Partido Comunista Portugu�s
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Altera a Lei nº 12-B/2000, de 8 de Julho, que proíbe como contraordenação os espectáculos tauromáquicos
Intervenção do Deputado Rodeia Machado
Quinta, 11 Julho 2002

Senhor Presidente,
Senhoras e Senhores Deputados,

Ao longo de muitos e muitos anos, Barrancos e a sua população viveram em paz e tranquilidade, prosseguindo uma velha e larga tradição cultural, enquadrada nas suas festas anuais levadas a efeito em Agosto de cada ano.

Durante muitos e muitos anos, sucessivos Governos não quiseram saber, se tinham estradas em condições, se a sua população era ou não servida de água e electricidade, se os cuidados primários de saúde eram ali prestados, ou em que condições viviam os seus habitantes.

Durante muitos e muitos anos, muitos não quiseram saber se tinham emprego, ou se as suas relações comerciais, económicas e culturais, eram mais ligadas a Portugal ou a Espanha.

Barrancos vivia praticamente isolada do resto do País, com as suas especificidades os seus valores culturais, ancorados nas suas vivências tradicionais e ligados de forma permanente ao lado de cá e ao lado de lá da fronteira.

A aculturação entre os povos raianos, foi e é ainda um valor em si mesmo, que não pode ser desligado das festas religiosas e populares em Barrancos, que se realizam em Agosto de cada ano o que decorrem de uma vivência colectiva que tem o seu valor próprio.

Portugal não é, não foi, nem será nunca um país uniforme nos seus valores culturais, existe mesmo um velho ditado popular que o afirma com uma total frontalidade, "Cada terra com seu uso, cada roca com seu fuso".

Quem, como eu, conhece aquela terra, e aquela gente há mais de quarenta anos, não pode nem deve ficar indiferente às suas aspirações e ao seu modo de vivência colectiva.

O centro da vila de Barrancos é para aquela população o centro do universo. É ali que se desenvolvem todas as festividades, é ali que é passado o Natal, onde uma enorme fogueira, na praça, com lenha recolhida por toda a comunidade e serve de consolo a todos quantos (e é a grande maioria da população) ali passam a noite da consoada.

É ali também, onde decorrem as tradicionais festas de Agosto, em honra de Nossa Senhora da Conceição, padroeira da vila.

Festas de cariz religiosa e popular, cujas tradições se perdem nas memórias do tempo.

É também ali, no centro da vila, na praça da vila de Barrancos, onde decorrem os festivais taurinos numa arena improvisada, onde são lidados touros bravos, e que culminam com a morte dos touros na arena.

Aquela população é gente ordeira, é gente de paz que preza a sua cultura e as suas festividades, e querer arredá-los da sua matriz popular é, como atrás se disse, negar a sua própria vivência colectiva e a sua cultura muito própria.

Respeitamos, naturalmente, as opiniões contrárias às alterações legislativas que hoje aqui estão propostas, mas consideramos que a população de Barrancos tem legitimo direito à sua identidade cultural.

Assinale-se no entanto que, muitos dos que agora, legitimamente exprimem estas opiniões, só há poucos anos descobriram Barrancos, só há poucos anos verificaram que existia uma comunidade com usos e costumes diversos e singulares.

Em anos seguidos sucederam-se várias iniciativas, até de carácter judicial mas as festas sempre se realizaram, porque a população sempre defendeu de forma ordeira e pacífica, mas também de forma muito firme, a sua cultura e as suas tradições. Só o bom senso da população, dos seus eleitos autárquicos e das forças de segurança, fez com que umas festas pacificas e de raiz popular e religiosa, não se transformassem nos últimos anos numa situação de conflito, de confrontos físicos de contornos inimagináveis.

Ninguém conseguiu quebrar a vontade daquela população, nem o fascismo com o Decreto 15 355 de 1928, foi capaz de impedir essa vontade, já que ali nunca se aplicou, caindo em desuso, o que aliás já foi até reconhecido numa decisão judicial.

Passo a citar:

"Sem necessidade de se determinar se, presentemente, tais touradas são proibidas por lei, mas mesmo admitindo que o sejam, certo é que o legislador, que parece não ter grande reacção contra elas, não se pronunciando com toda a clareza para pôr termo a dúvidas que ainda existam, pode pretender autorizá-las em determinadas circunstâncias excepcionais, nomeadamente em alteração à vontade de alguma população."

Senhor Presidente,
Senhoras e Senhores Deputados,

Face a estas questões, o Grupo Parlamentar do PCP, apresentou na VII Legislatura um Projecto de Lei que visava criar uma excepção para Barrancos, e que subiu para discussão em Plenário da Assembleia da República, conjuntamente com outros Projectos de Lei oriundos dos Grupos Parlamentares do PS e do CDS/PP.

Na altura estes Projectos de Lei baixaram à Comissão especializada, sem votação, no sentido de conciliar os textos, o que nunca foi conseguido.

Já na VIII Legislatura, o Grupo Parlamentar do PCP voltou a apresentar o referido Projecto de Lei que foi discutido em 16 de Dezembro de 1999, conjuntamente com iniciativas de outros grupos parlamentares, e que não obtiveram vencimento, porque o Grupo Parlamentar do PSD votou contra, e também com votos contra de muitos deputados do Partido Socialista.

È justo lembrar a responsabilidade que o PSD assumiu neste processo instrumentalizando a questão de Barrancos, como se o tratamento pacífico da sua especificidade pusesse em causa a autoridade do Estado.

Felizmente encontraram um caminho mais sensato.

Em 25 de Maio de 2000 o Plenário da Assembleia da República discutiu então uma proposta do Governo para discriminalização de touradas com touros de morte, revogando o Decreto-Lei 15 355 de 1928 criando um regime sancionatório de contra-ordenações e fixando o valor máximo das coimas a aplicar.

Em momento posterior, o Governo, através do Decreto-Lei 196/2000 de 23 de Agosto, fixa o regime contra-ordenacional e o valor mínimo das coimas, onde a tradição se tenha mantido de forma continuada e remetendo, para o Governador Civil a determinação e a aplicação dessas sanções.

É aliás pouco compreensível que o Partido Socialista, que então no Governo avançou com estas alterações certamente considerando a especificidade de Barrancos (já para não falar em outros projectos de Deputados do PS), se apresente agora numa posição aparentemente fechada a alterações que de uma vez por todas ponha fim à polémica não sei se planeando utilizar esta questão de forma semelhante à que o PSD utilizou no passado.

Mas apesar desta alteração logo, na primeira vez que este regime contra-ordenacional, foi aplicado revelou-se mesmo assim desajustado à especificidade das festas de Barrancos. Aí não existem fronteiras entre a denominada Comissão de Festas e a população como também não existe praça de touros, pois o centro da Vila, a via pública, é ela em si mesmo, o centro de todas as festividades.

Por tudo isto se torna necessário e urgente uma verdadeira excepção que contemple a especificidade Barranquenha.

Mas que fique claro.

Defendemos a manutenção da proibição das touradas com touros de morte em Portugal, mas entendemos justificar-se um regime excepcional para o caso concreto de Barrancos, e só para este. E fazemo-lo independentemente das conjunturas políticas locais ou nacionais.

Que cada um assuma as suas responsabilidades. Desde há muito o Grupo Parlamentar do PCP, assumiu as suas, ou seja a de estar ao lado da população Barranquenha.