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Semanário Internacional “30 anos da Revolução Portuguesa”
Semanário Internacional “30 anos da Revolução Portuguesa”
Sábado, 24 Abril 2004

Extracto da intervenção de Carlos Carvalhas, Secretário-geral do PCP
 

1

Saudando todos os participantes neste Seminário pela sua presença interessada e activa contribuição, permitam-nos uma palavra de especial gratidão e reconhecimento para os representantes de partidos comunistas e de outras forças de esquerda e progressistas de países dos cinco continentes que, com a sua valiosa reflexão e os seus interessantes testemunhos, aqui confirmaram a importância internacional da Revolução portuguesa do 25 de Abril e a actualidade e projecção dos seus ideais, valores e realizações, na perspectiva dos diversificados mas convergentes caminhos e objectivos de luta que, para hoje e para amanhã, continuamos a querer percorrer, na base de uma profunda, apaixonada e consequente vinculação aos ideais da liberdade, da democracia, da paz, da justiça social, do socialismo.

A todos queremos dizer que o Partido Comunista Português, os trabalhadores e o povo português têm legitimo orgulho na sua própria acção, papel e intervenção determinantes na luta pela conquista da liberdade, no processo da revolução democrática e nos seus dois anos de curso emancipador e transformador.

Mas também não esquece que a luta pela liberdade em Portugal e os próprios objectivos da Revolução de Abril beneficiaram do património de experiências e de luta de outros povos e sobretudo da vasta, generosa e forte solidariedade internacionalista que o PCP, os trabalhadores e o povo português receberam nas ásperas mas exaltantes batalhas corajosamente travadas.

E que, de forma inesquecível, também retribuíram no curso da revolução de Abril com grandes jornadas e acções nacionais de solidariedade com os outros povos em luta, designadamente com os povos do Chile, do Brasil e de outros países da América Latina e com os povos irmãos até então submetidos ao colonialismo português.

À distância de 30 anos do 25 de Abril de 1974 queremos afirmar com toda a clareza que, em nossa opinião, muita coisa pode ter mudado no mundo, muitas novas questões e problemas podem ter surgido, muitos novos desafios podem perfilar-se diante das forças do progresso social à escala nacional e mundial. Mas não é hoje menor, antes é ainda maior e mais imperativa, a exigência do reforço e multifacetado desenvolvimento das formas e acções de cooperação e de solidariedade entre todos os povos e entre todas as forças, correntes e movimentos que querem fazer recuar a agressividade do imperialismo e querem fazer progredir e concretizar inadiáveis aspirações da humanidade a um mundo mais justo, à garantia de direitos conquistados, à erradicação de intoleráveis injustiças, à supremacia dos valores da paz e da justiça sobre as políticas de agressão, de guerra e rapina.

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Como acontecimentos maiores da história de Portugal no século XX e de vasta repercussão internacional e como experiências marcantes na vida de milhões de portugueses, o derrubamento da ditadura fascista e o processo da Revolução de Abril representam uma inesquecível realização do povo português que nenhumas reescritas da história, por mais insolentes que sejam, nenhumas maquilhagens semânticas, por mais desavergonhadas que sejam, nenhuns ajustes de contas, por mais mesquinhos e vingativos que sejam, podem desmerecer, apoucar ou apagar.

Este nosso seminário internacional, graças às valiosas contribuições que integrou, ilustra bem a importância para o presente e o futuro de uma reflexão aprofundada sobre a identidade essencial da revolução de Abril e o significado dos seus objectivos e realizações mas também ilustra inevitavelmente como são quase inesgotáveis as linhas e temas de evocação e reflexão que os 30 anos da revolução democrática propiciam.

Compreenda-se por isso que, sem qualquer pretensão de uma abordagem exaustiva ou desenvolvida, e tendo em conta sobretudo o debate que tem sido travado em torno deste 30º aniversário do 25 de Abril, sublinhemos apenas algumas anotações que, neste quadro, nos parecem essenciais.

Assim:

A primeira anotação visa reafirmar com toda a clareza que o PCP, por mais anos que tenham passado e que venham a passar, continua a prestar comovida homenagem à coragem e iniciativa dos capitães do MFA e ao seu papel decisivo no derrubamento da ditadura pelo seu levantamento militar no dia 25 de Abril de 1974 e que os comunistas portugueses, se orgulham por, ao contrário de outros sectores políticos portugueses, ao longo destes últimos trinta anos, terem sempre permanecidos fieis a esta apreciação e valorização e não a terem deixado alterar por factos, percursos ou divergências posteriores.

