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O estado da Democracia
Quarta, 05 Dezembro 2007
pcp-logotipo.jpgNa Interpelação ao Governo sobre o estado da Democracia, António Filipe afirmou que «a democracia portuguesa está doente, e a degradação das condições de exercício de direitos e liberdades fundamentais por parte dos cidadãos, são sintomas evidentes dessa enfermidade». O deputado do PCP, depois de acusar o Governo de uma prática reiterada de ataques aos direitos fundamentais dos cidadãos, sublinhou que o PCP continuará «a lutar pela qualidade da democracia e para que os direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos sejam respeitados, como devem ser num Estado de Direito Democrático».
Intervenção de encerramento de Bernardino Soares

 

Intervenção de António Filipe
Interpelação ao Governo sobre o estado da Democracia

 

Senhor Presidente,
Senhores membros do Governo,
Senhores Deputados,

Fazemos esta Interpelação ao Governo preocupados com o estado da nossa democracia e inquietos quanto ao seu futuro. A democracia portuguesa está doente, e a degradação das condições de exercício de direitos e liberdades fundamentais por parte dos cidadãos, são sintomas evidentes dessa enfermidade.

A democracia económica afunda-se, submersa no poder desmesurado dos grupos económicos a que o Governo se submete. A democracia social degrada-se, com o aumento do desemprego, da desprotecção social, da pobreza e das desigualdades sociais. A democracia cultural vegeta, com o abandono da escola pública e a elitização do acesso à cultura e ao saber.

A democracia política sofre ataques violentos, com o Governo a enveredar por um caminho perigoso, de crispação perante a crítica, de intolerância perante o descontentamento, de repressão do protesto, de policialização da sociedade, de governamentalização da Justiça, de limitações à liberdade de imprensa, de ataques aos trabalhadores e aos seus direitos, de ocupação do aparelho de Estado por uma clientela arrogante, ávida, e capaz de tudo para se manter no poder.

Esta Interpelação ao Governo não se baseia em processos de intenções ou em acusações gratuitas. Baseia-se em factos. Quando acusamos o Governo de seguir por um caminho perigoso para a democracia não o fazemos de ânimo leve. Quando assistimos a uma prática governamental reiterada de ataques aos direitos fundamentais dos cidadãos, não podemos deixar de nos questionar sobre que democracia é esta em que vivemos, e não podemos deixar de confrontar o Governo com as suas responsabilidades perante o país.

É um facto indesmentível que os direitos dos trabalhadores portugueses sofrem ataques sem precedentes em democracia. O exercício de direitos sindicais é proibido em muitas empresas, sem que haja qualquer intervenção das entidades inspectivas, mesmo quando solicitada.

Em muitas empresas, as ilegalidades, a violação de direitos dos trabalhadores, o roubo de bens e equipamentos e toda a sorte de prepotências patronais, processam-se com total impunidade. Mas quando se trata do exercício de direitos pelos trabalhadores, as forças de segurança têm sido chamadas a intervir em conflitos laborais a mando do patronato, obedecendo às suas ordens, identificando e intimidando trabalhadores e sindicalistas, dispersando piquetes de greve com recurso à força, expulsando dirigentes sindicais das empresas onde exercem legalmente as suas actividades, como aconteceu nos CTT em Guimarães, na Scotturb, na Valorsul ou na Metalúrgica Manuel Pires Guerreiro.

É um facto indesmentível que os ataques aos direitos de associação, de reunião e de manifestação, são cada vez mais frequentes.

Na Covilhã, a polícia visitou a sede do Sindicato dos Professores para obter informações sobre uma manifestação, tendo contado com o apoio da governadora civil, que considerou tal actuação normal, e do Ministro da Administração Interna que tentou, nesta Assembleia, sem qualquer sucesso, defender o indefensável. Em Montemor-o-Velho, um dirigente sindical foi incomodado por um agente policial e constituído arguido por participar numa manifestação. Junto da Residência Oficial do Primeiro-Ministro, dois dirigentes do PCP foram constituídos arguidos por entregar um abaixo-assinado. Numa escola em Valongo, uma manifestação de estudantes adolescentes deu lugar a uma desproporcionada operação policial.

Um pouco por todo o país vão crescendo as limitações inconstitucionais à liberdade de expressão e de propaganda, com regulamentos inconstitucionais e intromissões abusivas de diversas autoridades no exercício de liberdades fundamentais.

O Governador Civil de Braga, oito meses depois de uma manifestação em Guimarães, mandou a PSP processar criminalmente quatro dirigentes sindicais sob a acusação de terem promovido uma manifestação não autorizada. Perante o arquivamento do processo, o mesmo Governador Civil assumiu ter pressionado o Ministério Público para forçar a sua reabertura e não foi demitido das suas funções. Em Lisboa, a Governadora Civil continua ainda hoje convencida de que tem poderes para autorizar e proibir manifestações, ao ponto de, na passada semana, ter pretendido proibir uma vigília de agricultores em frente à Assembleia da República, com argumentos tão caricatos como o de que a montagem simbólica de tendas só poderia ser autorizada em parques de campismo.

É um facto indesmentível que a repressão exercida pelo Governo contra o direito de associação dos militares, só não é uma vergonha nacional porque já ultrapassou as fronteiras e se tornou uma vergonha internacional, condenada publicamente por associações representativas de militares de quase toda a Europa.

Perante o justo descontentamento das associações representativas dos militares contra medidas lesivas dos seus direitos, o Governo desencadeou uma acção de intimidação e de repressão selectiva que já se traduziu em mais de 100 dias de prisão disciplinar contra dirigentes associativos. Há mesmo unidades militares que adoptaram mesmo regulamentos de visita a militares em cumprimento de pena de detenção nas suas instalações com um conteúdo no mínimo indecoroso e humilhante para os detidos e os seus visitantes.

