Assembleia da República? Porquê o silêncio face às pertinentes perguntas que ontem lhe foram colocadas?
Afinal, o que esconde o Governo de tão grave para não dar a documentação relativa a todos estes negócios? Porquê esta fuga ao controlo e fiscalização democrática da Assembleia da República dos negócios do Governo, envolvendo recursos públicos?
Só uma de duas conclusões se pode retirar: ou a aceitação de compromissos espúrios e inconfessáveis, em que não queremos acreditar, ou a incompetência e a gestão negligente e danosa dos recursos do País.
Se havia compromissos da Lundin Mining de criar 250 postos de trabalho directos e 450 indirectos, como foi repetidamente afirmado, se havia compromissos de manter a laboração por um mínimo de 10 anos, como veio a público, se havia compromissos de investimentos e por isso beneficiou de facilidades e contrapartidas financeiras do Estado português, e se rompeu arbitrariamente com todos estes compromissos, o Governo nunca poderia ter uma postura subserviente e cúmplice, como a que está a verificar-se até ao dia de hoje, face à multinacional Lundin Mining.
O cabal esclarecimento de tudo isto, Sr.as e Srs. Deputados, continua a impor-se!
Os interesses dos trabalhadores e do País assim o exigem. Pela nossa parte, tudo faremos para que a verdade seja conhecida.
(...)
Sr. Presidente,
Sr. Deputado Hugo Velosa,
Agradeço-lhe a questão colocada, que julgo ter toda a pertinência.
De facto, questionado por diversas vezes quanto àquilo que seriam os compromissos que anunciou, em Aljustrel, no dia 5 de Dezembro, designadamente que estavam salvaguardados os postos de trabalho existentes na Pirites Alentejanas, o que o Sr. Ministro disse não corresponde à verdade.
Desde logo, porque quem quiser analisar as declarações do Sr. Ministro Manuel Pinho, verificará que ele fala em 200 postos de trabalho e o número que aqui referi, dado pelo Sr. Ministro da Economia, é de 980 postos de trabalho, existentes na Pirites no início do ano de 2008.
Logo, de 200 para 980, faltam muitos postos de trabalho.
Mais grave ainda, como o Sr. Deputado disse, é que não foi dada uma data para o começo dos trabalhos.
É que a entrega da mina do Gavião pressupõe a abertura de galerias, o que levará, pelo menos, dois anos a efectivar para se conseguir chegar à jazida - dois a três anos foi, aliás, o que Sr. Ministro disse.
Portanto, estamos aqui perante uma situação, em que não é claro o seguinte: qual foi o acordo firmado com a MTO?
Quais são os compromissos da MTO em relação aos postos de trabalho? Quando é que vão efectivar-se as readmissões?
Também não sabemos o que vai ser o futuro com a MTO.
Nós perguntámos... E esperamos que o Sr. Ministro e o Grupo Parlamentar do PS se empenhem nisso... É que disseram que estava tudo na Internet, que era tudo claro e transparente...
No entanto, o que encontrámos nas respostas foi uma opacidade total no que diz respeito a este negócio, que o Governo encontrou à última hora para tentar apresentar-se «de cara limpa» junto daqueles que andou a enganar durante quatro anos.
É que se existissem os compromissos aqui anunciados, então a Lundin Mining não podia ter agido da forma prepotente e arbitrária como agiu.
(...)
Sr. Presidente,
Sr. Deputado Hélder Amaral,
Agradeço-lhe a sua pergunta, que, creio, suscita pelo menos duas questões muito pertinentes. Uma delas, que considero uma novidade desta governação do Partido Socialista, é esta: até há pouco tempo, o Governo dizia que o mercado devia funcionar, e justificou-o aqui várias através de diferentes ministros; agora, já ouvimos o Sr. Ministro da Economia dizer, como ontem, nesta Casa, que a Lundin Mining tinha sido surpreendida por vários factores, a saber, pela variação do preço dos metais, pela desvalorização do dólar face ao euro (imagine-se!) e pelo facto de o zinco não ter exactamente o teor que calculava que tinha quando apostou no seu investimento. Lembro, Sr.as e Srs. Deputados, que a empresa que fazia as prospecções nesta zona era precisamente a Eurozinc, com a qual foi feito o primeiro negócio, ainda no tempo de um outro governo do Partido Socialista, que vendeu esta empresa à Eurozinc, em condições que hoje ainda não se conhecem.