Mas, reafirmando esta posição, queremos ao mesmo tempo deixar claro que não acompanhamos, antes combatemos vivamente, as teses que tendem ou a separar completamente a iniciativa e o levantamento militar do processo prolongado e heróico da resistência popular e democrática ao fascismo ou a explicar a iniciativa e o levantamento militar exclusivamente pelo real desgaste causado nas Forças Armadas por 13 anos de guerras coloniais, esquecendo, entre outras coisas, que a consciência democrática dos capitães de Abril se formou e fortaleceu em contacto com a luta democrática e antifascista e que não foi por acaso que o Programa do MFA incorporou de forma tão substancial reivindicações e objectivos essenciais da oposição democrática ao fascismo e de uma oposição ao fascismo em que o PCP desempenhou um papel dinamizador e agregador de primacial importância e relevo.

A segunda anotação tem ligação directa com a primeira, e visa sublinhar que, nessa sequência, foi precisamente a iniciativa e a intervenção das massas populares, do PCP e de outros democratas, em apoio ao MFA mas levando para o primeiro plano da cena política e social, os objectivos essenciais da luta democrática contra o fascismo, que permitiram que o acto militar de derrubamento da ditadura abrisse caminho a uma verdadeira revolução democrática, firmemente orientada para a ruptura com a situação anterior pela liquidação das estruturas do regime fascista, firmemente apostada não apenas em remodelar o anterior pessoal governante mas também em abalar o poder das classe dominantes que tinham sustentado a ditadura, firmemente apostada não apenas em assegurar as liberdades políticas mas também em obter reparação para injustiças, humilhações e opressões sem conta e conquistar uma vida melhor.

A terceira anotação pretende sublinhar que muitas das incompreensões, divisões e conflitos que se registaram entre sectores democráticos, civis e militares, sobre os rumos da Revolução de Abril se radicaram em incompreensões e divergências sobre a própria natureza da ditadura fascista que tinha amordaçado e oprimido os portugueses durante 48 anos. Com efeito, enquanto o PCP sustentava, há muito, que o regime fascista tinha a natureza de classe de uma ditadura terrorista dos monopólios e latifundiários (e que, consequentemente a ausência de liberdade e uma feroz repressão eram instrumentos de uma acção coerciva do Estado favorável à acumulação e concentração capitalista) outros sectores democráticos quase que apresentavam o regime fascista como o mero resultado de uma clique política reaccionária. Esta apreciação conduzia e conduziu em linha quase recta, salvo adaptações verbais forçadas pela conjuntura, a que para estes sectores o programa principal a realizar a seguir ao derrubamento da ditadura fosse quase exclusivamente a instauração de liberdades e de um sistema democrático (em algumas versões e concepções, em termos extraordinariamente recuados e empobrecidos, quando não próximos de soluções de acentuado autoritarismo). Já muito diferentemente, o PCP, demonstrando um incomparável empenho e determinação na construção de um regime democrático escolhido pelo próprio povo, sustentava a indispensabilidade, para defesa da nova situação democrática, de enfrentar e derrotar as forças e interesses que tinham sido a principal base de sustentação do fascismo, de realizar com urgência uma política de melhoramento geral das condições de vida da população, de empreender transformações económicas e sociais de caracter estrutural, de garantir amplos e novos direitos aos trabalhadores.

E, à distância de 30 anos, não temos dúvidas em afirmar o vasto e diversificado património de realizações do 25 de Abril – da conquista de uma efectiva democracia política às nacionalizações, da intervenção dos trabalhadores nas empresas à Reforma Agrária, da generalização da segurança social à consagração de uma vasto acervo de direitos dos trabalhadores, passando pelo fim da guerra e pela contribuição da revolução para a independência dos povos das colónias – representam não páginas sombrias de um passado recente ou expressões de um qualquer modelo ou de um radicalismo desvairado, como afirmam conservadores e reaccionários de variados matizes e etiquetas, mas sim páginas brilhantes e luminosas da vida nacional escritas pela luta dos trabalhadores, de milhares de portugueses, civis e militares, de ideias progressistas e do PCP.

A quarta anotação, infelizmente tornada necessária quase 30 anos depois pela maneira como alguns continuam hoje a falar, visa salientar que a conquista da paz e o fim da guerra colonial se inscreveram entre as mais justas, as mais prementes, as mais necessárias e mais importantes realizações da Revolução de Abril.

A recusa da concretização do direito à independência dos povos das colónias, o adiamento dessa concretização ou o enveredar por soluções neocolonialistas teriam significado inevitavelmente a continuação da guerra e mais sofrimentos para o povo português e para os martirizados povos da Guiné, de Angola e de Moçambique.

Por vezes, há democratas que, respondendo aos adversários e críticos da chamada «descolonização», insistem sobretudo em argumentos de ordem prática como o de que, derrubada em Portugal a ditadura, os militares portugueses já não se dispunham a continuar a combater e, portanto, não havia meios militares para tentar impor ou forçar soluções diferentes das que vieram a ser adoptadas.

