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«Os Comunistas no Governo Provisório» - artigo do «Avante!» Nº 1 (Série VII) |
«Os Comunistas no Governo Provisório» - artigo do «Avante!» Nº 1 (Série VII) |
Sexta, 17 Maio 1974 |
Acaba de ser constituído
o Governo Provisório. A participação no Governo do camarada Álvaro
Cunhal, secretário-geral do Partido Comunista Português e do camarada
Avelino Gonçalves, até agora presidente do Sindicato dos Bancários do
distrito do Porto, confirma a radical mudança da situação política
verificada em Portugal.
É a primeira vez que a classe trabalhadora e o Partido Comunista
Português estão representados no Governo. Trata-se de uma
extraordinária vitória política que consagra o papel da classe operária
e do seu Partido, o PCP, na luta contra a ditadura fascista durante
dezenas de anos e agora, neste momento crucial, na construção do
Portugal democrático. A participação dos comunistas é uma afirmação da
força do movimento operário e popular e da influência e do prestígio
nacional alcançados pelo PCP.
Plataforma decisiva na hora presente
O Governo Provisório representa uma ampla coligação de forças sociais e
políticas entre as quais o Movimento Democrático e o Partido Socialista
, criados na resistência antifascista, companheiros de luta e aliados
do PCP. Os nomes de Mário Soares, secretário-geral do Partido
Socialista, e Pereira de Moura (do Movimento Democrático) merecem
especial referência. Fazem também parte do Governo representantes da
corrente liberal que tinham rompido com a política fascista e homens
sem partido, de grande competência profissional. O ministro da Defesa,
tenente-coronel Mário Firmino Miguel, assegura a ligação e coordenação
do Governo Provisório com as Forças Armadas.
A actuação do Governo Provisório estará ligada à actuação da Junta de
Salvação Nacional e do Presidente da República general Spínola.
Falando no acto de posse como Presidente da República, o general
Spínola, depois de afirmar que o mandato do seu alto cargo lhe foi
confiado pelo movimento da Forças armadas, concluiu: «Tomo perante o Povo Português a responsabilidade do seu integral cumprimento.»
Como o seu próprio nome indica, o Governo Provisório tem um carácter
conjuntural e temporário. Não poderá resolver, e muito menos resolver
rapidamente, os grandes problemas que defronta o povo e a nação
portuguesa. O papel do governo Provisório é mais limitado. Dará sem
dúvida resposta a questões urgentes da vida económica, social e
política do país.
A sua missão essencial é porém liquidar as estruturas fascistas do
Estado, democratizar a vida política, e pôr fim à guerra colonial e
preparar e realizar eleições livres para a Assembleia Constituinte.
A classe operária, as massas populares, todo o povo português, estão
vitalmente interessados em que esta missão seja conduzida a bom termo.
Trata-se de objectivos limitados. Mas dessa concretização depende o
futuro do País.
Seria gravíssimo erro pensar que as liberdades já alcançadas desde o 25
de Abril estão definitivamente asseguradas, sem qualquer risco. A
realidade é outra. Os fascistas começaram a conspirar no própria dia da
sua derrota. Continua intacto o poder económico dos grandes grupos
monopolistas, que inspiram a política fascista e dela beneficiaram ao
longo dos anos. As primeiras semanas passadas desde que a ditadura
fascista foi derrubada mostram que os potentados do dinheiro procurarão
criar dificuldades económicas e financeiras ao novo Governo, de forma a
enfraquecer a sua base de apoio popular. Persistem também numerosas
estruturas do estado fascista colocados em importantes lugares. Seria
extremamente perigoso afrouxar o espírito da vigilância e da defesa.
O Governo deverá e poderá fazer muitas reformas e medidas urgentes. Mas
pretender que o Governo de uma tão ampla coligação realize a política
de um Governo popular ou, mesmo, como alguns pretendem, de um Governo
de «opção socialista», seria completamente irrealista e provocaria
conflitos entre os elementos componentes da actual coligação e a sua
divisão e desintegração a muito curto prazo. O caminho ficaria
escancarado à contra- revolução. É obrigação de todos tudo fazer para
que tal não suceda.
A unidade da classe operária e das forças democráticas e a aliança
das massas populares com as Forças Armadas (traduzida na cooperação,
solidariedade e ajuda recíprocas) constituem, nas circunstâncias
actuais, condição indispensável para consolidar e alargar as conquistas
democráticas, para realizar finalmente eleições livres para a
Assembleia Constituinte. Essa unidade e essa aliança são uma questão de
vida ou de morte para a revolução democrática. Tudo deve ser feito para
consolidá-las.
O Governo Provisório e a guerra colonial
Gravíssimo resíduo da política fascista, a guerra colonial continua a
ser das questões centrais da política portuguesa. Cada vez são mais
graves as suas implicações económicas, sociais e políticas. Exige
pronta solução.
