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A indústria que o país precisa
Terça, 19 Junho 2007
20070619_01No Encontro/Debate sobre indústria, que tem lugar no quadro da preparação da Conferência Nacional sobre Questões Económicas e Sociais que o PCP vai realizar em Novembro, Jerónimo de Sousa sublinhou que é «a indústria transformadora que dá solidez às economias e assegura de forma muito significativa a capacidade de exercer e gerir importantes vertentes da nossa soberania, exercício conseguido, designadamente através da capacidade interna de produzir múltiplos e diversificados bens industriais, também absolutamente vitais para o equilíbrio das relações económicas externas».

 

 

Intervenção de Jerónimo de Sousa, Secretário-Geral do PCP,
no Encontro/Debate «A indústria que o país precisa e o PCP propõe»

Este Encontro/Debate sobre indústria, que hoje levámos o cabo, tem lugar no quadro da preparação da Conferência Nacional sobre Questões Económicas e Sociais que o nosso Partido irá concretizar em Novembro próximo.

A consigna que o Partido concebeu para esta iniciativa, a saber – "A indústria que o país precisa e o PCP propõe", sintetiza muito bem o que aqui hoje foi apresentado nas diversas, especializadas e interessantes intervenções em reflexões novas.

Desde logo, através da afirmação da necessidade da existência de uma indústria, particularmente da transformadora, como uma das mais sólidas bases do crescimento económico e do desenvolvimento.

De facto, num tempo em que campeiam teorias como as da sociedade post-industrial, da desmaterialização das economias, das novas tecnologias, artificial e maldosamente colocadas em oposição às ditas velhas tecnologias, teses que, no essencial, pretendem justificar a bondade da pseudo economia da especulação, da financeirização e do casino, ao mesmo tempo que tentam desvalorizar e mesmo renegar o carácter absolutamente estratégico da produção material de bens, a qual tem a sua expressão prática através da indústria transformadora e que constitui uma das condições de base para a satisfação, seja de forma directa, seja de forma indirecta, de parte importantíssima das necessidades materiais e culturais dos povos.

Neste quadro, reafirmar a importância da indústria, é urgente, necessário e vital.

É, pois, a indústria transformadora que dá solidez às economias e assegura de forma muito significativa a capacidade de exercer e gerir importantes vertentes da nossa soberania, exercício conseguido, designadamente através da capacidade interna de produzir múltiplos e diversificados bens industriais, também absolutamente vitais para o equilíbrio das relações económicas externas.

Recordemos aqui, mais uma vez, a dramática situação do desequilíbrio da nossa balança corrente, o qual, em grande parte, se deve às insuficiências quantitativas e qualitativas da nossa produção industrial.

Realidade que agrava o preocupante défice da dívida externa portuguesa que nestes últimos dez anos cresceu a um ritmo avassalador e que atinge já 80% do PIB nacional.

Não constituindo, como é bem conhecido, a base das nossas orientações de política económica, o exemplo dos estados-membros da UE, designadamente dos mais desenvolvidos, no que respeita à importância que tais países dão à indústria transformadora, o seu exemplo é de aceitar e seguir, seja no plano da teoria, seja da prática.

Gostaria também de, aqui, apresentar um facto que entendemos politicamente muito relevante, tendo porventura passado despercebido à maioria dos observadores, e que é o da visão que os diferentes partidos têm da e para a indústria no nosso país.

Podemos afirmar com toda a segurança que o PCP é o único partido, repito, o único partido, que desde há muito, apresenta nos seus programas eleitorais para as eleições legislativas e portanto como base para um ulterior programa de governo, propostas de política completamente autónomas para as indústrias extractiva e transformadora. Ou, de outra maneira, é o PCP o único partido que em Portugal tem uma visão para e dá uma efectiva e coerente importância à indústria.

Relativamente à evolução e situação das indústrias extractiva e transformadora, algumas das intervenções apresentadas permitiram actualizar e aprofundar o conhecimento de uma situação, que, de alguma forma, já era conhecida nos seus traços essenciais.

Assim, confirmou-se que, no que concerne à indústria extractiva, a quase totalidade da actividade mineira está nas mãos de empresas estrangeiras e os minerais daí extraídos não têm praticamente nenhuma transformação em território nacional.

Este facto é tanto mais grave, quanto Portugal possui das maiores e das mais significativas reservas da UE, de cobre, estanho, tungsténio, zinco, chumbo, ouro, prata, urânio, etc., para já não falar da enorme jazida de ferro de Moncorvo, a maior da Europa.

Relativamente à indústria transformadora, tem ocorrido há mais de vinte anos uma contínua perda de peso desta no produto, no emprego e no investimento, mantendo-se durante muitos anos quase inalterável o seu débil perfil de especialização, o qual, só começou a apresentar alterações persistentemente positivas nos últimos cinco anos.

De facto, enquanto em 1995, o produto industrial correspondia a cerca de 29,5 % do PIB, em 2005, tal valor tinha descido para 17 % do PIB, o que corresponde a uma taxa de desaceleração superior à média da UE, para o mesmo período, em cerca de 70 %.

