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Tratado de Lisboa
Quarta, 02 Julho 2008
Em intervenção na AR, Honório Novo, referindo-se à vitória do não ao Tratado de Lisboa no referendo Irlandês defendeu que é obrigatório que «se respeitem os resultados do único referendo realizado (...) e que se respeite o actual quadro jurídico comunitário que só admite a ratificação dos tratados quando feita por unanimidade", pelo que "o Tratado de Lisboa está juridicamente morto (...) e por isso mesmo o processo de ratificação deve ser suspenso».  

 

 

Debate sobre o ponto da situação da ratificação do "Tratado de Lisboa"

Intervenção de Honório Novo na AR 

 

 

Sr. Presidente,

Sr. Ministro,

O senhor voltou a colocar aqui a tónica na pretensa confluência de interesses contraditórios e opostos contra o Tratado de Lisboa.

Ora, gostava que me dissesse em qual destas partes o senhor coloca os irlandeses.

Convinha que todos percebêssemos onde é que o senhor coloca o povo irlandês, em que zona destes interesses o coloca!?

O senhor faz lembrar aqueles que invocaram - aliás, já nesta Casa, colegas da bancada que o apoiam - pretextos fáceis para explicar o «não». Por exemplo, que os irlandeses votaram «não» com medo do aborto.

Ó Sr. Ministro, eu não queria forçar a nota, nem se ofenda que lhe diga que em termos populares eles votaram «não» porque tiveram medo do «aborto do Tratado de Lisboa», esse, sim, o verdadeiro «fantasma» que deve ter assustado os irlandeses!

Sr. Ministro, a questão que se coloca é perceber por que razão os senhores se recusam a aceitar o óbvio: que as pessoas votaram «não» porque estão contra o Tratado e que a única opção clara que a União Europeia e o Governo português deviam assumir seria a de fechar este ciclo, repensar a situação e partir para novas orientações. Essa, sim, deveria ser uma opção válida.

Mas os senhores agem como Pilatos: entregam e endossam à Irlanda a responsabilidade de resolver o problema - o cinismo é absolutamente inaceitável, Sr. Ministro! -, como se agora o problema criado pelo «não» irlandês fosse um problema dos irlandeses. Não! É um problema dos europeus, é um problema nosso e não dos irlandeses!

Com este acto de endossar, os senhores estão à espera de quê, Sr. Ministro? Vou colocar-lhe algumas hipóteses. Estão à espera que a Irlanda proponha uma nova conferência governamental, que proponha um novo texto para o Tratado? Estão à espera que a Irlanda anuncie a saída da União Europeia? Estão à espera que a Irlanda mude a Constituição e ratifique no Parlamento o Tratado de Lisboa? Estão à espera que a Irlanda volte a fazer referendos até que a resposta venha a ser um «sim» conforme os senhores desejam?

Estão à espera de quê? Estão à espera que a Irlanda resolva e ceda à chantagem? É disto que os senhores estão à espera, Sr. Ministro?!

(...)

Senhor Presidente

Senhores Membros do Governo

Senhoras Deputadas e Senhores Deputados

 

Manda o "não" irlandês que se respeitem os resultados do único referendo realizado sobre o Tratado de Lisboa e que se respeite o actual quadro jurídico comunitário que só admite a ratificação dos tratados quando feita por unanimidade.

 

O Tratado de Lisboa está juridicamente morto. Porque houve um Estado-membro - por acaso o único onde os cidadãos foram chamados a dar opinião - que disse "não" ao Tratado.

 

Por isso mesmo o processo de ratificação deve ser suspenso. Bem sabemos que em 2005, depois de dois "nãos" sucessivos ao Tratado "Constitucional", também a burocracia comunitária e os responsáveis governamentais esboçaram a tentativa desesperada de prosseguir com a ratificação. Só que a vida mostrou que a dita constituição europeia estava mesmo ferida de uma morte que nem o "canto do cisne" das ratificações posteriores conseguiu evitar.

 

Também agora - três anos depois - um certo desespero comunitário quer impor a continuidade do processo de ratificação. Só que o "não" irlandês significa exactamente "não", não significa "talvez", não significa "nim", significa exactamente que não há Tratado de Lisboa sem a Irlanda e isso mesmo já começam outros também a perceber, como ontem ficou claro com a recusa da Polónia em ratificar o documento.

 

Estas são as lições jurídicas, políticas, de respeito pela vontade de quem votou, que o Governo Português deveria assumir em plenitude e defender na União Europeia. Custasse ou não a carreira política ao Primeiro-ministro José Sócrates.

 

 

Senhor Presidente

Senhores Membros do Governo

Senhoras Deputadas e Senhores Deputados

 

Na verdade o "não" irlandês não rejeitou apenas o Tratado de Lisboa. O voto irlandês rejeitou também, mais uma vez, o Tratado Constitucional transmutado em Tratado de Lisboa através de um processo que ficará na história "desta construção europeia" como mais uma burla política elaborada nos corredores com o frio cinismo dos lideres dos países mais poderosos, a quem o Governo Português deu prestimosa colaboração durante a sua última Presidência da União Europeia.

