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Crítica à política dos sucessivos governos para a área industrial - Intervenção de Fernando Sequeira
Terça, 19 Junho 2007

Crítica à política dos sucessivos governos para a área industrial
Intervenção de Fernando Sequeira (CAE - Comissão da indústria)


O título desta intervenção, encerra em si mesmo um profundo equívoco, pois ao designar-se “ Crítica à política dos sucessivos governos para a área industrial”, poderá fazer supor que tem existido uma política industrial, e que portanto essa política industrial é susceptível de ser criticada. O que não é verdade.

Todavia, devemos interrogar-nos, sobre se efectivamente tem havido em Portugal, pelo menos nos últimos 10/15 anos, uma política industrial, considerando desde já, por razões metodológicas, que a existência de uma política industrial, pressupõe a existência de objectivos coerentes claramente definidos e localizados no tempo, meios e responsáveis pela sua concretização, com a missão de fortalecer e melhorar o desempenho da indústria transformadora, naturalmente numa perspectiva muito dinâmica de adaptação ao meio envolvente, potenciando as nossas forças e atenuando as nossa fraquezas, e tudo, se possível, com a maximização da utilização dos nossos recursos e energias internas.

Tendo em atenção esta perspectiva, poderemos afirmar com muita segurança, que não tem havido em Portugal qualquer política industrial digna desse nome, e tendo os sucessivos governos, levado antes a cabo medidas avulsas, muitas delas profundamente negativas, e outras potencialmente positivas, e, mesmo estas, muitas das vezes, contraditórias entre si ou mal utilizadas.

Contudo, com um balanço claramente negativo.

De entre as medidas que podemos considerar, pelo menos em termos potenciais, como positivas, deveremos destacar os fundos comunitários destinados à indústria, e para aí veiculados durante mais de 20 anos.

A este respeito, deveremos considerar duas fases distintas, a saber: uma primeira, desenvolvida entre 1989 e 1999, de aplicação de um programa autónomo de incentivos à indústria, o PEDIP, nas suas fases I e II.

A partir de 2000 e até aos dias de hoje, o PRIME/POE, em que a indústria, embora com um peso significativo nesses programas, aparece diluída no meio de outros sectores de actividade.

Os sistemas de incentivos aplicados à indústria, podem-se considerar globalmente positivos, embora apresentando uma eficácia reduzida face aos brutais valores envolvidos.

Trouxeram melhorias significativas para diversas infra-estruturas de apoio à indústria -designadamente nos domínios do apoio tecnológico e da qualidade, para além de infra-estruturas de carácter horizontal.

Relativamente às empresas, foram privilegiadas sobretudo as de média e grande dimensão, que foram assim dotadas de melhor capacidade de organização e gestão e tecnológicas, de conservação de energia e ambientais, incrementando assim, as suas produtividade e competitividade em termos potenciais.

Os aspectos marcadamente negativos das orientações governamentais, como que consubstanciam, mais até do que a ausência de uma política industrial, quase que a existência de uma política anti-industrial, embora gerida com grandes oscilações ao longo do tempo mas sempre aplicada de forma coerente e persistente pelos sucessivos governos.

Entre outros, são aspectos constitutivos desta orientação anti-industrial:

            - A doutrina da desmaterialização da economia

            - O protagonismo quase que exclusivamente centrado nas empresas

            - A evolução da organização da Administração Pública associada à indústria

            - O processo de privatizações

            - Os apoios dados aos grupos monopolistas nacionais

            - Os apoios oferecidos ao investimento estrangeiro

Vejamos com algum detalhe cada um deles.

Primeiro aspecto: Teses como a da emergência de uma sociedade pós-industrial e da tendência para a desmaterialização da economia, associadas a abordagens pretensamente ambientais, entre outras, desenvolvidas e propagandeadas pelos governos e por múltiplos e diversificados fazedores de opinião, muitas e muitas das vezes de forma não directa, levam a consciência social a desvalorizar e mesmo a rejeitar a actividade industrial, a desvalorizar e mesmo a rejeitar o trabalho na indústria.

