Crítica à política dos sucessivos governos para a área
industrial
Intervenção de Fernando Sequeira (CAE - Comissão da indústria)
O título desta
intervenção, encerra em si mesmo um profundo equívoco, pois ao designar-se “ Crítica
à política dos sucessivos governos para a área industrial”, poderá fazer supor
que tem existido uma política industrial, e que portanto essa política
industrial é susceptível de ser criticada. O que não é verdade.
Todavia, devemos
interrogar-nos, sobre se efectivamente tem havido em Portugal, pelo menos nos
últimos 10/15 anos, uma política industrial, considerando desde já, por razões
metodológicas, que a existência de uma política industrial, pressupõe a
existência de objectivos coerentes claramente definidos e localizados no tempo,
meios e responsáveis pela sua concretização, com a missão de fortalecer e
melhorar o desempenho da indústria transformadora, naturalmente numa
perspectiva muito dinâmica de adaptação ao meio envolvente, potenciando as
nossas forças e atenuando as nossa fraquezas, e tudo, se possível, com a
maximização da utilização dos nossos recursos e energias internas.
Tendo em atenção
esta perspectiva, poderemos afirmar com muita segurança, que não tem havido em
Portugal qualquer política industrial digna desse nome, e tendo os sucessivos
governos, levado antes a cabo medidas avulsas, muitas delas profundamente
negativas, e outras potencialmente positivas, e, mesmo estas, muitas das vezes,
contraditórias entre si ou mal utilizadas.
Contudo, com um balanço
claramente negativo.
De entre as
medidas que podemos considerar, pelo menos em termos potenciais, como
positivas, deveremos destacar os fundos comunitários destinados à indústria, e
para aí veiculados durante mais de 20 anos.
A este respeito,
deveremos considerar duas fases distintas, a saber: uma primeira, desenvolvida
entre 1989 e 1999, de aplicação de um programa autónomo de incentivos à
indústria, o PEDIP, nas suas fases I e II.
A partir de 2000
e até aos dias de hoje, o PRIME/POE, em que a indústria, embora com um peso
significativo nesses programas, aparece diluída no meio de outros sectores de
actividade.
Os sistemas de
incentivos aplicados à indústria, podem-se considerar globalmente positivos,
embora apresentando uma eficácia reduzida face aos brutais valores envolvidos.
Trouxeram
melhorias significativas para diversas infra-estruturas de apoio à indústria
-designadamente nos domínios do apoio tecnológico e da qualidade, para além de
infra-estruturas de carácter horizontal.
Relativamente às
empresas, foram privilegiadas sobretudo as de média e grande dimensão, que foram
assim dotadas de melhor capacidade de organização e gestão e tecnológicas, de
conservação de energia e ambientais, incrementando assim, as suas produtividade
e competitividade em termos potenciais.
Os aspectos
marcadamente negativos das orientações governamentais, como que consubstanciam,
mais até do que a ausência de uma política industrial, quase que a existência
de uma política anti-industrial, embora gerida com grandes oscilações ao longo
do tempo mas sempre aplicada de forma coerente e persistente pelos sucessivos
governos.
Entre outros, são
aspectos constitutivos desta orientação anti-industrial:
- A doutrina da desmaterialização da
economia
- O protagonismo quase que
exclusivamente centrado nas empresas
- A evolução da organização da
Administração Pública associada à indústria
- O processo de privatizações
- Os apoios dados aos grupos
monopolistas nacionais
- Os apoios oferecidos ao
investimento estrangeiro
Vejamos com
algum detalhe cada um deles.
Primeiro
aspecto: Teses como a da emergência de uma sociedade pós-industrial e da tendência
para a desmaterialização da economia, associadas a abordagens pretensamente
ambientais, entre outras, desenvolvidas e propagandeadas pelos governos e por múltiplos
e diversificados fazedores de opinião, muitas e muitas das vezes de forma não
directa, levam a consciência social a desvalorizar e mesmo a rejeitar a
actividade industrial, a desvalorizar e mesmo a rejeitar o trabalho na
indústria.
