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Declaração política sobre os direitos humanos e os direitos dos trabalhadores - Intervenção de Odete Santos
Quinta, 17 Dezembro 1998
Senhor Presidente
Senhores Deputados

Há bem pouco tempo comemoraram-se os 50 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos.

E foi tempo de ouvir falar de dignidade. Todos os direitos para todos como se proclamava num Relatório do Alto Comissariado para os Direitos do Homem das Nações Unidos.

Este acontecimento que justamente se celebrou e o avizinhar do próximo Milénio, tornam mais chocante muitas realidades quotidianas que patenteiam chocantes violações de elementares direitos do ser humano.

Chocante foi ver anunciar, por exemplo, que a Ford Electrónica oferece o despedimento aos trabalhadores que ao seu serviço contraíram uma grave doença profissional vulgarmente chamada tendinite.

Chocante, foi ver a forma como a Ford Electrónica anunciava aos trabalhadores esse remédio amargo para as lesões irreversivelmente contraídas ao serviço dos lucros da multinacional.

Em vésperas de Natal, em carta Ford Electrónica anunciou aos trabalhadores que eufemisticamente trata de colaboradores, aos trabalhadores que privou do direito à saúde, do direito á realização profissional no trabalho, um pacote de benefícios! Textualmente. Os benefícios anunciados são pura e simplesmente, o desemprego com míseros patacos que a empresa se propõe negociar com os trabalhadores, dando preferência às trabalhadoras mais afectadas por tendinite ou com sérios riscos de agravamento do seu estado clínico.

À missiva da empresa não falta o remate cínico de quem se arroga o direito de lesar a saúde de quem trabalha. A carta termina despudoradamente com a afirmação de que assim ( com o despedimento) se dá um passo frente para a resolução do problema provocado pelas tendinites. E de que assim ( com o despedimento) se proporciona aos profissionais afectados por tendinite, a continuação da carreira profissional nas melhores condições possíveis de modo a que atinjam a sua realização pessoal e profissional. Tartufo não diria melhor!

Mas se isto é um escândalo, a verdade é que a indiferença das multinacionais à vida dos trabalhadores, acentuada pelo retrocesso que no último quartel deste século se verificou relativamente aos direitos humanos dos trabalhadores, aquela indiferença não nos espanta.

A Ford Electrónica conseguiu um subsídio do Estado Português de 10 milhões de contos, usando de má fé ao omitir que o seu sistema de produção causava graves doenças profissionais aos trabalhadores.

Sim, porque depois do que aconteceu no Brasil, onde milhares de trabalhadores ficaram afectados de tendinite, a multinacional sabia que em Portugal iria lesar a saúde de seres humanos.

Mas de uma multinacional que se deslocaliza procurando sempre melhores condições de exploração de quem trabalha, não admira que se tivesse calado. Não admira que não tivesse corrigido a sua estrutura produtiva, porque para ela valem mais os cobres que assim poupou, do que a saúde dos outros.

Dos que chama de colaboradores.

E também não admira que tivesse escondido a doença profissional enviando os trabalhadores lesionados para a Segurança Social se tratasse.

E que tivesse tentado fazer passar a ideia de que a situação não era grave, e de que todas as denúncias eram manobras dos Sindicatos.

Mas há outro maior escândalo de espantar!

O que espanta e revolta é a indiferença com que o Governo trata este grave problema, que grassa noutras empresas, mas que assume maior relevância na Ford Electrónica pelo número de trabalhadores afectados. Na maioria jovens. Na maioria mulheres.

O anterior Governo nada fez. É certo.

Mas desde que o PCP aqui começou a denunciar a gravidade da situação ( e tal aconteceu ainda com a anterior Ministra do Emprego, e tal aconteceu por várias vezes, a última das quais no início do corrente ano) o que é que o actual Governo fez para impor à multinacional o respeito pelas normas nacionais e mesmo internacionais, que protegem a saúde dos trabalhadores ?

Pouco mais que nada. E o pouco que diz ter feito de nada serviu porque as tendinites continuaram a aumentar incapacitando gente jovem, cerceando-lhe a sua felicidade, tornando inúteis para as crianças os braços das suas mães.

Até um estudo que o senhor Ministro da Solidariedade prometeu encomendar para que correctamente se ordenassem as medidas a implementar pela empresa se foi por água abaixo, não passando de uma promessa.

