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Educação e Cultura - Rogério Reis, Comité Central
Sábado, 24 Novembro 2007
Rogério Reis
Não podemos avaliar a qualidade de uma escola pelo lucro que apura no fim do ano lectivo, da mesma forma que não faz sentido avaliar a qualidade de uma biblioteca pública pelo montante que conseguiu não gastar durante a última temporada. E no entanto... Essa parece ser, a lógica das políticas de Educação e Cultura destes governos!

Assistimos à prossecução de uma política cultural que nega o necessário financiamento às instituições culturais públicas, mas que tem a margem de manobra suficiente para celebrar acordos de beneficiários singulares (bem privados) como foi o caso da colecção Joe Berardo, em estágio de manutenção e arejamento temporários, à espera de valorização e de possíveis compradores, no CCB.

Na Educação, enquanto algumas instituições do Ensino Superior público anunciam que não está assegurado o pagamento dos salários dos seus funcionários, o governo português investe em algumas universidades americanas, para aí pagar uma formação que custaria 2 ou 3 vezes menos se fosse efectuada nas Universidades portuguesas, quantias mais do que suficientes para assegurar a sanidade financeira das escolas do ensino superior português. Apesar de apresentarmos a mais alta taxa de abandono escolar da UE e de termos a força-de-trabalho menos qualificada de toda a UE, a política educativa está essencialmente apostada em diminuir o número de professores contratados (onde já há 30000 desempregados); as escolas públicas encerradas pelo Ministério da Educação contam-se às centenas todos os anos; o Ensino Superior público vê continuamente aumentado do valor das propinas, ao mesmo tempo que o apoio social escolar se vê reduzido à sua expressão mínima. Por muito que estejam presentes nos discursos do poder, as palavras ocas da Sociedade do Conhecimento, o sistemático subinvestimento do Sistema Público de Ensino Superior, e em particular dos últimos 8 anos, trouxe-nos à situação, inaudita no resto da UE, dos gastos per capita nos alunos do Ensino Superior serem já inferiores aos correspondentes no Ensino Secundário.

A Educação e a Cultura, são encarados, pela cartilha neo-liberal, como sectores onde o que importa é, a todo o custo, fazer emagrecer as despesas públicas por forma a estas estarem disponíveis para sectores onde os interesses privados se possam deles apropriar mais facilmente. Na Educação, o objectivo também é o de a transformar em si num mercado à disposição dos interesses privados aí instalados. O principal obstáculo é o carácter público da esmagadora maioria das instituições de ensino de qualidade. É a esta luz que se devem entender as políticas de desestruturação do ensino básico e secundário; as políticas de desregulação e embaratecimento do mercado de trabalho dos professores, de todos os níveis de ensino, com a precarização das suas carreiras e criação de um grande exército de desempregados, precedidas por verdadeiras campanhas de desacreditação da carreira docente.

Bolonha, e a reforma curricular a ela associada, deve ser entendida como um claro instrumento federalista europeu, que de uma só penada, diminui as qualificações curriculares e segmenta os percursos académicos (e com isso torna mais atractiva a concorrência da iniciativa privada no sector), assim como permite uma hierarquização de escolas, e de países, por forma a concentrar o investimento nos últimos ciclos, e investigação científica associada, nos países centrais ao Capitalismo europeu.

Estas transformações no Ensino só podem ser concretizadas com a definitiva eliminação de toda a forma de gestão democrática e participada. Para isto apontam as tendências de municipalização do ensino não superior, a criação de grandes agrupamentos verticais e a profissionalização da sua gestão. Para isto foi publicado o novo Regime Jurídico para as instituições do Ensino Superior, que pondo fim à chamada Autonomia Universitária, possibilita o completo afastamento dos professores e alunos dos órgãos de gestão e fiscalização, abre claramente a gestão destas instituições aos interesses económicos privados, e permite a sua transformação em Fundações Públicas de direito privado, passo primeiro para a sua privatização.

O caso da Educação é particularmente pedagógico sobre o papel histórico da Social Democracia. São exactamente os mesmos que nas décadas de 40 a 70, quando dos grandes avanços do movimento operário mundial, o pretenderam atavicamente limitar a alguns aspectos de moderação do Capitalismo, afastando o objectivo da construção do Socialismo, com o argumento que o projecto deveria esgotar-se nas funções sociais do Estado, então chamado «Estado-Providência», que hoje são motor descarado da destruição dessas mesmas funções sociais.

É imperioso que mudemos de política nestes dois sectores fundamentais. Sem uma política nacional de investimento no Ensino público, a todos os seus níveis, que é indissociável da correspondente valorização do papel e importância dos seus professores, não será possível alargar a cobertura do sistema de ensino e inverter os preocupantes indicadores da nossa situação actual. Sem uma política empenhada de qualidade do Ensino público, não será possível inverter esta tendência de diminuição de qualificações de emagrecimento dos curricula. Sem o aumento significativo das qualificações da nossa mão-de-obra não será possível contrariar os interesses do Capital internacional na distribuição mundial de trabalho que nos condenam aos sectores de menor incorporação de tecnologia e consequentemente de menor valor acrescentado. Sem cortar por completo com estas políticas para a Educação e Cultura, não só perderemos o que nos resta nestes sectores do que foi conquistado em Abril, como comprometeremos seriamente para o futuro qualquer projecto para um Portugal independente, que não seja pasto dos interesses do grande Capital.