Esta doutrina e os seus perversos efeitos sobre os comportamentos das pessoas, conduzem a posições como a da compra indiscriminada de produtos estrangeiros quando os há nacionais de elevada qualidade, a da desvalorização social das profissões directa ou indirectamente associadas à produção material, a da não procura de profissões técnicas especializadas de nível intermédio, a da redução da oferta e das inscrições em cursos de nível superior ligados às tecnologias e às engenharias.

Trata-se claramente de uma linha que nos conduz ao retrocesso técnico e social.

Segundo aspecto: Dando como bom, no quadro das suas perspectivas  neo-liberais sobre a gestão da economia e em linha com as orientações da UE, que ao Estado não caberá nenhum protagonismo, nem nenhuma intervenção orientadora relativamente à actividade industrial, os sucessivos governos deram todo o protagonismo às empresas e ao mercado, para que estes, pretensamente, dinamizassem e modernizassem a indústria.

O que inevitavelmente aconteceu, entre outras coisas, foi a reprodução do modelo baseado nos baixos salários e na escassa incorporação tecnológica, a par de uma baixa eficácia na aplicação dos fundos estruturais aplicados à indústria.

Felizmente que existem excepções, mas estas não conseguem apagar a imagem global negativa do sector, face à necessidade de desenvolvimento do país.

Terceiro aspecto: A organização do Estado e da Administração Pública, também reflecte  a importância que os governos atribuem efectivamente à indústria. De facto, enquanto até 1995, existia um ministério da indústria autónomo, ou quando muito, associado à energia ou ao comércio, a partir do XIII governo constitucional ( PS/ António Gueterres ) a indústria passou para o nível de uma secretaria de Estado, diluída num super-ministério da economia, e, posteriormente, no quadro da lei orgânica do actual governo PS/Sócrates, a secretaria de Estado passou a ser simultaneamente da indústria e da energia, portanto, com um enquadramento ainda mais desvalorizado para a indústria.

Num outro plano, este mais fino, e também demonstrativo desta tendência, temos o caso do IAPMEI – Instituto de Apoio às Pequenas e Médias Empresas Industriais , criado em 1976 para apoiar as pequenas e médias empresas industriais, e cujo último I do acrónimo, que significava, como notámos, exactamente, industriais, passou, a partir de meados dos anos 90 do século passado, a significar investimento, alargando o instituto a sua intervenção sectorial e passando portanto a dar apoio a empresas de outros sectores para além da indústria, diluindo assim, claramente, esta intervenção na sua actividade.

Com esta crítica, não estamos, de forma alguma, antes pelo contrário, a desconsiderar a importância do apoio a outros sectores da actividade económica. Pensamos porém, que  estes sectores deveriam estar organizados autonomamente em termos do desenho da Administração Pública.

Quarto aspecto: O processo de privatizações, servindo clara e inequivocamente os objectivos da concentração, centralização e acumulação de capital e do reposicionamento estratégico dos grupos monopolistas sedimentados ou emergentes, ajudou, e de que maneira, a esvaziar o perfil de produção nacional da sua componente industrial, devido à procura de novas áreas de interesse por parte destes, como sejam a promoção imobiliária, a saúde, a gestão de infra-estruturas diversas e ultimamente a energia, todas tendo em vista a um rápido e elevado retorno do capital.

Para além destes aspectos, tais grupos refugiam-se em actividades com nula ou reduzida concorrência internacional, minimizando assim os riscos da sua actividade.

Evidentemente que os sucessivos governos são os únicos responsáveis pelo início deste processo. Quando hoje, por exemplo, choram lágrimas de crocodilo pela destruição da antiga Sorefame, a responsabilidade principal não é da Bombardier, mas antes do governo, que, lá atrás, privatizou a Sorefame.

Quinto aspecto: Os apoios governamentais dados aos grupos monopolistas nacionais e às suas estratégias de investimento, quase sempre em áreas exteriores à indústria, são um aspecto complementar desta política anti-industrial.

