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Encontro/Audição: "Parques Naturais/Áreas Protegidas
Sexta, 28 Setembro 2007
soajoNo Encontro/Audição sobre Parques Naturais e Áreas Protegidas, o Secretário-geral do PCP afirmou que «é para nós inquestionável a necessidade e a importância das Áreas Protegidas para a preservação e valorização do património natural, cultural e paisagístico, mas é também para nós incontestável que estes territórios e a sua gestão têm (...) que garantir às suas populações possibilidades de assegurar um modo de vida condigno.» Jerónimo de Sousa referiu ainda que «só a democratização da gestão e do usufruto dos recursos naturais, com uma política orientada para a promoção e elevação da qualidade de vida das populações, pode travar a actual tendência de degradação e destruição do património natural de Portugal.»

 

 


Encontro/Audição «Parques Naturais – Áreas Protegidas»

Intervenção de Jerónimo de Sousa, Secretário-geral do PCP
Soajo

 

É com muito gosto que aqui estamos nesta belíssima vila do Soajo que nos recebeu para a realização deste nosso Encontro/Audição sobre Parques Naturais e Áreas Protegidas.

Sem desprimor para muitos outros, não podíamos escolher melhor local que esta terra, um dos principais núcleos urbanos do único Parque Nacional português e que alberga um património monumental e ambiental notáveis e gentes que assumindo a sua peculiar condição serrana afirmam com orgulho o amor à sua terra.

É para este povo, que no seu percurso milenar construiu e nos legou este valioso e único património natural e monumental, que vão as nossas mais cordiais saudações, em nome da direcção do PCP.

Saudações e agradecimentos que queremos tornar extensivos a todos os presentes, a todos os nossos convidados, alguns dos quais com larga experiência e um vasto saber especializado na área da protecção da natureza e que se disponibilizaram a vir até aqui para connosco analisar estas matérias às quais damos, no âmbito da Conferência Nacional do PCP sobre questões económicas e sociais, uma particular atenção.

O conjunto dos contributos e opiniões que aqui vieram no decorrer do nosso encontro revelam quanto justa é a nossa preocupação de procurar aprofundar o conhecimento sobre os problemas da conservação da natureza, nomeadamente das áreas protegidas e quanto acertada é a decisão de lhe dar o devido relevo na nossa Conferência Nacional.

Há, naturalmente matérias que aqui foram colocadas que vão exigir mais debate e mais ponderação, há contudo, questões essenciais que se exige afirmar com muita clareza.

É para nós inquestionável a necessidade e a importância das Áreas Protegidas para a preservação e valorização do património natural, cultural e paisagístico, mas é também para nós incontestável que estes territórios e a sua gestão têm, antes de mais, que garantir às suas populações possibilidades de assegurar um modo de vida condigno.

Infelizmente nem uma coisa, nem outra, foram conseguidas, pelas erradas políticas que em todos estes últimos anos se foram concretizando.

Políticas que, por um lado, não impediram a degradação de muitos desses espaços e que ficaram muito aquém dos objectivos de valorização que proclamavam e, por outro, fizeram tábua rasa da ideia de que estes territórios são terra com gente – terra humanizada – em que as populações locais são, em geral, detentoras da quase totalidade da propriedade do território que o moldaram com trabalho árduo desde tempos ancestrais e que são a mais sólida garantia para o seu futuro desenvolvimento sustentado.

Políticas que discriminaram negativamente as populações destas regiões em termos de investimento público, incluindo na preservação do próprio património e lhes impuseram limitações às suas actividades e às suas vidas sem qualquer contrapartida.

E se há custos que podem ser inevitáveis para uma eficaz defesa das Áreas Protegidas, esses custos não podem ser lançados apenas para cima dos que lá vivem e enfrentam toda a espécie de condicionalismos e restrições. 

Custos que deviam ser suportados por toda a sociedade e que o Estado devia assegurar, porque sendo esse um património de todos, uma riqueza do país, por todos deve ser assumido. A socialização desses custos pelo Estado tem ainda mais razão de ser quando estamos perante territórios a braços com inquietantes processos de desertificação humana, de abandono e declínio social e das actividades económicas em resultado das políticas de abandono dos espaços rurais e sectores produtivos que lhe dão vida.

