Sobre a indústria aeronáutica portuguesa
Intervenção de João Lopes
Camaradas,
Em nome da Célula do PCP na Ogma saúdo-vos, e por vosso
intermédio, o Partido.
Não há país desenvolvido, ou país que o queira ser, que não
tenha indústria aeronáutica.
A exiguidade da indústria aeronáutica portuguesa é um de
muitos sintomas do nosso atraso em relação aos países europeus mais próximos.
Por indústria aeronáutica define-se todas as actividades
económicas ligadas à manutenção, fabricação, e projecto de componentes
aeronáuticos.
Em Portugal há apenas duas grandes empresas de manutenção: A
TAP e a Ogma.
Apenas uma de fabricação: A Ogma.
E nenhuma onde se faça projecto aeronáutico, apesar de
várias tentativas levadas a cabo nesta última.
A Ogma cresceu com as necessidades de manutenção e reparação
da Força Aérea Portuguesa. Aprenderam-se novas competências ao longo dos anos.
O negócio da manutenção cresceu para a manutenção de aviões civis. A
necessidade de fabricar componentes de substituição na manutenção levou à
criação do ramo de negócio da fabricação.
Na fabricação aprenderam-se novas tecnologias como o fabrico
de materiais compósitos.
No entanto a Ogma não cresceu como deveria ter crescido.
Esta empresa deslizou na cadeia de valor da fabricação.
Muitos dos concorrentes da Ogma na fabricação são empresas
com vinte ou trinta anos de antiguidade.
Muitos dos grandes fabricantes aeronáuticos são empresas com
meio século ou menos de antiguidade.
São empresas que começando mais tarde do que a Ogma,
conseguiram crescer na cadeia de valor, mantendo a sua competitividade.
Apesar da qualidade e dedicação da mão-de-obra da Ogma,
apesar dos progressos alcançados, a história desta empresa, sem desvalorizar o
muito que foi feito, é também uma história de oportunidades perdidas, cujos
responsáveis não são outros senão os sucessivos Governos que antes e depois do
25 de Abril tutelaram a Ogma.
Esta empresa continua demasiado dependente das
contrapartidas de material comprado pela Força Aérea Portuguesa.
Aqui é preciso fazer um alerta:
Tem sido regra, o Estado gastar muitos milhões de euros na
aquisição de material para a sua Força Aérea com a perspectiva de
contrapartidas para a indústria portuguesa resultantes dessas compras. O que tem
acontecido é que se o dinheiro gasto pelo Estado é certo, o volume em dinheiro
das contrapartidas não é cumprido na sua totalidade.
Não temos dados para quantificar estes desvios mas estamos
certos que há muitos milhões de euros de volume de negócio que deveriam ter
chegado à indústria portuguesa, que não chegaram.
Fazemos uma referência especial à questão da manutenção dos
helicópteros EH-101.
Essa manutenção deve ser feita na Ogma, pois faz parte do
acordo de contrapartidas. No entanto o fabricante destes helicópteros a empresa
Agusta-Westland quer criar em Portugal uma empresa sua para fazer a manutenção
destes helicópteros. Assim esta empresa ganha duas vezes: Pela venda dos helicópteros
e pelo negócio de manutenção que fica para si.
Reforçamos que este negócio deve vir para a Ogma. Qualquer
outra solução implica a criação de capacidade de equipamentos e formação e
certificação de recursos humanos já existente na Ogma.
Os sucessivos Governos têm responsabilidades na situação da
Ogma porque os projectos aeronáuticos são projectos estatais. E isto é verdade
para empresas aeronáuticas públicas ou privadas.
São os Governos que negoceiam verbas na União Europeia para
os investimentos nacionais. São os Governos que elaboram os orçamentos
nacionais e definem os investimentos da Administração Central nos seus países.
Sem a criação destas políticas públicas não há investimento
aeronáutico, seja público, seja privado.
Se há muitas décadas atrás tivesse havido esta percepção, se
se tivesse feito como fez a empresa espanhola CASA, a fabricar aviões sob
licença, para depois os começar a projectar, hoje poderia haver uma indústria
aeronáutica de manutenção, fabricação e projecto.
Décadas de desleixo culminaram com a entrega desta
insubstituível unidade industrial à brasileira Embraer.
A Ogma está agora dependente da estratégia da Embaer cujo
objectivo estratégico é ter em Portugal um centro de manutenção e reparação da
sua frota europeia de aviões.
A Embraer entrou na Ogma decidida a precarizar ao máximo as
relações laborais. Fez tábua rasa de todas as anteriores directivas que
consagravam os direitos dos trabalhadores.
Assinou com um sindicato colaborante um Acordo de Empresa
que não é mais do que o Código do Trabalho. Assinou com o mesmo sindicato um
Regulamento de Carreiras em que um desenhador e um motorista têm a mesma
categoria profissional, em que para a progressão na carreira, há um conjunto de
critérios em que todos são necessários para progredir, mas todos acumulados não
garantem a progressão. A administração coage os trabalhadores a assinarem
alterações de carreira, e manda-os para casa caso não assinem. É este, muito
sinteticamente o cenário laboral na Ogma.
O futuro desta empresa está dependente da estratégia da
Embraer na Europa. O Estado, com 35% do capital, pode fazer pouco e quer fazer
ainda menos.
Com a prevista privatização da TAP, não haverá empresas
maioritariamente públicas neste sector de actividade económica.
É este o resultado de décadas de políticas de direita.
Só com uma nova política assente na valorização do trabalho,
na posse pública das principais indústrias, na criação de mais valor
acrescentado, no projecto, na certificação, na marca, na patente, se poderá
perspectivar um futuro minimamente sustentável na nossa indústria, em especial
na indústria aeronáutica.
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