 

O "não" irlandês" encerra em si mesmo enormes lições de natureza política.

 

Apesar das intensas "estratégias de comunicação com os cidadãos europeus" dinamizadas pela Comissão Europeia, pelo Conselho Europeu e pelo Parlamento Europeu, não obstante as intensas campanhas de muitos lideres governamentais e das pressões e ameaças mais ou menos veladas sobre a Irlanda e o Povo Irlandês, o "não" irlandês assume uma clareza e uma dimensão assinaláveis, em resultado de uma participação eleitoral bem superior a 50%, significativamente acima dos processos referendários anteriores.

 

O não irlandês põe também a nu a verdadeira razão de ser do enorme pavor que determinou a estratégia, mais ou menos secretamente acordada durante a Presidência Alemã, em Junho de 2007, e que impunha que a ratificação do Tratado de Lisboa fosse exclusivamente feita sem o recurso a referendos. O medo de ouvir os cidadãos, em nome dos quais estes responsáveis políticos dizem estar a reforçar a "construção europeia", era tal que combinaram não realizar referendos, mesmo onde eles se impunham ética e politicamente por causa de referendos negativos anteriores, (caso de França e da Holanda), sem os permitir onde eles tinham sido objecto de compromisso eleitoral de todos os partidos sem excepção (caso de Portugal), ou sem os autorizar em países onde as respectivas opiniões públicas reconhecidamente o exigiam (como é o caso mais conhecido da Inglaterra).

 

O resultado do referendo irlandês põe assim bem em evidência as razões que levaram o PSD, o PS, o Governo de José Sócrates a dar o dito por não dito, a faltar à palavra e aos compromissos feitos aos portugueses, impedindo em Portugal um referendo ao Tratado de Lisboa.

 

Por tudo isto o 13 de Junho - dia de Santo António - foi o dia em que, por causa do rasgar dos compromissos éticos do Governo, se pode figurativamente dizer que os irlandeses se pronunciaram na Irlanda em nome de todos aqueles que na União Europeia foram impedidos de manifestar a sua opinião.

 

 

Senhor Presidente

Senhores Membros do Governo

Senhoras Deputadas e Senhores Deputados

 

Os sucessivos nãos em processos de ratificação onde tem sido possível ouvir os cidadãos, o cada vez mais evidente afastamento da generalidade dos cidadãos, tem que forçar os responsáveis europeus a reflectir e a inverter as orientações fundamentais que têm presidido a "esta construção europeia" e que estão bem espelhadas no Tratado de Lisboa.

 

A solução do problema não está na repetição dos referendos até que o resultado seja "sim".

 

A solução do problema não pode nem deve remeter para a Irlanda o que deve ser resolvido no plano comunitário. Muito menos deve voltar a pressionar os irlandeses, pretextando com uma mentirosa paralisia do funcionamento institucional comunitário, acenando com os milhões do orçamento comunitário, ou invocando o disparate político - que é simultaneamente um dislate autoritário inaceitável - dos poucos milhões de irlandeses face aos 450 milhões de cidadãos dos 27 Estados‑membros.

 

A solução só é possível quando os responsáveis políticos perceberem (se é que algum dia o perceberão) que a construção europeia não pode ser feita na base de acordos secretos de gabinete, não pode provocar sucessivas e crescentes mutilações nas soberanias nacionais, não pode consolidar o federalismo sob domínio e comando das grandes potências (sempre acompanhado por uma perda acrescida de peso e capacidade institucional dos países mais pequenos) não pode pôr em causa o princípio da igualdade entre Estados‑membros, não pode dar guarida institucional ao neoliberalismo, ao poder do Banco Central Europeu e às normas do Pacto de Estabilidade - causas primeiras do fraco crescimento, do desemprego crescente, do desprezo por direitos sociais adquiridos e da destruição dos serviços públicos - , não pode aprofundar o militarismo intervencionista nem atitudes de ingerência policial onde quer que seja que os interesses próprios que representa não sejam compatíveis com as legítimas opções de terceiros.

 

A solução só é possível quando os responsáveis políticos aceitarem (se é que algum dia o irão aceitar) que não é possível aproximar os cidadãos europeus de Bruxelas nem fazer com que os Estados-membros votem sim aos "tratados de Lisboa" enquanto forem aprovadas "directivas Retorno" que visam a detenção e expulsão de imigrantes e familiares através de medidas de natureza securitária, repressiva e criminalizadora da imigração ou quando se aprova uma directiva que permite prolongar o tempo de trabalho até às 65 horas por semana, isto é, que faz regressar o regime laboral na União Europeia à quase escravatura.

 

É pois preciso parar e reflectir. Sobretudo é preciso alterar as orientações políticas comunitárias para que estas deixem de servir apenas os países grandes e poderosos, os grandes grupos económicos e financeiros e passem antes a estar ao serviço dos interesses dos povos e das nações, colocando no centro do debate as questões da coesão, do emprego, dos direitos sociais, da igualdade entre Estados, da paz e da cooperação.

 

Disse.

 

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