Senhor Presidente,
Senhores Deputados,
A matéria sobre que incide este debate de urgência - o
tratamento de toxicodependentes - reveste enorme importância.
Não é um debate que esteja à partida esvaziado ou que seja
irrelevante para ser realizado em plenário.
Temos afirmado repetidamente nesta Assembleia que, ao drama de
largas dezenas de milhares de toxicodependentes e das suas
famílias e soma um outro drama que é o da insuficiência de
meios de tratamento acessíveis à grande maioria. Ao drama da
toxicodependência junta-se o conhecido drama dos seis meses de
listas de espera, ou pior do que isso, o drama da espoliação e
da vigarice, das instituições que publicitam soluções
mágicas por largas centenas de contos mensais e que assim
exploram o desespero dos toxicodependentes e das suas famílias.
Foi por não querer pactuar com esta situação que o PCP
apresentou por diversas vezes nesta Assembleia uma iniciativa
legislativa visando alargar a rede pública de centros de
atendimento de toxicodependentes, de unidades de desabituação e
de comunidades terapêuticas, por forma a cobrir de forma
adequada o território nacional e a garantir meios de tratamento
acessíveis e gratuitos a quem deles careça.
Temos o maior apreço por todas as instituições particulares
que, com seriedade e competência, se dedicam à prevenção
secundária da toxicodependência. Entendemos que o Estado não
deve negar-lhes apoios. Mas entendemos que o Estado não deve
alienar as suas responsabilidades próprias neste domínio,
limitando-se a funcionar como uma mera agência financiadora de
serviços privados.
Senhor Presidente, Senhores Deputados,
O Despacho Conjunto relativo à comparticipação do Estado no
internamento de toxicodependentes em instituições privadas
suscita uma questão prévia tem suscitado, quanto ao seu
conteúdo, duas ordens de problemas que importa abordar.
A questão prévia é a de que esta matéria deveria ser
objecto de um diploma legal que permitisse uma participação
mais alargada na sua elaboração e que permitisse eventualmente
a intervenção da Assembleia da República, ainda que em sede de
ratificação. Este despacho conjunto é um acto administrativo
que deveria ter tido uma habilitação legal que não vislumbro.
O primeiro problema quanto ao conteúdo diz respeito ao
estabelecimento de um limite máximo ao montante das mensalidades
a praticar pelas instituições privadas para que os respectivos
internamentos sejam comparticipados pelo Estado. Concretamente, o
Estado comparticipa em internamentos até ao montante de 120
contos mensais, mas é preciso que a totalidade dos encargos a
suportar não seja superior a 150 contos.
Temos como inquestionável que nem todos os internamentos
devem ser comparticipados. Infelizmente, não faltam exemplos de
instituições que exploram a gravíssima situação da
toxicodependência para explorar sórdidos negócios de
pseudo-tratamento que são quase tão graves como o tráfico de
droga e que por vezes até se relacionam como ele (como
comprovadamente se verificou pelo menos num caso concreto). Não
temos dúvidas de que instituições como essas não podem ser
apoiadas. O Estado não pode pactuar com fraudes e espoliações,
designadamente, incentivando-as com a concessão de dinheiros
públicos.
É justo e adequado estabelecer limitações, designadamente
em função dos preços praticados pelas instituições, mas fica
a questão de saber se a limitação concreta instituída é
justa e adequada. Fica a questão de saber se não existirão
entidades que reunam condições de seriedade, competência e
idoneidade que justificaria o apoio aos respectivos internamentos
e que não possam ser apoiadas pelo único facto de as
respectivas mensalidades excederem, ainda que por pouco, o limite
estabelecido no despacho conjunto. Fica, em suma, a questão de
saber se não seria mais justo e adequado ter estabelecido um
critério mais flexível que, sem implicar necessariamente o
aumento das comparticipações em termos absolutos, pudesse
contemplar situações que seja injusto excluir liminarmente.
Uma segunda ordem de questões diz respeito ao termo de
responsabilidade assumido por técnicos do SPTT como condição
indispensável para que os internamentos em instituições
particulares sejam comparticipados pelo Estado. É compreensível
do nosso ponto de vista, que o Estado não financie actividades
particulares sem cuidar de averiguar que entidades está a
financiar e sem que alguém assuma a responsabilidade por isso.
Está em causa a correcta aplicação de dinheiros públicos,
mas, mais importante ainda, está em causa a garantia que tem de
ser dada aos toxicodependentes de que estão entregues a
entidades cujos métodos de tratamento merecem confiança e
credibilidade.
Importa no entanto salvaguardar um outro valor essencial, que
é o da independência e isenção dos avalizadoras perante as
entidades avalizadas. Entendemos que não podem ser criadas
situações de promiscuidade de interesses. Não podem ser
criadas situações que permitam que, ao nível do SPTT, alguém
assuma a responsabilidade por internamentos em instituições em
que possua algum interesse próprio. Entendemos que, a este
nível, deve ser garantida absoluta transparência.
Em síntese, senhor Presidente e senhores Deputados, pela
nossa parte, não compartilhamos muitas das críticas que têm
sido feitas a este despacho conjunto. Mas temos a convicção de
que o processo de determinação dos critérios de apoio ao
internamento de toxicodependentes deveria ter sido outro e que
alguns desses critérios deveriam ter merecido melhor
ponderação.
Disse.
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