Esta doutrina e
os seus perversos efeitos sobre os comportamentos das pessoas, conduzem a
posições como a da compra indiscriminada de produtos estrangeiros quando os há
nacionais de elevada qualidade, a da desvalorização social das profissões
directa ou indirectamente associadas à produção material, a da não procura de
profissões técnicas especializadas de nível intermédio, a da redução da oferta
e das inscrições em cursos de nível superior ligados às tecnologias e às
engenharias.
Trata-se
claramente de uma linha que nos conduz ao retrocesso técnico e social.
Segundo aspecto:
Dando como bom, no quadro das suas perspectivas
neo-liberais sobre a gestão da economia e em linha com as orientações da
UE, que ao Estado não caberá nenhum protagonismo, nem nenhuma intervenção
orientadora relativamente à actividade industrial, os sucessivos governos deram
todo o protagonismo às empresas e ao mercado, para que estes, pretensamente,
dinamizassem e modernizassem a indústria.
O que inevitavelmente
aconteceu, entre outras coisas, foi a reprodução do modelo baseado nos baixos
salários e na escassa incorporação tecnológica, a par de uma baixa eficácia na
aplicação dos fundos estruturais aplicados à indústria.
Felizmente que
existem excepções, mas estas não conseguem apagar a imagem global negativa do
sector, face à necessidade de desenvolvimento do país.
Terceiro
aspecto: A organização do Estado e da Administração Pública, também
reflecte a importância que os governos atribuem
efectivamente à indústria. De facto, enquanto até 1995, existia um ministério
da indústria autónomo, ou quando muito, associado à energia ou ao comércio, a
partir do XIII governo constitucional ( PS/ António Gueterres ) a indústria
passou para o nível de uma secretaria de Estado, diluída num super-ministério
da economia, e, posteriormente, no quadro da lei orgânica do actual governo
PS/Sócrates, a secretaria de Estado passou a ser simultaneamente da indústria e
da energia, portanto, com um enquadramento ainda mais desvalorizado para a
indústria.
Num outro plano,
este mais fino, e também demonstrativo desta tendência, temos o caso do IAPMEI
– Instituto de Apoio às Pequenas e Médias Empresas Industriais , criado em 1976
para apoiar as pequenas e médias empresas industriais, e cujo último I do
acrónimo, que significava, como notámos, exactamente, industriais, passou, a
partir de meados dos anos 90 do século passado, a significar investimento,
alargando o instituto a sua intervenção sectorial e passando portanto a dar
apoio a empresas de outros sectores para além da indústria, diluindo assim,
claramente, esta intervenção na sua actividade.
Com esta
crítica, não estamos, de forma alguma, antes pelo contrário, a desconsiderar a
importância do apoio a outros sectores da actividade económica. Pensamos porém,
que estes sectores deveriam estar
organizados autonomamente em termos do desenho da Administração Pública.
Quarto aspecto: O
processo de privatizações, servindo clara e inequivocamente os objectivos da
concentração, centralização e acumulação de capital e do reposicionamento
estratégico dos grupos monopolistas sedimentados ou emergentes, ajudou, e de
que maneira, a esvaziar o perfil de produção nacional da sua componente
industrial, devido à procura de novas áreas de interesse por parte destes, como
sejam a promoção imobiliária, a saúde, a gestão de infra-estruturas diversas e
ultimamente a energia, todas tendo em vista a um rápido e elevado retorno do
capital.
Para além destes
aspectos, tais grupos refugiam-se em actividades com nula ou reduzida
concorrência internacional, minimizando assim os riscos da sua actividade.
Evidentemente
que os sucessivos governos são os únicos responsáveis pelo início deste
processo. Quando hoje, por exemplo, choram lágrimas de crocodilo pela
destruição da antiga Sorefame, a responsabilidade principal não é da
Bombardier, mas antes do governo, que, lá atrás, privatizou a Sorefame.
Quinto aspecto: Os
apoios governamentais dados aos grupos monopolistas nacionais e às suas
estratégias de investimento, quase sempre em áreas exteriores à indústria, são
um aspecto complementar desta política anti-industrial.