Como acabámos de observar, o processo de desindustrialização em Portugal, embora acompanhando de alguma forma o mesmo processo na UE, tem contudo uma profundidade, uma abrangência e um ritmo que o distinguem negativamente da média europeia.

Os responsáveis por este processo, são, em claro concertamento estratégico:
-    os sucessivos governos
-    os grupos económicos portugueses
-    o grande capital internacional

Os sucessivos governos, com foi já aqui antes amplamente demonstrado, prosseguem uma orientação de política económica que retira peso e protagonismo à indústria, designadamente através do quadro de valores que transmitem e propagam para a sociedade portuguesa, quadro em que a indústria é esquecida e ostracizada, designadamente por via do processo de privatizações ocorrido na área industrial e que empobreceu sem qualquer substituto relevante e equivalente o perfil de produção industrial e pelos apoios que deram e dão ao grande capital nacional e internacional que raramente procuram na área industrial, particularmente os primeiros, a base dos seus investimentos.

Num processo inequivocamente contra os interesses nacionais, como tão bem foi caracterizado numa das intervenções, em Portugal, os agentes do processo de desindustrialização, têm sido de facto e no fundamental, os sucessivos governos do PS, PSD e CDS-PP.
Julgamos ser também aqui de destacar, aquilo que foi caracterizado como uma política anti-industrial prosseguida pelos sucessivos governos, e que tinha e tem, pelo menos os seguintes alicerces: a doutrina da desmaterialização da economia, o protagonismo quase exclusivo dado às empresas, o processo de privatizações e os apoios oferecidos aos monopolistas nacionais e ao capital estrangeiro.

No fundo, as orientações de uma política de direita que entregou ao mercado (ou seja ao grande capital), o que o mercado nunca fará: o ordenamento e desenvolvimento do tecido industrial de acordo com os recursos, potencialidades e fundamentalmente com as necessidades do país.

Os grandes grupos económicos portugueses – sejam os antigos entretanto ressuscitados, ou sejam novos ou aparentemente novos – detentores de avultadíssimos capitais obtidos através de um profundo e persistente processo de acumulação, concentração e centralização, e que, no quadro de uma recentragem estratégica da gestão dos seus interesses – os antigos – e de algum mimetismo relativamente a estes – os novos – privilegiaram a escolha de sectores de reduzido risco face à concorrência, designadamente a externa, de rápido e elevado retorno do capital investido, sempre que possível não muito elevado, o que significa, na maioria das situações, terem saído da, ou não procurarem a actividade industrial, sendo esta, na sua grande maioria, promovida por médias, pequenas e mesmo micro empresas.

Foi uma conclusão do Conselho Económico e Social a constatação da incapacidade, melhor diríamos da falta de vontade e interesses dos grupos económicos em dinamizarem a produção de bens transaccionáveis, e a sua clara opção pelas actividades de serviços em sectores “abrigados” pelas fronteiras nacionais.

Excepções a este quadro, resultado do processo de privatizações, em que as empresas foram entregues limpinhas, sem osso, como são os casos dos cimentos e a pasta de papel e papel, resultam, de alguma forma, de estes sectores obedecerem a alguns dos critérios que atrás enunciámos, como sejam o das elevadas margens, o do reduzido risco ou o das notórias vantagens comparativas.

Relativamente ao capital estrangeiro, que obviamente actua em Portugal no quadro e com as regras que os governos lhes permitem, a sua implantação tem sido dominantemente fora da área industrial; por exemplo, em 2005, à indústria correspondeu somente cerca de 1/3 do total do investimento directo estrangeiro, e mesmo para um mais longo e melhor período (1996-2003), tal valor só chegou aos 40%.

Por outro lado, quando investem na área industrial, muitas das vezes, tal não corresponde a novas produções e activos, mas somente à aquisição de empresas industriais preexistentes ou à participação, de forma significativa, nos capitais destas.

Nesta abordagem, obviamente que não podemos esquecer o rol imenso de encerramentos de empresas ou de estabelecimentos, com ou sem deslocações da actividade para outros países, de que julgamos importante recordar os tristes casos de: Renault, Opel-GM, Lear, Clarks, Indelma, Rhode, CUCA, Brach, Sampaio & Ferreira Arauto... que se juntam a muitas outras e outras que foram desaparecendo Quimigal, Lisnave, Mague, Sorefame, Siderurgia, etc.etc.

A consigna desta iniciativa, recordemo-la de novo, é " A indústria que o país precisa e o PCP propõe".

Atrás, já falámos sobre a necessidade de ter uma dinâmica e moderna indústria transformadora.

Agora falemos um pouco sobre a indústria que o PCP propõe.
Relativamente às nossas propostas para o desenvolvimento da área industrial, muitas delas, como já aqui hoje foi observado, têm sido visíveis na nossa intervenção e na nossa luta em defesa da indústria nacional, a maioria das quais mantêm uma patente actualidade, já que os problemas e debilidades existentes permanecem, havendo mesmo problemas que, infelizmente, se têm agravado neste últimos anos.