Para além disso, o Governo não hesitou em aprovar um estatuto dos dirigentes associativos militares destinado a liquidar na prática a liberdade de associação e não se coibiu de legislar para impedir os tribunais administrativos de apreciar as violações de direitos fundamentais cometidas contra militares, designadamente quando esteja em causa a aplicação de medidas privativas de liberdade.

É um facto indesmentível que a ofensiva governamental em matéria de Justiça e de Administração Interna constitui um gravíssimo atentado contra princípios fundamentais do Estado de Direito Democrático. O direito à Justiça continua a ser negado aos cidadãos de menores recursos, por via de um regime iníquo de acesso ao direito, de custas judiciais incomportáveis e de uma morosidade insuportável do funcionamento da Justiça.

As recentes alterações ao Código de Processo Penal, que constituíram a mais emblemática trapalhada da aplicação do Pacto do Bloco Central para a Justiça, vieram criar dificuldades quase insuperáveis à investigação do crime organizado, contribuindo ainda mais para a impunidade dos poderosos perante o sistema de justiça.

É um facto indesmentível que as pressões intoleráveis sobre a independência do poder judicial e contra a autonomia do Ministério Público, têm vindo a acentuar-se. A definição das prioridades de política criminal que deveria competir ao Ministério Público, foi governamentalizada por lei. As alterações propostas à Lei de Segurança Interna e à Lei de Organização da Investigação Criminal apontam claramente para a desvalorização da Polícia Judiciária enquanto corpo superior de polícia criminal e para a introdução de uma promiscuidade inaceitável entre funções de segurança interna e de investigação criminal.

É um facto indesmentível que a pretendida criação do cargo de secretário-geral do Sistema de Segurança Interna, da confiança directa do Primeiro-Ministro, com funções de coordenação, controlo e comando operacional de todas as forças e serviços de segurança, constituirá um passo gravíssimo e sem precedentes na governamentalização da investigação criminal e na criação de um perigosíssimo estado policial.

Com a criação do Sistema Integrado de Segurança Interna, com a fusão dos Serviços do Sistema de Informações da República, que continuam isentos de qualquer fiscalização credível, com a ofensiva insidiosa visando legalizar a prática das escutas telefónicas fora da investigação criminal, com a acentuação das características militares da GNR, e com os passos que vão sendo dados para pôr em causa a independência dos juízes e a autonomia do Ministério Público, os portugueses começam a estar confrontados com um Estado cada vez mais policial e menos judicial, onde os cidadãos são cada vez mais vigiados e controlados, sem que tenham meios para fazer valer o seu direitos perante a Justiça.

É um facto indesmentível que as limitações à liberdade de imprensa têm vindo a agravar-se. A concentração dos meios de comunicação social num reduzido núcleo de grupos económicos e a aviltante precariedade dos vínculos contratuais dos jornalistas e as recentes alterações ao seu Estatuto,  constituem factores incontornáveis de limitação da liberdade de expressão e criação dos jornalistas e do direito de todos os portugueses a informar e a serem informados sem impedimentos nem discriminações.

É um facto indesmentível que o aparelho de Estado se tornou alvo da voracidade das clientelas políticas do PS. O caso do processo disciplinar interposto pela DREN contra o professor Fernando Charrua, com total apoio do Governo e das estruturas do PS, com base num acto miserável de delação, foi um caso elucidativo do estado a que as coisas chegaram. Tal como o foram também os casos da demissão e nomeação de directores no Centro de Saúde de Vieira do Minho devido à afixação de um cartaz com um artigo do Ministro da Saúde, e como o são as inúmeras nomeações sem concurso e os gastos discricionários com estudos, consultorias, subsídios e outras prebendas, com que os diversos membros do Governo presenteiam os seus amigos políticos, instalando no pais um clima de falta de transparência, de nepotismo e de compadrio, que escarnece dos sacrifícios que são impostos à esmagadora maioria dos portugueses.

Estes exemplos, que constituem sérios indícios de degenerescência do nosso regime democrático, poderiam infelizmente multiplicar-se. No seu conjunto, constituem uma ameaça ao próprio regime, cada vez mais descredibilizado aos olhos dos cidadãos.

O Governo do PS não pode deixar de ser responsabilizado por este estado de coisas. Os ataques à democracia política a que quotidianamente assistimos, claramente ofensivos do quadro constitucional democrático, servem a consolidação do domínio crescente do poder económico sobre todas as esferas da vida social e têm como objectivo imediato manter o PS no poder, ainda que à custa da prepotência, do autoritarismo e da instrumentalização do Estado para combater todos os que ousem contestar as suas políticas.

Já estamos habituados a que o PS, perante a nossa legítima preocupação com o estado da democracia, diga que não recebe lições de democracia de ninguém. Mas perante factos indesmentíveis, essa prosápia não vale rigorosamente nada. Essa arrogância retórica, essa atitude perante a vida, é própria de quem confunde o mundo com o seu próprio umbigo.

Nós recebemos lições. Recebemos lições da vida, dos portugueses que sofrem, que não se resignam e que lutam por uma vida melhor, enfrentando adversidades e lutando contra as prepotências e as injustiças.

É ao lado desses portugueses que estamos. É a esses portugueses que queremos dar voz com esta Interpelação ao Governo. É por estes portugueses e com estes portugueses que o PCP continua a lutar pela qualidade da democracia e para que os direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos sejam respeitados, como devem ser num Estado de Direito Democrático.

Disse. 



 

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