Fernanda Mateus, Membro da Comissão Política do Comité
Central do PCP
Camaradas
Nos últimos 30 anos, os traços mais marcantes da evolução
da situação das mulheres em Portugal são indissociáveis
de dois processos de sentido antagónico: por um lado, a Revolução
de Abril que revolucionou a sua situação na vida e na lei
e que deu forte impulso à sua luta organizada e à acção
das organizações em defesa dos seus direitos; e em sentido
inverso, em resultado das políticas de direita, o sistemático
incumprimento de direitos, as persistentes discriminações
das mulheres e os insanáveis obstáculos a uma participação
em igualdade no trabalho, na família, na vida social e política.
Mas para a maioria PSD/CDS-PP já não é suficiente
fazer letra morta das leis que salvaguardam importantes direitos específicos
das mulheres. Vão mais longe. Mudam as leis.
Mudanças nas leis laborais e da segurança social. Mudanças
que, afectando o conjunto dos trabalhadores e as camadas sociais mais
vulneráveis, abrem novas possibilidades de desvalorização
do valor do trabalho da trabalhadora; de uso da sua mão-de-obra
de forma cada vez mais flexível e precária; de anulação
dos direitos específicos das trabalhadoras, incluindo os relativos
à maternidade; leis que promovem uma maior desprotecção
social das mulheres na doença, no desemprego, na maternidade e
na velhice e em situações de grave carência económica
e social e de pobreza.
Mudanças nas políticas de família. Mudanças
que subvertem os valores e princípios emanados de Abril; mudanças
ao arrepio das novas realidades familiares e dos novos papéis que
as mulheres aspiram assumir na vida privada e pública. São
mudanças que retomam o velho conceito de família perfeita,
ideal, com a mulher em casa ou a trabalhar a tempo parcial, ao domicílio
ou no regime de tele-trabalho, cabendo-lhe a principal responsabilidade
na prestação de cuidados aos filhos e aos idosos, na renovação
da força de trabalho dos membros activo do seu agregado.
São mudanças que aprofundam a demissão do papel
do Estado na garantia de funções sociais vitais para a concretização
da igualdade de acesso de todas as mulheres à saúde, à
segurança social, à educação, independentemente
da sua condição social ou étnica. Mudanças
que acentuam as causas da feminização da pobreza, do abandono
e insucesso escolar, das gravidezes precoces e da prostituição
de mulheres e crianças.
São mudanças que desferem duros golpes nas garantias de
protecção da função social da maternidade-paternidade;
que abandonam o objectivo de criação de uma adequada rede
pública de creches, infantários e ATL’s e de equipamentos
de apoio às necessidades específicas das idosas.
São mudanças que tornam a manutenção do aborto
clandestino numa matéria central do acordo de coligação
entre o PSD e o CDS-PP e da acção política do Governo
e da sua maioria parlamentar; que dão azo a posições
de membros desta coligação marcadas pelo preconceito contra
as mulheres que abortam; que animam a perseguição judicial
das mulheres que recorrem ao aborto clandestino em Portugal; que ignoram
a obrigatoriedade dos serviços públicos de saúde
assegurarem a interrupção voluntária da gravidez
em todos os casos previstos na actual lei; que, a partir do aparelho de
Estado, subvertem valores e princípios que alicerçam a implementação
da educação sexual nas escolas e importantes direitos sexuais
e reprodutivos conquistados, pela primeira vez, após o 25 de Abril.
Todas estas mudanças, apresentadas como o paradigma da modernidade,
mais não são do que o retomar dos velhos ciclos de inferioridade
social, económica, política e cultural que perseguem e afectam
a condição das mulheres ao longo da história.
Este brutal ataque aos direitos das mulheres é acompanhado por
uma forte e continuada ofensiva ideológica visando enfraquecer
a luta organizada das mulheres e que, tendo adquirido novo fôlego
com a maioria PSD/CDS-PP, se caracteriza, no que se refere aos direitos
das mulheres, pela tentativa de dar exclusiva centralidade aos temas e
iniciativas de instâncias nacionais e comunitárias; pela
tentativa de desideologização das questões da igualdade
da participação das mulheres; pela centralização
das causas das discriminações em aspectos iminentemente
culturais e desligados dos efeitos das políticas económicas
e sociais dos sucessivos governos; pela tentativa de limitar os campos
de acção das organizações de mulheres.
É uma ofensiva que pretende silenciar as causas e os responsáveis
pelos problemas – a política de direita; silenciar os caminhos
que podem dar êxito à igualdade e à emancipação
das mulheres. Uma ofensiva que permanentemente desvaloriza e minimiza
o insubstituível valor da luta organizada das mulheres.
Camaradas
Tem-se lutado — e muito — contra estas políticas e
estes caminhos. As mulheres têm sido sujeitos activos destas lutas
e o PCP tem estado na primeira linha deste combate. Mas precisamos de
ir mais longe!
Ir mais longe na integração dos problemas e reivindicações
específicas das mulheres na luta da classe operária, dos
trabalhadores e das suas organizações de classe e na luta
de outras importantes organizações da frente social de luta.
Precisamos de ir mais longe e ainda com maior audácia no recrutamento
de mulheres para o Partido, dirigindo esforços especiais junto
das operárias; na integração e responsabilização
de um número crescente de mulheres comunistas aos diversos níveis
da vida do PCP e aos mais diversos níveis da sua direcção,
bem como na sua intervenção no plano institucional –
Assembleia da República e autarquias.
É necessário redobrar os esforços visando o reforço
da luta organizada das trabalhadoras no movimento sindical e na CGTP-IN,
dando voz a importantes problemas e reivindicações específicas
das trabalhadoras e tornando-os um factor de enriquecimento e fortalecimento
da luta do conjunto dos trabalhadores.
Precisamos de ir mais longe, camaradas, no estímulo e apoio aos
importantes objectivos de luta de movimentos de mulheres com as características
do Movimento Democrático de Mulheres.
Camaradas
O cumprimento destes objectivos necessita do empenhamento de todo o colectivo
partidário, mas não pode dispensar um mais vivo, irreverente
e audaz empenho de todas as mulheres comunistas contra os preconceitos
e as discriminações a que as mulheres continuam sujeitas
na sociedade e em defesa dos seus direitos e aspirações.
Só assim estaremos em condições de responder aos
desafios que estão colocados ao PCP, no presente e no futuro. Só
assim estaremos em condições de afirmar e consolidar a longa
e coerente intervenção do Partido Comunista Português
em defesa da igualdade e da emancipação feminina. Uma intervenção
que só foi possível com a empenhada e abnegada intervenção
de sucessivas gerações de mulheres comunistas.
Viva as mulheres comunistas!
Viva o PCP!