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Sobre a indústria aeronáutica portuguesa - Intervenção de João Lopes
Terça, 19 Junho 2007
Sobre a  indústria aeronáutica portuguesa
Intervenção de João Lopes

 

Camaradas,

 

Em nome da Célula do PCP na Ogma saúdo-vos, e por vosso intermédio, o Partido.

 

Não há país desenvolvido, ou país que o queira ser, que não tenha indústria aeronáutica.

A exiguidade da indústria aeronáutica portuguesa é um de muitos sintomas do nosso atraso em relação aos países europeus mais próximos.

 

Por indústria aeronáutica define-se todas as actividades económicas ligadas à manutenção, fabricação, e projecto de componentes aeronáuticos.

Em Portugal há apenas duas grandes empresas de manutenção: A TAP e a Ogma.

Apenas uma de fabricação: A Ogma.

E nenhuma onde se faça projecto aeronáutico, apesar de várias tentativas levadas a cabo nesta última.

 

A Ogma cresceu com as necessidades de manutenção e reparação da Força Aérea Portuguesa. Aprenderam-se novas competências ao longo dos anos. O negócio da manutenção cresceu para a manutenção de aviões civis. A necessidade de fabricar componentes de substituição na manutenção levou à criação do ramo de negócio da fabricação.

Na fabricação aprenderam-se novas tecnologias como o fabrico de materiais compósitos.

 

No entanto a Ogma não cresceu como deveria ter crescido. Esta empresa deslizou na cadeia de valor da fabricação.

Muitos dos concorrentes da Ogma na fabricação são empresas com vinte ou trinta anos de antiguidade.

Muitos dos grandes fabricantes aeronáuticos são empresas com meio século ou menos de antiguidade.

São empresas que começando mais tarde do que a Ogma, conseguiram crescer na cadeia de valor, mantendo a sua competitividade.

Apesar da qualidade e dedicação da mão-de-obra da Ogma, apesar dos progressos alcançados, a história desta empresa, sem desvalorizar o muito que foi feito, é também uma história de oportunidades perdidas, cujos responsáveis não são outros senão os sucessivos Governos que antes e depois do 25 de Abril tutelaram a Ogma.

 

Esta empresa continua demasiado dependente das contrapartidas de material comprado pela Força Aérea Portuguesa.

Aqui é preciso fazer um alerta:

Tem sido regra, o Estado gastar muitos milhões de euros na aquisição de material para a sua Força Aérea com a perspectiva de contrapartidas para a indústria portuguesa resultantes dessas compras. O que tem acontecido é que se o dinheiro gasto pelo Estado é certo, o volume em dinheiro das contrapartidas não é cumprido na sua totalidade.

Não temos dados para quantificar estes desvios mas estamos certos que há muitos milhões de euros de volume de negócio que deveriam ter chegado à indústria portuguesa, que não chegaram.

Fazemos uma referência especial à questão da manutenção dos helicópteros EH-101.

Essa manutenção deve ser feita na Ogma, pois faz parte do acordo de contrapartidas. No entanto o fabricante destes helicópteros a empresa Agusta-Westland quer criar em Portugal uma empresa sua para fazer a manutenção destes helicópteros. Assim esta empresa ganha duas vezes: Pela venda dos helicópteros e pelo negócio de manutenção que fica para si.

Reforçamos que este negócio deve vir para a Ogma. Qualquer outra solução implica a criação de capacidade de equipamentos e formação e certificação de recursos humanos já existente na Ogma.

 

Os sucessivos Governos têm responsabilidades na situação da Ogma porque os projectos aeronáuticos são projectos estatais. E isto é verdade para empresas aeronáuticas públicas ou privadas.

São os Governos que negoceiam verbas na União Europeia para os investimentos nacionais. São os Governos que elaboram os orçamentos nacionais e definem os investimentos da Administração Central nos seus países.

Sem a criação destas políticas públicas não há investimento aeronáutico, seja público, seja privado.

 

Se há muitas décadas atrás tivesse havido esta percepção, se se tivesse feito como fez a empresa espanhola CASA, a fabricar aviões sob licença, para depois os começar a projectar, hoje poderia haver uma indústria aeronáutica de manutenção, fabricação e projecto.

 

Décadas de desleixo culminaram com a entrega desta insubstituível unidade industrial à brasileira Embraer.

A Ogma está agora dependente da estratégia da Embaer cujo objectivo estratégico é ter em Portugal um centro de manutenção e reparação da sua frota europeia de aviões.

 

A Embraer entrou na Ogma decidida a precarizar ao máximo as relações laborais. Fez tábua rasa de todas as anteriores directivas que consagravam os direitos dos trabalhadores.

Assinou com um sindicato colaborante um Acordo de Empresa que não é mais do que o Código do Trabalho. Assinou com o mesmo sindicato um Regulamento de Carreiras em que um desenhador e um motorista têm a mesma categoria profissional, em que para a progressão na carreira, há um conjunto de critérios em que todos são necessários para progredir, mas todos acumulados não garantem a progressão. A administração coage os trabalhadores a assinarem alterações de carreira, e manda-os para casa caso não assinem. É este, muito sinteticamente o cenário laboral na Ogma.

 

O futuro desta empresa está dependente da estratégia da Embraer na Europa. O Estado, com 35% do capital, pode fazer pouco e quer fazer ainda menos.

Com a prevista privatização da TAP, não haverá empresas maioritariamente públicas neste sector de actividade económica.

É este o resultado de décadas de políticas de direita.

Só com uma nova política assente na valorização do trabalho, na posse pública das principais indústrias, na criação de mais valor acrescentado, no projecto, na certificação, na marca, na patente, se poderá perspectivar um futuro minimamente sustentável na nossa indústria, em especial na indústria aeronáutica.