Pela nossa parte, nós continuamos a insistir em que a questão fundamental é que não seria nem justo nem aceitável que o Portugal libertado do fascismo continuasse a fazer a guerra aos legítimos representantes dos povos coloniais e que foram e continuam a ser absolutamente intoleráveis todas as posições que, de uma ou de outra forma, sempre se esquecem que a independência era um direito sagrado daqueles povos e não uma matéria de decisão arbitrária do Estado colonizador. E continuamos ainda a insistir que a recusa da independência das colónias e a imposição de soluções neocolonialistas teriam também significado uma radical retrocesso e involução na situação democrática criada após o 25 de Abril e a imposição de soluções políticas autoritárias, que ainda assim, foram diversas vezes tentadas e, felizmente, diversas vezes derrotadas.

A quinta anotação visa enfrentar, sem temor nem vacilações, a mentirosa campanha que, desde há 30 anos, através de manipulações, censuras, selecções arbitrárias de factos, palavras, imagens, momentos e acontecimentos, procura aprisionar as jovens gerações (mas também todos os que, tendo vivido o 25 de Abril, entretanto perderam a memória) na falsa ideia de que a revolução foi apenas um tempestuoso cacharolete de conflitos e confrontações e um alucinante vendaval de violência, agitação e instabilidade.

À distância de 30 anos, nesta matéria, importar reafirmar duas ideias essenciais : a primeira é que os conflitos e confrontos efectivamente verificados tiveram causas e como causa maior tiveram exactamente a resistência e a oposição violenta aos rumos libertadores do 25 de Abril; e a segunda é que a revolução do 25 de Abril, com uma inestimável contribuição dos comunistas portugueses, foi sobretudo um tempo de incomparável participação popular, de liberdade e democracia conquistadas e exercidas dia a dia, de imaginação e criatividade, de generosidade individual e colectiva, de dignificação humana, de pujante afirmação de valores éticos e cívicos, de uma grandeza e beleza sem par nas pequenas e grandes tarefas de democratização e transformação da vida nacional.

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Depois destas cinco breves anotações, permitam-me ainda que sublinhe que quando hoje tanto se fala de terrorismo é necessário também não esquecer que a longa noite fascista foi o governo terrorista dos monopólios e latifundiários, que no decurso da democratização da sociedade portuguesa no contexto de uma verdadeira revolução popular e militar, o grande capital, as forças fascistas, reaccionárias e de direita incapazes de conterem a dinâmica revolucionária começaram logo após o 25 de Abril a preparar golpes contra-revolucionários e a estrangular economicamente o país e são responsáveis pela vaga de terrorismo bombista no “verão quente” de 1975.

Ao longo de todos esses anos quem se encontra entre os torcionários, os golpistas, os contra-revolucionários e os terroristas não são os comunistas.

Estes encontram-se entre as vítimas do fascismo, entre os que sofreram o terrorismo bombista, entre os construtores do regime democrático, entre os que impulsionaram e defendem as conquistas de Abril e entre os combatentes da liberdade e os mais acérrimos defensores do aprofundamento da democracia.

Quando outros vestem hoje a pele de cordeiro, numa postura moralista e ética, procurando iludir a sua acção objectivamente contra-revolucionária é necessário lembrar que os conspiradores se apoiaram muitas vezes na convergência entre a acção do grande capital e dos grupos esquerdistas pseudo-revolucionários (MRPP, AOC...entre outros) na agudização extremista de conflitos sociais, na criação de ambiente de desordem e insegurança, procurando voltar sectores muito amplos da população contra o 25 de Abril, tentando assim por todos os meios impedir as transformações democráticas que a classe operária e os trabalhadores realizavam, apoiados pelos sectores progressistas (civis e militares).

Quando hoje tantos “sacodem a água do capote” negando aspectos importantes da sua acção antidemocrática, desdizendo aquilo que foram e defenderam quer no campo do “esquerdismo”, onde pontuaram os Eduínos Vilares, os Pachecos Pereiras, os Durões Barrosos..., quer no PSD em cujo programa se defendia as nacionalizações nomeadamente em “sectores chave e indústrias básicas” e um “socialismo democrático e humanista”; quer no PS que afirmava ter “como inspiração teórica o marxismo”, a reforma agrária e a intervenção de “uma sociedade socialista universal”, o PCP tem a consciência tranquila assumindo e continuando a assumir a responsabilidade dos seus objectivos, dos seus actos e da sua intervenção.

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Celebramos também neste Semanário o 25 de Abril numa altura em que o PS e o PSD mais uma vez - a sexta - aprovaram nova revisão da Constituição da República Portuguesa, a Constituição de Abril.

