Partido Comunista Portugu�s
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Comemoração do 21º Aniversário da Constituição-Intervenção do Deputado Luís
Quarta, 02 Abril 1997

Senhor Presidente da República,
Senhor Presidente da Assembleia da República,
Senhores Deputados:

 

Comemoramos hoje 21 anos da aprovação da nossa Lei Fundamental. Aprovada na Assembleia Constituinte por Deputados que aqui saudamos. Mas escrita também nas ruas, nas fábricas e nos campos, nos escritórios e nas empresas, nas escolas, nas prisões, na clandestinidade e no exílio. A todos os que participaram dessa forma na escrita da Constituição da República Portuguesa queremos também saudar e apresentar a homenagem do Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português.
Esta é a Lei Fundamental da liberdade conquistada, da promessa da igualdade real de direitos e de estatuto. Acusam-na de ter "marcas semânticas" do 25 de Abril. Ainda bem que as tem. Não há muitas maneiras de dizer sonho e liberdade, participação e igualdade, democracia no país e no quotidiano, direito à educação, à saúde, a reformas dignas, ao ambiente, à habitação, numa palavra, direito à dignidade de cada um e de todo um país.


Alguns querem, a pretexto do consenso e da modernidade, uma Constituição mínima, da família das Constituições liberais do século XIX. Nós respondemos que a modernidade consiste em garantir os direitos e as conquistas obtidas no penoso caminho das lutas dos povos. Um caminho que permitiu incorporar mais e mais direitos fundamentais e somar aos direitos, liberdades e garantias clássicos os direitos dos trabalhadores e os direitos sociais, os direitos de participação, os chamados "novos direitos", como o ambiente. Aqui reafirmam os que todos estes direitos devem ser levados à prática. É a política dos governos que se deve conformar com a Lei Fundamental e não a Constituição que deve ser reescrita de acordo com as orientações de direita dos governos que a violam.


A Lei Fundamental pode ser o campo da liberdade e de um projecto transformador e de desenvolvimento de um país, que não confunde abertura à Europa e ao mundo com dependência e abdicação face ao neoliberalismo e a centros burocráticos instrumentalizados pelas multinacionais. Definitivamente, somos parte de um povo que não quer a terra de que falava o médico do Ensaio Sobre a Cegueira de Saramago: "Somos feitos metade de indiferença, metade de ruindade". Queremos antes um país livre e de gente livre, em que haja campo para expandir a generosidade e solidariedade. Um país em que o humanismo esteja no centro das preocupações dominantes. Um país de empregos dignos, de trabalho com direitos, de representação eleitoral justa, de Poder Local forte e democrático.


Comemorar a Constituição não é apenas lembrar os caminhos percorridos e os caminhos prometidos. É também ponderar o momento que vivemos e o que está preparado para nos ser imposto. Digamos claramente: o espírito da Constituição, que aponta para uma democracia aberta, real e plural, aparece negado pelo conteúdo e pela forma do acordo com que o PS e o PSD pretendem condicionar a revisão constitucional. Digamos ainda mais claramente: o debate público e aberto, o confronto de ideias e o pluralismo, que constituem das mais importantes potencialidades dos parlamentos, foram substituídos pela interrupção de 100 dias do funcionamento da Comissão Eventual de Revisão Constitucional e por acordos secretos de restritos directórios partidários. Secretos para deputados dos outros partidos, secretos para a opinião pública, secretos porventura para muitos deputados dos próprios partidos que estabeleceram o acordo. Nem a dignidade da Assembleia da República, nem dos deputados, nem da vida política, saíram favorecidas com esta vergonhosa operação negocial. Muito menos poderemos concordar com muitas das alterações acordadas. Apenas alguns exemplos. É desvirtuar a ideia de Constituição remeter para leis ordinárias aspectos centrais do sistema político, como o sistema eleitoral da Assembleia da República e das câmaras municipais. É igualmente inadmissível, entre outros aspectos, pretender atentar contra a proporcionalidade da conversão de votos em mandatos prejudicando a representação de partidos, regiões, sectores e camadas sociais que assim ficam mais longe dos deputados e do parlamento; liquidar o pluralismo das câmaras; limitar direitos dos trabalhadores; adulterar o actual modelo de Estado unitário com regiões autónomas, afectando também o estatuto do Presidente da República.


Sabemos todos igualmente que foi estabelecido um acordo entre o PS, o PSD e o PP para criar dificuldades ou mesmo impossibilitar a regionalização. Denunciamos o manobrismo da proclamação de datas para instituir as regiões por quem fez acordos para adiar, dificultar ou mesmo impossibilitar esse objectivo. Os mesmos que proclamaram que os deputados e o referendo orgânico dos municípios do País não teriam legitimidade para instituir as regiões pretendem inviabilizar a alteração da Constituição que permitiria o referendo sobre a Moeda Única, uma das transformações com mais consequências para o nosso futuro colectivo. Nesta matéria, parece que já não se colocaria a questão da falta de legitimidade política da Assembleia para decidir.


Em relação a estas e outras alterações negativas da Constituição não vale o argumento que já foi usado de que, apesar de tudo, com o que sobraria após a revisão, continuaríamos a ter uma boa Lei Fundamental. O que é importante é que cada alteração negativa acordada interpela-nos e responsabiliza cada um de nós e não pode ser branqueada.
Uma Constituição vale na medida em que seja uma Constituição viva e para ser vivida, para ser invocada no dia a dia, para servir de protecção aos que mais dela carecem e ser a Carta a seguir no exercício do poder e na luta por alternativas.
Esta é a Constituição que queremos viva e vivida. Não é certamente intocável. Poderia ser aqui e ali aperfeiçoada. O que não deve é ser empobrecida e degradada.
Não faz sentido elogiar a Constituição e estar quase em regime de revisão ou pré-revisão contínua de aspectos fundamentais e que a degradam.
Não é aprofundar a democracia representativa deixar mais eleitores em mais círculos com uma menor ou com nenhuma representação na Assembleia da República.
Não é favorecer a descentralização dificultar a criação das regiões administrativas e tornar as câmaras menos democráticas e plurais.


Não é contribuir para a transparência negociar secretamente e nos bastidores um acordo que tenta confiscar a capacidade real do Parlamento decidirem debate aberto.
O combate, porém, não terminará aqui. O PCP e o seu Grupo Parlamentar continuarão a luta pela liberdade e os direitos fundamentais, por uma democracia genuína, de conjugação da representação política justa e proporcional com a participação e a democracia directa, de concretização da democracia económica, social e cultural.
Faremos uso de todos e cada um dos direitos que a Constituição consagra. No combate político geral e no combate pela própria Constituição.