Convidados, amigos,
Camaradas
Perante a tarefa de contribuir
para uma conferência económica, um economista marxista sente-se como alguém que
quer oferecer a um grupo de amigos um cozido à portuguesa, acompanhado por um
bom vinho dos nossos, e tem, na dispensa e no mercado, as couves de Bruxelas
como única hortaliça, aquele osso de porco (eis
bein) de Estrasburgo como única carne, as salsichas de Frankfurt como único
enchido, e que, em vez de vinho, apenas dispõe de produtos químicos importados
de um norte onde não há nem sol, nem encostas, nem castas... nem uvas.
As ferramentas do economista, os
seus ingredientes, não são os necessários e ajustados. Deve começar pela crítica
da economia política do capitalismo... com a enorme dificuldade de ter de o fazer
utilizando conceitos operacionais ao serviço da ideologia do que critica.
A "economia de mercado" não é uma forma neutra, desideológica, de
organizar a produção, circulação e distribuição do que satisfaz as necessidades
das populações. Serve, também ideologicamente - e muito! -, a manutenção, a
extensão, o reforço da relação social que se baseia na exploração da força de
trabalho, pela apropriação do valor (e das mais-valias) que o emprego desta
cria.
E baseia-se em conceitos
falaciosos de produtividade e de competitividade. Desde logo,
monetarizando o que, enquanto conceito marxista, é uma relação entre quantidades de valores de uso e
tempo, horas de trabalho necessárias para os produzir, em condições determinadas, particularmente intensidade de trabalho.
Essa monetarização conduz à
sequência salário enquanto custoàproduto em moedaàcompetitividade com base em preços,
sequência que ignora deliberadamente tudo o resto, as condições em que se concretiza o processo produtivo.
Ignoradas essas condições,
abandonados instrumentos nacionais para a competitividade como manipulações
cambiais (desvalorizações e apreciações da moeda nacional), a produtividade,
enquanto conceito operativo (e ideológico) do instrumental capitalista,
centra-se nos salários. Sendo estes a única variável a manipular porque as
outras são, ou querem-se intangíveis.
Divide-se o PIB em euros pela
população activa com actividade, pelos trabalhadores que para ele teriam
contribuído, e conclui-se que Portugal tem uma produtividade cerca de metade da
produtividade média da chamada Europa. Pelo que o que haveria a fazer, para
melhorar a competitividade, seria manter o único custo estrategicamente
manipulável, os salários, baixo e o desemprego alto.
O que, além das implicações
sociais, seria um absurdo, no plano da discussão económica pura, se esta
existisse. Mas não existe! Toda a discussão económica é classista. Logo, nada é
absurdo porque a produtividade passou a ferramenta (ideológica) do capitalismo.
Nem valerá muito a pena argumentar
que o mesmo número de horas de trabalho, com a mesma intensidade de trabalho,
produz diferente valor acrescentado num outro contexto, quer de meio ambiente
ou infra-estruturas, quer de organização do processo de trabalho, quer em
outras condições materiais e financeiras exógenas ao processo produtivo.
Por exemplo, em termos de
"economia de mercado", o diferencial entre os valores acrescentados por Manueis
e Marias com as mesmas horas de trabalho em França e Portugal, mostra que o
produto desse tempo de trabalho é mais competitivo em França do que em
Portugal, ainda que os salários em França sejam substancialmente mais elevados.
De onde se concluiria que os
mesmos Manueis e Marias têm maior produtividade em França, apesar dos salários
serem mais elevados que em Portugal. Porque as outras determinantes são...
outras!
Mas... para se ganhar
competitividade, qual a falácia, a mistificação sobre o que é necessário mudar
para crescer a produtividade à maneira capitalista?
Mudar o que faça com que o
denominador da fracção, o número de trabalhadores, se mantenha inalterado ou
cresça proporcionalmente menos que o numerador, por aumentarem as horas e
intensidade de trabalho. No inaceitável pressuposto de que tudo depende do
salário enquanto custo, e único custo
sobre que é possível intervir, com tudo o resto sem mudança, ou só mudando no
que respeita à remuneração, sempre crescente, das remunerações ao capital.
Ora, como conceito marxista, a produtividade mede-se, e dinamicamente,
pela quantidade de valores de uso produzida por unidade de tempo de trabalho.
Logo, o aumento da produtividade é inseparável de mudanças nos processos de
produção que diminuam o tempo de trabalho socialmente necessário por cada
unidade produzida. Como disse Marx, "uma
menor quantidade de trabalho adquire a capacidade de produzir mais valores de
uso".
Logo, a produtividade não pode melhorar sem progresso técnico. Ao invés,
pode dizer-se que a produtividade mede o progresso técnico, neste se incluindo
a qualificação dos trabalhadores.
Não sendo esta a natureza (de
classe) dos ingredientes "oferecidos" pela estatística, às propostas de rupturas
com as políticas de direita do cap. IV, Outro rumo. Nova política,
do texto-base preparado para esta Conferência, se juntam as medidas para dinamização
do crescimento da produtividade e competitividade da economia portuguesa (7.4.2), vectores
estratégicos de uma política económica e social baseada no relançamento da
economia produtiva, como desde a Conferência de 1977, Saída da crise, o PCP
defende. Pela via que, nesse ponto, se refere: investimento, qualificação dos
recursos humanos, factores de produção a preços de concorrência.
A terminologia reflecte
compromissos a que se é levado pelo instrumental com que se tem de trabalhar, o
que de modo algum diminui a importância de um contributo desta Conferência, o
da denúncia e correcção possível dos "mecanismos ideológicos de justificação e
diversão do capitalismo" (8.3 do cap. III).
Para terminar, sublinha-se que
esta 5ª Conferência económica é sobre questões económicas e sociais, e em nenhuma circunstância se devem separar ou
subalternizar os efeitos sociais das políticas económicas.
Bem se conhece essa tentação e
intenção, nomeadamente quando, a propósito de produtividade e competitividade, monetarizada a questão, os
salários apenas são tratados como custos (para o capital!) e nunca como rendimentos, que são!, para os
trabalhadores. Assim se evita responsabilizar os baixos salários pela dispersão
de rendimentos que coloca Portugal na cauda da situação social dos países ditos
nossos parceiros, com níveis de pobreza extensos e extremos.
Para terminar não...
... porque ainda quero dizer que os
economistas marxistas, apesar das dificuldades instrumentais, não podem
desistir da luta, que é de classes... como não se pode desistir do bom cozido à
portuguesa, com ingredientes portugueses, bem regado por um tinto ou um palhete
cá dos nossos, sem prejuízo da nossa inalienável característica de internacionalistas...
mas independentes e soberanos.
Viva a Conferência Nacional!
Viva o Partido Comunista
Português!
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