Com muitos elogios mútuos e muitas trocas de galhardetes PS, PSD e PP aprovaram uma nova revisão da Constituição, de mãos dadas, depois de terem andado a negociar à parte, no estilo de bloco central e sujeitando a Assembleia da República a uma discussão a trote e galope para designadamente alterarem o artigo 7 e 8, de modo a que a “Constituição Europeia” se possa sobrepor à Constituição da República Portuguesa! E tudo isto nas vésperas do 25 de Abril, que pelos vistos tanto a direita como o PS acham que deve ser assinalado com mais uma “Revisão”. Uma vergonha.

Na verdade o texto votado tem como objectivo central, permitir acolher a Constituição Europeia e com uma única salvaguarda - os princípios fundamentais do Estado de direito democrático. Nem sequer adopta a fórmula: com a salvaguarda dos “princípios fundamentais da Constituição Portuguesa”.

Pela nossa parte denunciamos vivamente que o PSD e PS andaram sempre a dizer que não só admitiam como encaravam favoravelmente um referendo sobre a Constituição Europeia, mas agora, ainda a Constituição Europeia não foi assinada nem aprovada e ainda nem os portugueses se pronunciaram em referendo e já estão a adaptar a Constituição Portuguesa à futura e pretendida Constituição Europeia.

Mas a negociata do PS com o PSD e o PP vai para além da revisão da Constituição.

Como as notícias da imprensa revelam, já há acordos para reverem as leis eleitorais e desde já a lei eleitoral das autarquias. Estão a tratar da “vidinha” tratando de votações na secretaria. O PS mais uma vez trocou o cartão amarelo ao governo que exibe nos seus cartazes eleitorais pelo acordo de bastidores e as cedências ao PSD e ao PP.

Nos elogios mútuos um deputado do PSD até falou num “Pentecostes”, uma “inspiração do divino espírito santo” que levou o PS para a boa revisão constitucional. Se de cartões se fala diremos então: cartão vermelho para o governo e cartão amarelo para o PS. É o que verdadeiramente merecem.

A coerência entre as palavras e os actos é uma pedra de toque da credibilização da política e da democracia. Há questões que são inaceitáveis.

Celebramos neste Seminário o 25 de Abril quando também o Governo significativamente retira o “R” à Revolução de Abril inspirando-se no slogan marcelista “evolução na continuidade”! Mas o povo tem-se encarregado de repor o “R” nos cartazes e nas manifestações e na luta quotidiana pelos seus direitos e justas reivindicações e aspirações.

Celebramos neste Seminário o 25 de Abril quando a política de direita condena o país à recessão - com a Dra. Manuela Ferreira Leite a repetir desde há um ano que o pior já passou -, ao retrocesso social, ao aumento do desemprego, à liquidação de direitos duramente conquistados pelos trabalhadores, ao encerramento de empresas como a Bombardier, à concentração da riqueza e ao restauracionismo dos privilégios dos grandes senhores do dinheiro, mas quando também os trabalhadores e o povo lutam, resistem, obrigando o Governo a recuos e não desistindo de lhe pôr fim o mais depressa possível.

Celebramos neste Seminário o 25 de Abril quando um governo vassalo de Bush atrelou o país a uma guerra ilegítima na base de uma mentira que provocou a morte a milhares de civis inocentes e a uma ocupação vergonhosa que tem levado o caos, a desorganização e a insegurança geral ao Iraque, ao serviço dos interesses das companhias petrolíferas americanas e britânicas mas também quando no nosso país cresce a exigência pela retirada da GNR e em todo o mundo é crescente a condenação da opinião pública à guerra e à ocupação. O PSD e o PP têm saudades do colonialismo e da guerra colonial.

Queremos ainda neste Seminário deixar uma palavra de solidariedade para todos os povos em luta e uma palavra muito especial ao povo palestiniano e à Alta Autoridade Palestiniana e a todas as forças de paz que em Israel e na Palestina lutam por um Estado Palestiniano independente, por uma solução pacífica na base das resoluções da ONU.

Celebrámos neste Semanário o 25 de Abril certos que 30 anos depois, “a passagem do tempo deve trazer não a desvalorização da Revolução de Abril mas a condenação da ofensiva da política de direita que liquidou muitas das suas conquistas e destruiu boa parte das suas realizações”, que 30 anos depois, “os portugueses não perderam a sua capacidade de indignação, de revolta e de luta e, para frustração de alguns, mesmo que se digam jovens, quando muitas vezes já não o são por mentalidade e por afirmação, a Revolução dos Cravos continua no coração do povo e os valores de Abril permanecem como referências essenciais para uma nova política ao serviço dos portugueses e de Portugal”.

Viva o 25 de Abril!