Ora, não é aceitável que, cabendo aos Deputados fiscalizar a acção do Governo, haja uma recusa sistemática por parte do Governo de entregar a documentação que permita aos Deputados falar com rigor e objectividade sobre a matéria.
Ouvimos aqui, por vezes, a crítica de que a oposição trabalha em função do que dizem os media, mas a verdade é que, quando queremos trabalhar com os documentos que deviam ser fornecidos atempadamente para fiscalizarmos a acção governativa, invocam cláusulas de confidencialidade, quando não está em causa qualquer segredo de Estado - quanto muito, poderão estar em causa negociatas inconfessáveis, ou incompetência, negligência na gestão da coisa pública.
Ora, é isso que pensamos estar em jogo. É que, quando nos dizem «vejam na Internet», se víssemos na Internet, então, diríamos: andaram quatro anos a enganar o povo português, dizendo que havia compromissos da Lundin Mining, quando, afinal de contas, não há compromissos absolutamente nenhuns!
(...)
Sr. Presidente,
Sr. Deputado Luís Pita Ameixa,
Como alentejano gosto muito de anedotas, mas esta, de estarmos zangados por as minas terem o problema resolvido, é nova!
Recomendo ao Sr. Deputado a leitura dos múltiplos requerimentos que fui fazendo ao Governo, desde que entrei nesta Casa, em 2005.
Neles, facilmente, o Sr. Deputado constatará que as preocupações que tínhamos em 2005 e em 2006, quando questionávamos o Governo sobre os negócios e a fiabilidade das afirmações do Governo sobre esta matéria, infelizmente vieram a confirmar-se da pior forma.
Foi o despedimento de centenas de trabalhadores, foi a negociação dos recursos mineiros, que são sempre escassos e finitos, com uma multinacional, que por sinal era aquela que já fazia as prospecções em toda a zona da faixa piritosa no Alentejo, em condições que ainda hoje não conhecemos e que era bom conhecer.
Portanto, manifestámos sempre essa preocupação e sempre falámos nesta questão, ao contrário do Sr. Deputado, que pelos vistos só agora está preocupado.
Há quatro anos, quando defendíamos a retoma da laboração das minas, o Sr. Deputado defendia, na campanha eleitoral, que nós estávamos a fazer demagogia e que éramos populistas.
Mas a verdade é que a vida mostrou não só que os mineiros, o povo de Aljustrel e o PCP tinham razão, quando diziam que as minas eram viáveis, mas também que elas nunca deveriam ter sido vendidas!
Se as minas não tivessem sido vendidas como foram, se não tivessem sido vendidos os 51% da Somincor à Eurozinc, depois Lundin Mining, talvez o Sr. Secretário de Estado não tivesse tido necessidade de ir agora ao Canadá propor à Lundin Mining aquilo que o PCP propôs como resposta, com vista a uma boa gestão das duas minas, que era juntá-las numa só empresa, a EDM - Empresa de Desenvolvimento Mineiro, para que esta fizesse uma exploração racional dos recursos e não a lavra gananciosa que a Lundin Mining tem estado a fazer.
(...)
Sr. Presidente,
Agradeço à Sr.ª Deputada Alda Macedo as duas perguntas que colocou.
Em relação à primeira, de facto, chamar rescisão amigável à chantagem feita aos trabalhadores no sentido de que ou aceitam de imediato o despedimento, recebendo três meses de salário, ou são despedidos sem direitos sete dias depois é qualquer coisa que eu não pensava poder ouvir da boca de um Ministro de um Governo que se diz socialista.
Infelizmente, essa foi a realidade.