Estamos aqui numa região que sente particularmente essa discriminação e que crescentemente tem estado confrontada com as desastrosas políticas nacionais e comunitárias para a agricultura e a floresta, com a sistemática omissão e ausência de efectivas políticas de desenvolvimento regional, com as políticas de restrição orçamental que inviabilizam a criação de infra-estruturas essenciais e com as politicas neoliberais de ataque aos serviços públicos.

Isso tem-se visto na falta de apoio à reflorestação das zonas ardidas e ao ordenamento florestal: na não criação de bolsas de água para combate aos fogos; na falta de medidas que garantam às populações da serra da Peneda e Soajo, como as das freguesias de Gavieira e Soajo, serviços adequados de telecomunicações – telefone móvel – e transportes públicos rodoviários; no incumprimento de promessas de apoio, como foi o caso das ajudas para alimentação animal no caso dos fogos; no arrastamento do pagamento das indemnizações devidas pelos prejuízos causados pelos lobos; no encerramento dos serviços de saúde de urgência, cada vez mais longe, com é o caso recente do fecho, pelo actual Governo, da urgência em Arco de Valdevez.

São as dificuldades crescentes de encontrar no nosso país, e em toda esta região, saídas para as suas vidas que levam milhares de pessoas a ir para Espanha.
   
Vão para Espanha trabalhar porque aqui há cada vez menos empregos e os salários e os rendimentos são fracos.
   
Vão a Espanha comprar muito do essencial do que precisam, porque a diferença no IVA e outros impostos contam nos preços.

Quando olhamos algumas das nossas áreas protegidas o que sentimos é um sentimento de desolação – os incêndios, as pedreiras, o entulho, o lixo, o abandono. Que revelam bem a incapacidade e a inoperância que resulta da insuficiência de meios humanos, materiais e financeiros que têm sido postos à disposição das Áreas Protegidas e do próprio Instituto de Conservação da Natureza nos seus trinta anos de existência, mas também a delapidação do património ambiental e natural do país, quantas vezes a reboque dos interesses da especulação imobiliária e de uma exploração desenfreadas dos recursos destes territórios especiais.

Este ano, o Ambiente vai ser mais uma vez no Orçamento de Estado para 2008, juntamente com a agricultura, o parente pobre deste Governo do PS, com uma nova redução das verbas destinadas à conservação da natureza.

A política de conservação da Natureza não pode ser baseada no abandono, na proibição da utilização dos espaços pelas populações, fomentando relações tensas e conflituosas e o divórcio entre as populações e as administrações destas áreas. Esta é uma situação que conduz ao afrouxar da fiscalização e da colaboração das populações na preservação e defesa dos próprios parques, que não os sentem como seus e necessários.

Com o governo do PS de José Sócrates, os problemas estão a assumir contornos cada vez mais preocupantes, quer em relação às próprias Áreas Protegidas, às suas estruturas de gestão e ao seu enquadramento institucional, quer em relação às políticas económicas e sociais que influenciam directamente as actividades e as condições de vida das populações residentes.

Em relação ao enquadramento institucional, muitas preocupações acerca da reestruturação do Instituto de Conservação da Natureza, agora chamado também de Biodiversidade. As tendências expressas e as práticas provenientes na nova legislação deste governo do PS, não só apontam no sentido de uma conservação da natureza mais distante das populações, como põem a conservação da natureza a reboque dos interesses das empresas de animação turística e visitação.

Isso é evidente, como aqui foi colocado, quer em termos da nova orgânica do Instituto de Conservação da Natureza, com a eliminação das estruturas directivas de cada Área Protegida e o afastamento do Poder Local da intervenção deliberativa na gestão destas áreas, quer pela sua nova filosofia e missão, agora mais virada para o usufruto recreativo das áreas protegidas pela população urbana e menos para a reabilitação e revitalização das vivências rurais que têm sido o suporte destes territórios.

O governo do PS, mais uma vez aproveita para fazer do Poder Local o bode expiatório do fracasso das políticas do ICN para a conservação da natureza em Portugal. Com o Poder Local mais limitado na sua intervenção e uma gestão mais longe das áreas protegidas, com o processo de centralização dos respectivos organismos de direcção, o que se ensaia é não só a sua desresponsabilização perante as populações, mas uma gestão das áreas protegidas e elaboração e execução dos seus Planos de Ordenamento, em que os agentes locais são meros figurantes, remetidos a um mero papel consultivo.