Nesta abordagem,
cabe recordar o já histórico e paradigmático aspecto do processo de
reconstituição capitalista, desencadeado após o 25 de Abril, em que o primeiro
sector por onde o grande capital reentrou, após a aprovação da lei de delimitação
de sectores, foi a banca e os seguros.
Sexto aspecto: Quanto
ao apoio ao investimento estrangeiro, deixemos aqui uma nota sobre o papel da
Agência Portuguesa de Investimento. Esta, que absorveu competências do ICEP, da
IPE e do IAPMEI, é, no fundamental, um facilitador da concretização das
intenções de investimento em médios e grandes projectos do grande capital
nacional e internacional, de acordo com as suas próprias estratégias, não
inseridas em qualquer política industrial e raramente coincidentes com os
interesses de desenvolvimento da país.
Mesmo que de
forma muito breve, julgamos ter acabado de demonstrar a existência de uma
política anti-industrial. E não se venha dizer que estas orientações e esta
prática política, decorrem exclusiva ou dominantemente de orientações
comunitárias. Na mesma EU, outros países, muitos deles de dimensão e peso
político comparável a Portugal, têm prosseguido orientações na área industrial
muito diferentes e por vezes até opostas.
A ausência de
promoção da indústria transformadora pelos sucessivos governos, designadamente
na sua harmoniosa integração com as potencialidades do sector primário,
consubstanciada na ausência de uma política industrial, tem a sua tradução,
pelo menos em dois aspectos interligados, a saber:
- Na continuada perda de peso do
produto industrial
- Na evolução muito pouco favorável
do nosso perfil industrial
Vejamos cada um
destes aspectos de per si.
Embora a perda
de peso da indústria transformadora no produto interno, constitua uma tendência
das economias mais modernas e desenvolvidas, devido ao natural crescimento do
terciário, verifica-se que a indústria nos países mais desenvolvidos, continua
a ser base de criação de riqueza de forma sustentada.
Em Portugal, o
ritmo a que tem tido lugar a taxa de perda do produto industrial no PIB, é,
para os últimos vinte anos, quase 70 % superior aos dos seus parceiros da
EU_15. Se no final da década de 70, representava cerca de 30 % do produto
nacional, no final da década de 80 já representava 28,5 %, para no final da
década de 90 baixar para os 18 % e actualmente não ultrapassar os 17 %. Tudo
isto conduziu a que, só entre 1996 e 2004, tenham abandonado a área industrial
cerca de 170 mil trabalhadores.
Relativamente ao
perfil industrial, o que verificamos, é que até há relativamente pouco tempo,
para além da perda de peso no produto, a indústria portuguesa apresentava um
perfil de especialização ainda desvalorizado e sem alterações de monta nos
últimos anos. Apenas nos últimos cinco anos, se verifica uma ligeira melhoria,
entendida na perspectiva do perfil de especialização dos produtos exportados.
Fraca evolução,
se entretanto pensarmos nos cerca de 6 mil milhões de euros de apoios
comunitários específicos para a indústria, concretizados entre 1986 e 2005.
Ainda sobre a
evolução do peso da indústria transformadora no quadro da economia nacional, é
muito interessante verificar da enorme perda de posicionamento das empresas
industriais, particularmente das grandes e médias - no passado muitas eram
públicas- no posicionamento nas listagens anuais das 500 e 1000 maiores
empresas, publicadas pelos principais órgãos de comunicação escrita.
Trata-se de uma
perda simplesmente aterradora.
Finalmente, e
sem prejuízo do desenvolvimento que este tema terá noutras intervenções,
gostaríamos de reafirmar aqui, que uma indústria transformadora moderna,
competitiva e crescentemente geradora de riqueza, é fundamental à
sustentabilidade do crescimento económico e do desenvolvimento do país.
A indústria
transformadora é, ainda, uma componente essencial ao exercício da soberania,
pois que constitui, uma base única da produção de bens materiais, bens crescentemente
diversificados, complexos desenvolvidos e transaccionáveis, que podem
satisfazer parte significativa das necessidades internas e bem assim,
contribuir para o equilíbrio da balança comercial e de alguns serviços.
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