Das intervenções apresentadas, convirá destacar, como peças da política industrial que o PCP propõe e o país necessita, entre outras, as seguintes, a saber:

-    A defesa intransigente da produção nacional, no caso vertente, de produtos industriais

-    O aumento do protagonismo do Estado na esfera produtiva, em alguns dos sectores tidos como estratégicos e portanto capazes de alavancar e dinamizar outros sectores e outras produções

-    O aproveitamento e a valorização interna, através da sua transformação tão completa e avançada quanto possível, dos recursos endógenos do solo, do subsolo e do mar

-    A manutenção, num quadro do aumento continuado e profundo da produtividade e da competitividade, dos chamados sectores tradicionais, como sejam a têxtil, o vestuário, o calçado e as indústrias da madeira e da cortiça

-    O fortalecimento das indústrias de alta tecnologia, que incorporem elevada C&T e valor acrescentado, sejam algumas já tradicionais – como a química fina, a farmacêutica e a aeronáutica – ou emergentes, como sejam as indústrias associadas às TIC, às biotecnologias e outras, e onde já existem até em Portugal pequenos núcleos e empresas de elevado potencial as quais podem vir a ter um importante efeito de demonstração

-    A recuperação e ou o reforço de indústrias básicas entretanto adormecidas ou mesmo quase que desaparecidas, como as metalo e electromecânicas produtoras de bens de equipamento pesados – para a produção energética, para a movimentação de cargas, para o transporte pesado, para a construção de equipamentos diversos para a indústria – assim como as químicas pesadas de base orgânica e inorgânica

-    Dar continuidade e introduzir melhorias na competitividade internacional ao chamado "cluster" automóvel, com especial atenção para a área de componentes

-    O reforço da componente de I&D, seja a nível dos laboratórios e centros tecnológicos públicos e privados, seja particularmente a nível do débil aparelho de investigação das empresas

-    Promoção da actividade industrial como importante área de trabalho e emprego com futuro para os jovens e o país

Estas e outras orientações de política industrial que continuaremos a aprofundar até à nossa Conferência Nacional, só são possíveis no quadro de uma outra política geral, uma política que deixe de enfrentar os interesses dos trabalhadores e das micro, pequenas e médias unidades económicas e de privilegiar os interesses do grande capital nacional e internacional.

Uma outra política em clara ruptura com as políticas e orientações de direita que favoreçam o investimento produtivo e com ele a revitalização e a recuperação do aparelho produtivo nacional, contrariando a prolongada tendência para o sistemático recuo do investimento, no vermelho, há mais de dezasseis trimestres e que se reflecte na despesa em máquinas e ferramentas.

Uma outra política em clara ruptura com as políticas e orientações de direita que privilegiam a financeirização da economia nacional, bem patente na actual política fiscal que favorece a especulação bolsista isentando as suas actividades e operações especulativas e penalizando as actividades produtivas.

Neste último ano e meio, segundo a Visão, cerca de uma dezena de ricos empresários arrecadaram com a especulação bolsista, a módica quantia de quase 3,7 mil milhões de euros, livres de impostos, que dariam e sobrariam para construir o novo Aeroporto. É a economia de casino no seu explendor.

Uma outra política em clara ruptura com as actuais orientações que dão cobertura à estratégia predadora dos grandes grupos económicos monopolistas sobre a riqueza criada nas micro, pequenas e médias empresas dos sectores produtivos, ao imporem condições leoninas no fornecimento da energia, combustíveis, das comunicações, nos transportes, nos seguros, no custo do crédito etc., etc..
 
Nalgumas destas áreas, nomeadamente energia e combustíveis a indústria nacional está relativamente à Espanha num patamar muito inferior em termos de competitividade.

Mas uma outra política também em clara ruptura com as actuais orientações e opções do Quadro de Referência Estratégico Nacional (QREN) pensado para continuar a favorecer os grandes grupos económicos com os seus critérios no apoio “à dimensão”, “à concentração” e à “ sustentabilidade financeira”, em detrimento do apoio às pequenas e médias empresas que predominam nos sectores produtivos, particularmente na indústria transformadora e em prejuízo da resolução dos défices estruturais do país.    

Portugal tem que produzir mais e criar mais riqueza e mais emprego e isso exige fazer confluir as políticas económicas e monetárias para o objectivo central do crescimento e da alteração do frágil perfil produtivo português.

Nestes quase dois anos e meio de mandato do actual governo do PS de José Sócrates pouco ou nada se fez para inverter o atraso relativo do país e resolver os problemas nacionais. 

É tempo, por isso, de questionar as políticas que são responsáveis pela actual e grave situação do país.

Tal como é tempo de confrontar a sociedade portuguesa com a existência e possibilidade de concretização de um caminho alternativo e de uma política económica e social alternativas capazes de garantir um país mais desenvolvido.

Esse é grande desafio da nossa Conferência e nós estamos convictos que seremos capazes de o concretizar.