Nesta abordagem, cabe recordar o já histórico e paradigmático aspecto do processo de reconstituição capitalista, desencadeado após o 25 de Abril, em que o primeiro sector por onde o grande capital reentrou, após a aprovação da lei de delimitação de sectores, foi a banca e os seguros.

Sexto aspecto: Quanto ao apoio ao investimento estrangeiro, deixemos aqui uma nota sobre o papel da Agência Portuguesa de Investimento. Esta, que absorveu competências do ICEP, da IPE e do IAPMEI, é, no fundamental, um facilitador da concretização das intenções de investimento em médios e grandes projectos do grande capital nacional e internacional, de acordo com as suas próprias estratégias, não inseridas em qualquer política industrial e raramente coincidentes com os interesses de desenvolvimento da país.

Mesmo que de forma muito breve, julgamos ter acabado de demonstrar a existência de uma política anti-industrial. E não se venha dizer que estas orientações e esta prática política, decorrem exclusiva ou dominantemente de orientações comunitárias. Na mesma EU, outros países, muitos deles de dimensão e peso político comparável a Portugal, têm prosseguido orientações na área industrial muito diferentes e por vezes até opostas.

A ausência de promoção da indústria transformadora pelos sucessivos governos, designadamente na sua harmoniosa integração com as potencialidades do sector primário, consubstanciada na ausência de uma política industrial, tem a sua tradução, pelo menos em dois aspectos interligados, a saber:

            - Na continuada perda de peso do produto industrial

            - Na evolução muito pouco favorável do nosso perfil industrial

Vejamos cada um destes aspectos de per si.

Embora a perda de peso da indústria transformadora no produto interno, constitua uma tendência das economias mais modernas e desenvolvidas, devido ao natural crescimento do terciário, verifica-se que a indústria nos países mais desenvolvidos, continua a ser base de criação de riqueza de forma sustentada.

Em Portugal, o ritmo a que tem tido lugar a taxa de perda do produto industrial no PIB, é, para os últimos vinte anos, quase 70 % superior aos dos seus parceiros da EU_15. Se no final da década de 70, representava cerca de 30 % do produto nacional, no final da década de 80 já representava 28,5 %, para no final da década de 90 baixar para os 18 % e actualmente não ultrapassar os 17 %. Tudo isto conduziu a que, só entre 1996 e 2004, tenham abandonado a área industrial cerca de 170 mil trabalhadores.

Relativamente ao perfil industrial, o que verificamos, é que até há relativamente pouco tempo, para além da perda de peso no produto, a indústria portuguesa apresentava um perfil de especialização ainda desvalorizado e sem alterações de monta nos últimos anos. Apenas nos últimos cinco anos, se verifica uma ligeira melhoria, entendida na perspectiva do perfil de especialização dos produtos exportados.

Fraca evolução, se entretanto pensarmos nos cerca de 6 mil milhões de euros de apoios comunitários específicos para a indústria, concretizados entre 1986 e 2005.

Ainda sobre a evolução do peso da indústria transformadora no quadro da economia nacional, é muito interessante verificar da enorme perda de posicionamento das empresas industriais, particularmente das grandes e médias - no passado muitas eram públicas- no posicionamento nas listagens anuais das 500 e 1000 maiores empresas, publicadas pelos principais órgãos de comunicação escrita.

Trata-se de uma perda simplesmente aterradora.

Finalmente, e sem prejuízo do desenvolvimento que este tema terá noutras intervenções, gostaríamos de reafirmar aqui, que uma indústria transformadora moderna, competitiva e crescentemente geradora de riqueza, é fundamental à sustentabilidade do crescimento económico e do desenvolvimento do país.

A indústria transformadora é, ainda, uma componente essencial ao exercício da soberania, pois que constitui, uma base única da produção de bens materiais, bens crescentemente diversificados, complexos desenvolvidos e transaccionáveis, que podem satisfazer parte significativa das necessidades internas e bem assim, contribuir para o equilíbrio da balança comercial e de alguns serviços.