Fala este governo da importância da descentralização, mas todo o caminho que percorre é o da centralização nos mais diversos serviços públicos, cada vez mais afastados das populações, na gestão dos fundos comunitários, no afastamento dos poderes locais, na elaboração e execução das políticas de desenvolvimento local e regional.

Com tal modelo está agora mais plano o caminho para o prosseguimento das soluções de desenvolvimento assentes nas orientações do neoliberalismo depredador, que não tem em conta a defesa dos territórios, dos seus valores naturais e sustentabilidade. São as soluções das parcerias público/privadas (mais privadas que públicas) e que são uma permanente ameaça ao efectivo interesse público e às funções de regulação ambiental, reserva do diverso património, informação científica e cultural próprias das Áreas Protegidas.

As super-áreas, os super-directores, a exclusão do Poder Local, a privatização e a mercantilização da gestão territorial e da conservação da natureza, são o caminho mais curto para o agravamento dos problemas que já conhecemos nas Áreas Protegidas.

Sabemos e não podemos iludir que nestes espaços surgem conflitos de interesses e se desenvolvem situações de incompatibilidade que se acentuam pela falta de planeamento e de avaliação e utilização racional dos recursos, como é o caso da utilização do potencial eólico e hídrico destes espaços. Tal como não podemos iludir a capacidade de manobra dos grandes interesses para levar a água ao seu moinho criando falsas expectativas às populações marginalizadas ao longo dos tempos por políticas injustas.

Não são soluções fáceis quando estamos perante um Estado e uma política que se demite de defender os interesses das populações e do país e se põe a reboque dos grandes interesses, com a privatização dos serviços públicos e com a criação de regimes de excepção e de concessões para o grande capital e nega às populações um sistema justo de compensações na restrição à fruição dos recursos.

No que diz respeito às políticas agro-rurais do governo do PS, elas vão mais no sentido de liquidar o que resta da agricultura familiar, do que responder aos problemas e angústias que atingem os agricultores e o mundo rural e em particular as zonas de montanha.

O que se prepara com o Plano de Desenvolvimento Rural (PDR) é a repetição da situação do passado com a concentração de cerca de 95% das verbas dos apoios comunitários e nacionais em cerca de 5% das grandes explorações e na grande agro-indústria, apesar de cerca de ¾ do Produto Agrícola das fileiras apresentadas como estratégicas no Plano de Desenvolvimento Rural, serem o resultado da actividade das explorações com menos de 5 hectares.

O que se prepara, são brutais cortes nas agro-ambientais e no afastamento no acesso aos fundos dos pequenos agricultores.

É assim com a eliminação do acesso às Indemnizações Compensatórias dos cerca de 15 mil candidatos com áreas entre 0.5 e 1 hectare, a que se juntam novas e incontornáveis exigências no seu acesso. É assim na redução do nível de apoio às raças autóctones, inclusive de raças como a barrosã e a minhota bem presentes nesta região, onde a ajuda em vez de subir diminuiu 54 euros! E esta é uma questão nuclear de sobrevivência de uma das únicas produções pecuárias rentáveis.

O que tudo isto significa é que o Governo PS vai manter toda a injustiça na distribuição das ajudas comunitárias. Isto é, muito dinheiro para os grandes proprietários, migalhas para os pequenos agricultores.

O que aí vem com a reforma da Organização Comum de Mercados da vinha e do vinho é a liberalização das plantações e mercados, contra os interesses da produção nacional, numa contraditória orientação que aponta e favorece com incentivos o arranque da vinha, no imediato (nas pequenas explorações) e, a prazo, para liberalização do mercado a favor dos grandes produtores.

Com tal política, teremos fatalmente mais abandono da produção agrícola e mais terras abandonadas.

Um desenvolvimento em harmonia com a natureza exige a utilização dos recursos naturais ao serviço do país e do povo e uma clara política de ruptura com a lógica de destruição ao sabor dos grandes interesses privados. Só a democratização da gestão e do usufruto dos recursos naturais, com uma política orientada para a promoção e elevação da qualidade de vida das populações, pode travar a actual tendência de degradação e destruição do património natural de Portugal.

Estamos confiantes que a nossa Conferência Nacional será capaz de dar resposta aos muitos problemas da defesa da conservação da natureza, a vossa importante participação que mais uma vez agradecemos, foi um inestimável contributo nesse sentido.