Pergunta-se: Por que motivo não se cumpriu a legislação sobre higiene, saúde e segurança no trabalho que impõe a realização de estudos como o prometido?

A quem deve o Ministério a Solidariedade que ostenta no nome? Aos trabalhadores ou às multinacionais?

A verdade é que a Ford Electrónica continuou a laborar sem um estremecimento...

A verdade é que mais dia menos dia demandará outros rumos, incólume, sem ser responsabilizada pela violação de elementares direitos humanos dos trabalhadores.

E pergunta-se ainda:

Perante a denúncia de que a Ford pretende tratar as tendinites com despedimentos, o que é que o Ministério já fez para pôr cobro a mais uma arbitrariedade?

Nada.

Em matéria de sinistralidade laboral a política deste Governo saldou-se por uma lei de favorecimento das seguradoras, que se viu forçado a apresentar dadas as iniciativas legislativas do PCP, e por gritantes inércias em casos como os da Ford Electrónica.

Sendo revoltante tanta indiferença, a verdade é que não admira que a verdadeira solidariedade, esteja praticamente ausente da política laboral deste Governo.

Porque o Senhor 1º Ministro, procede como se tivesse um compromisso, quase um Pacto de Sangue, com as grandes Centrais patronais, hipotecando-lhes o futuro dos trabalhadores, o futuro do País.

Foi isso que resultou das posições do Ministério do Emprego e do Senhor 1º Ministro relativamente à lei da flexibilidade e polivalência, menorizando a Assembleia da República face a uma dita Comissão de Acompanhamento criada no âmbito da Concertação Social, tendo sido instruída a Inspecção do Trabalho para adoptar a interpretação de que as pequenas pausas destinadas a preservar a saúde dos trabalhadores não são tempo de trabalho.

Na luta porfiada e prolongada que os trabalhadores travaram pela defesa das suas conquistas, o Ministério do Emprego foi solidário com o grande patronato, honrando os pactos do Senhor 1º Ministro:

E é isso também que se passa com a aplicação da lei que transpôs a Directiva sobre tempo de trabalho.

As Centrais do grande patronato, perturbadas com a aprovação de uma proposta do PCP que consagra, de facto, as pequenas pausas como tempo de trabalho, logo obtiveram a ajuda do Director Geral das Relações Colectivas de Trabalho, do próprio Ministro, para que numa interpretação absurda da lei, se continuasse a impor à Inspecção de Trabalho o agir em conformidade com os interesses patronais.

Mais uma vez contra o que a Assembleia da República aprovou. E para honrar os compromissos do Senhor 1º Ministro.

E as promessas feitas em Campanha eleitoral, à luz do dia? Que valor têm para o Governo?

Relativamente à solidariedade devida aos trabalhadores estamos conversados.

Porque adoptando medidas cuja falência já é bem evidente mesmo em países que se apresentaram em miragens, o Governo quer ainda flexibilizar mais, desregulamentar mais, solidarizando-se com o poder económico e demitindo o Estado da protecção devida aos direitos dos trabalhadores. E falamos do diploma sobre trabalho a tempo parcial, com que noutros países se mascaram as altas taxas de desemprego, e se formam os novos pobres - os que empobrecem a trabalhar. Com que noutros países se feminiza ainda mais a pobreza.

E depois venham falar de igualdade relativamente às mulheres.

O objectivo da igualdade conhece e conhecerá retrocessos com medidas que flexibilizem e desregulamentem as relações laborais.

Senhor Presidente
Senhores Deputados

A luta dos trabalhadores impôs-se às tentativas de maior flexibilização.

Com a incomodidade manifesta do Governo.

Mas é necessário que o Governo saiba que sendo a Assembleia o órgão legislativo por excelência em matéria de direitos dos trabalhadores é à Assembleia que os trabalhadores recorrem usando de um direito, quando emitem os seus pareceres sobre a legislação laboral.

Ao contrário do que o Senhor 1º Ministro disse a uma dirigente Sindical da Função Pública que em Castelo Branco o interpelou, os trabalhadores não fazem negociatas na Assembleia.

Os trabalhadores reclamam a manutenção de direitos, a consagração de novos direitos.

E não são pedra de um tabuleiro de xadrez a que se dê xeque-mate.

Neste quinquagésimo aniversário dos Direitos Humanos, os trabalhadores continuam a lutar pela dignidade. Pelo direito à cidadania.

Disse.
 

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