O reconhecimento, no Programa do Movimento das Forças Armadas, de que
«a solução das guerras no Ultramar é política e não militar» significa
um importantíssimo passo para pôr fim à guerra. A realização de «um
debate franco e aberto, a nível nacional» do problema colonial será
também importante. Não se pode porém ficar em conclusões e debates de
ordem geral. A situação degrada-se rapidamente em África sem proveito
para ninguém. As notícias dos jornais mostram haver graves tensões nos
corpos expedicionários e nas populações. O imperialismo, as forças
reaccionárias da África do Sul e da Rodésia, os colonialistas
portugueses fixados em África estão particularmente interessados em
aproveitar a conjuntura em seu próprio benefício.
Urge abrir negociações sem condições prévias, com o movimento de
libertação da Guiné-Bissau, Moçambique e Angola, respectivamente o
PAIGC, a Frelimo e o MPLA, a fim de examinar conjuntamente todos os
problemas de interesse comum, tendo em vista o rápido fim da guerra e a
solução política do problema.
É certo existirem diferenças de opiniões e mesmo divergências na
coligação governamental acerca de qual deve ser a solução política do
problema. É conhecida a posição do Partido Comunista Português a esse
respeito. Outros têm diferente opinião. Trata-se de um problema
extremamente complexo, sobretudo quanto agora se entronca com o próprio
processo de consolidação das conquistas democráticas pelo Povo
português, em que existe uma larga coligação de forças sociais e
políticas. Havendo porém acordo quanto à necessidade do fim da guerra e
duma solução política, havendo reconhecimento do direito da
autodeterminação com todas as suas possíveis expressões, pode caminhar-se já sem perdas de tempo que podem ser catastróficas, no caminho da negociação e da paz.
Cuidado, porém. Impõem-se negociações com os legítimos representantes
dos povos e não com oportunistas ou serventuários, que surgem um pouco
por toda a parte, procurando aproveitar a conjuntura em benefício
pessoal. Negociar ou «dialogar» com tal gente só poderia entravar o
caminho da paz.
Todos devem avaliar na sua justa medida o que significa para a solução
de tão magno problema o derrubamento da ditadura fascista, a conquista
pelo Povo Português de algumas liberdades essenciais, a formação do
Governo Provisório como uma larga coligação de que fazem parte as
forças da esquerda. Trata-se de um novo factor de extrema importância,
que possibilita prever com maior confiança o fim da guerra e o
encaminhar para a justa solução do problema.
A participação Comunista
Sendo limitado o programa do governo provisório e relativamente
estreita a sua margem de decisão em relação aos grandes problemas
nacionais, torna-se necessário indicar claramente quais as razões da
participação do Partido Comunista no Governo.
A participação dos comunistas foi determinada por duas razões fundamentais:
A primeira foi a imperiosa
necessidade de alargar e reforçar a unidade das forças democráticas e
liberais e a aliança do movimento popular com o Movimento das Forças
Armadas, com vista à consolidação das liberdades já alcançadas, ao
prosseguimento da democratização da vida política, ao fim da guerra
colonial, à preparação e realização de eleições para a Assembleia
Constituinte.
A não participação dos comunistas no Governo Provisório (seja porque o
PCP se recusasse, seja porque se formasse uma coligação com exclusão
dos comunistas) comprometeria irremediavelmente o prosseguimento do
processo de democratização.
Provocaria sem qualquer dúvida sérias divisões no movimento
democrático. Empurraria a ala direita da antiga Oposição democrática e
a corrente liberal para a cooperação com elementos reaccionários.
Abriria uma brecha, que poderia ser irremediável e mortal, entre o
movimento popular e o Movimento das Forças Armadas. O resultado seria,
sem qualquer dúvida, a formação de um governo de direita, que, embora
declarando formalmente a sua adesão ao programa do Movimento das Forças
Armadas, abriria fácil caminho à manutenção e recuperação de posições
pela reacção e o fascismo e finalmente à contra-revolução.
A Segunda razão dos comunistas no Governo Provisório foi
a necessidade e a possibilidade de intervir directamente na política
nacional, contribuindo para que as medidas tomadas pelo Governo sejam
as que mais interessam ao povo e ao País.
No Governo, os comunistas serão firmes defensores dos interesses e
aspirações da classe operária, dos trabalhadores, das amplas massa
populares.
Na medida das suas forças lutarão pelo firme prosseguimento da
democratização e pelo rápido fim da guerra colonial. No quadro da
plataforma que é o Programa do Movimento das Forças Armadas, lutarão
para que a política seguida e as medidas tomadas respondem aos
interesses do povo e do País.
Não é fácil a tarefa dos comunistas num Governo de tão ampla coligação e num condicionalismo como o actual. A
ligação estreita de ministros comunistas com a classe operária e as
massas trabalhadoras, a conjugação da acção no Governo com a actividade
do Partido das forças democráticas e das massas são condições
indispensáveis para o sucesso.
Concretizar a perspectiva favorável
Aquilo que foi durante quase meio século o sonho do Povo Português
começa a realizar-se na vida. O fascismo foi derrubado. Algumas
liberdades essenciais foram instauradas. Está ao nosso alcance construir um regime democrático escolhido pelo próprio povo.
No imediato, esperam-nos trabalhos extremamente complexos, mas a perspectiva favorável está na nossa frente e há força bastante para concretizá-la.
Se mantivermos e reforçarmos a unidade da classe operária e das
forças democráticas e a aliança das massas populares com as forças
armadas, a vitória final será alcançada.
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