Senhor Presidente Senhoras e Senhores Deputados Desde há mais de quarenta anos que estava estabilizado o conceito de "margem de terreno contígua ou sobranceira à linha que limita o leito das águas". Desde há mais de quarenta anos que a extensão da margem das águas do mar está legalmente fixada em 50 metros. Desde há mais de quarenta anos que essas margens são consideradas do domínio público hídrico, excepção feita às parcelas objecto de desafectação ou, no caso das Regiões Autónomas, dos terrenos tradicionalmente ocupados junto à crista de arribas costeiras. Vem agora a Assembleia Legislativa Regional da Madeira apresentar uma proposta de lei para alterar este enquadramento legal. São duas as razões que no dizer da proponente determinaram tal iniciativa. Por um lado, as dificuldades do processo de reconhecimento legal da titularidade privada sobre parcelas dessas margens, sem prejuízo da presunção de dominialidade relativamente a tais terrenos. Seria, por outro lado, a questionável extensão fixada para essas margens das águas do mar (50 metros) face à pequenez, ao acidentado do território e às pressões demográficas e urbanísticas em presença na Região Autónoma da Madeira. Estas duas razões parecem merecedoras de ponderada análise e reflexão. E aconselhariam - caso essa análise assim o determinasse - novos dispositivos legislativos destinados à sua resolução. Seria sempre possível - e até recomendável - intervir nos procedimentos de reconhecimento da titularidade de parcelas de terreno situadas nessas margens, particularmente quando se trata de pequenos proprietários locais. Seria sempre possível - e porventura essencial - aligeirar tais procedimentos e tornar viável o reconhecimento legal da posse privada dessas terras. Seria sempre possível eliminar burocracia desnecessária e anquilosada sem prejuízo de manter a globalidade das margens sob a tutela administrativa do domínio público hídrico. Noutro plano, seria possível - e porventura recomendável - atender às condições objectivas de área e orografia das ilhas da Região Autónoma da Madeira e alterar os limites legais fixados para a extensão das margens das águas do mar, diminuindo-os (eventualmente) para outros valores tecnica e ambientalmente compatíveis com a preservação da orla costeira. Só que nada disto foi ensaiado na proposta legislativa da Assembleia Legislativa Regional da Madeira. Nada disto é proposto. Ora, se o enquadramento até pode ser entendível mas as propostas legislativas nada têm a ver com a necessidade de resolver as questões enunciadas, é legítimo supor que, afinal, as soluções propostas não visam resolver esses problemas mas, pelo contrário, visam resolver situações diversas, quiçá dar assentimento a grupos de pressão e/ou a interesses de natureza privada bem diferente. De facto, o que se pretende é que, pura e simplesmente, deixem de pertencer ao domínio público hídrico, isto é, deixem de ser tutelados administrativamente pelas regras de gestão desse domínio público, todos os terrenos situados para o interior de vias municipais ou regionais. Isto é: em ilhas onde, por necessidades evidentes, há estradas regionais e municipais muitas vezes fronteiras ao mar, tudo aquilo que estiver para o interior dessas rodovias deixaria de pertencer ao domínio público hídrico. Mas não se trata apenas da situação dos terrenos situados para o interior das estradas já construídas. Pretende-se que qualquer nova via regional, qualquer caminho municipal a construir defronte ao litoral marítimo madeirense passem a constituir os novos limites para a definição das extensões das margens do mar. Está-se mesmo a ver no que isto vai dar. Está-se mesmo a ver o cortejo de "messias salvadores" que, à porta do Governo Regional e à porta das autarquias da Região Autónoma da Madeira, se vão oferecer para construir vias, rodovias, estradas, caminhos de cabras, situados bem junto ao mar, sem encargos para o erário público e com toda a certeza para benefício das populações... E estamos também a ver a especulação imobiliária que logo a seguir se vai instalar em todos os terrenos que, com a construção dessas "obras de caridade e altruísmo", vão deixar de pertencer ao domínio público hídrico. Até se podia admitir alguma bondade neste novo dispositivo legal se ele se limitasse a propor colocar fora do domínio público hídrico tudo o que ficasse para o interior de estradas regionais já existentes e construídas. Enfim, até lhe poderíamos dar o benefício da dúvida. Mas não é isso que se quer. O que se quer é fazer com que, em alguns anos, deixe de haver domínio público hídrico e margens de águas do mar na RAM, o que se pretende é criar uma nova mina de ouro na Região Autónoma entregue, desta vez, de mão beijada, à voragem da especulação imobiliária. Não se atendem às novas questões de segurança que o aquecimento global, a subida das águas do mar e esta política de permitir urbanizar sobre dunas e praias vão colocar no futuro. Muito menos se cuida de criar políticas racionais de ordenamento que aliem a preservação do litoral e da orla costeira com as reais necessidades de desenvolvimento dos madeirenses. O que se cria, para parafrasear um deputado do CDS/PP na ALRM, é uma "lei sem critério algum" onde o critério passa a ser "uma estrada junto à costa para que o domínio público" deixe de o ser. O que se pretende afinal não é resolver os problemas dos proprietários dos terrenos nem os problemas específicos da Madeira. O que se visa com esta proposta é apenas destruir alguns obstáculos jurídicos que ainda existiam para impedir (ou limitar) a construção nas margens das águas do mar! |