E neste momento as Pirites Alentejanas têm 100 dos 980 trabalhadores que tinham no início deste ano, o que, naturalmente, gera uma situação social inaceitável.
E a situação é tanto mais inaceitável quando, na verdade, o Governo, que agora procura apresentar-se como o campeão das soluções, é o primeiro e único responsável pelo sucedido, porque foi o Governo que entregou à Lundin Mining, nas condições que agora se vão descobrindo a pouco a pouco e que nos mostram que, pelos vistos, não houve quaisquer exigências quanto à salvaguarda do emprego e gestão racional dos recursos no que se refere ao compromisso assumido pela empresa em relação ao investimento e exploração das minas durante 10 anos.
É sobre isto que temos de pedir contas ao Governo do Partido Socialista e à maioria que o sustenta.
Quanto à segunda questão, há pouco não a desenvolvi muito porque o tempo não deu para mais, mas agradeço a pergunta, porque quando eu disse que este Governo encontrou uma nova forma de encarar o mercado é porque é assim: o mercado é bom quando é para dar lucros para as multinacionais.
Aí, o mercado deve funcionar. No entanto, ao primeiro problema, as multinacionais não respeitam os compromissos que o Governo diz que tinham assumido.
Mas a preocupação que o Governo tem é em justificar a posição inaceitável das multinacionais, em lugar de intervir com firmeza, exigindo o cumprimento daquilo que dizem que tinham sido esses compromissos.
Nós não sabemos. Estamos à espera dos documentos para podermos verificar o que há de verdadeiro naquilo que foi anunciado durante quatro anos como garantia de 250 postos de trabalho efectivo nas Pirites e, ainda, 450 postos de trabalho, o que se traduziria em 700 postos de trabalho, no mínimo, que teriam de ser criados e que neste momento não existem, porque estão reduzidos a 100.
(...)
Sr. Presidente,
Sr. Deputado Francisco Madeira Lopes,
Gostava de referir esta dualidade do Sr. Ministro da Economia.
Quando lhe perguntei como era possível terem sido vendidas as acções das Pirites Alentejanas, na altura, 100% propriedade da Empresa de Desenvolvimento Mineiro, respondeu-me o Sr. Ministro da Economia que entendia que não era necessário ouvir a comissão de trabalhadores nem o representante dos trabalhadores, porque não estavam em causa os postos de trabalho.
Agora repare-se na diferença! Sabendo, havia meses, que iriam ser despedidos centenas de trabalhadores, o Governo nada fez para informar a comissão de trabalhadores, nada fez para informar sobre as negociações que estava a desenvolver e, ainda hoje, os trabalhadores, tal como nós, Deputados nesta Casa, estamos sem saber o que são as negociações que estão em curso.
Porque o Sr. Ministro afirmou que estavam garantidas para a semana passada, mas quem esteve atento já verificou que, na verdade, não há qualquer assinatura concreta feita com a MTO ou com qualquer outra empresa.
Portanto, precisamos de saber como é que o Sr. Ministro vai garantir o cumprimento da sua palavra, dada aos mineiros, de que, em Janeiro, todos os trabalhadores seriam readmitidos nas Pirites Alentejanas.
Estamos cá para ver e estamos cá para pedir contas ao Sr. Ministro!
Como disse também e como já foi aqui referido várias vezes, temos um Governo que não tem quaisquer pruridos em investir milhares de milhões de euros para salvar bancos na falência, que não hesita em mobilizar milhares de milhões de euros não para garantir os dinheiros dos pobres contribuintes, dinheiros esses que estariam nos bancos e que teriam de ser acautelados, mas para salvar um banco como o BPP, que é o banco das grandes fortunas.
Efectivamente, para esse não falta dinheiro!
Pergunto: não seria mais razoável o Estado, num caso como este, ter intervindo e exigido o retorno à EDM das Pirites Alentejanas, da Somincor, a sua junção e a sua exploração ao serviço do desenvolvimento do País? Parece-nos que este é que era o caminho.
|